Curado da Covid, calçado volta a Milão com medo das feridas da guerra
Comitiva de 35 empresas portuguesas leva 48 marcas à maior feira de calçado do mundo. Guerra na Ucrânia já faz industriais duvidar da meta de recuperar exportações para o nível pré-pandemia em 2022.
Quase um mês depois do previsto, após a organização ter adiado a MICAM para uma data em que já houvesse menos restrições por causa da Covid-19 e que permitisse a presença de mais compradores extracomunitários em Itália, a maior feira de calçado do mundo arrancou este domingo com uma nova “sombra” – a guerra na Ucrânia – que ameaça ser tão destrutiva para o negócio quanto a pandemia que em 2020 deixou por vender 4 mil milhões de pares de sapatos em todo o mundo, o equivalente a 70 anos de produção em Portugal.
As exportações portuguesas caíram 16% em termos homólogos no primeiro ano da pandemia, para 1,5 mil milhões de euros, tendo recuperado no ano passado para um valor a rondar os 1,7 milhões de euros, num total de 69 milhões de pares. Isto é, cresceu 12% face a 2020, ficou ainda 6% abaixo de 2019, mas os empresários andavam animados porque o último trimestre de 2021 — tal como o primeiro trimestre de 2022, indicam fontes do setor — foram os melhores de sempre do calçado português nos mercados internacionais. Porém, em poucas semanas passaram desses indicadores que “deixavam antever um grande ano” no pós-pandemia para “uma incógnita muito grande com esta situação em que o Sr. Putin [os] colocou”.
“Voltamos a estar numa indefinição, sem saber exatamente como as coisas vão correr. Há aumentos brutais a nível energético, no preço dos materiais, nos transportes. Tudo isto provoca uma inflação que não sabemos onde vai parar. Queríamos sobrepor e ficar bastante acima de 2019, que já não foi um ano por aí além. Essa era a nossa meta para 2022. Até à entrada de março prevíamos um crescimento mesmo muito bom, mas neste momento já tenho dúvidas se será possível [repor o registo pré-pandemia]. A incerteza é muito grande. Então neste setor tudo passa a ser secundário. Perante uma ameaça destas, as pessoas deixam de pensar em moda e tudo se torna irrelevante. E precisamos de paz, de crescimento económico, de liberdade e de abertura de mercados para as pessoas estarem dispostas a usar estes produtos e fazerem a sua vida normal”, indica Luís Onofre.
Queríamos sobrepor e ficar bastante acima de 2019, que já não foi um ano por aí além. Essa era a nossa meta para 2022. Até à entrada de março prevíamos um crescimento mesmo muito bom, mas neste momento já tenho dúvidas se será possível [repor o registo pré-pandemia].
Em declarações ao ECO, o presidente da associação do setor (APICCAPS) já dá como perdidos os perto de 15 milhões de euros de vendas que foram feitos diretamente para a Rússia (13,5 milhões) e para a Ucrânia (1,5 milhões) em 2021. Assim como o cancelamento das encomendas que eram feitas em regime de private label para clientes internacionais que as distribuíam depois também pelo mercado russo, que está agora completamente fechado. A Rússia era o 8º maior importador de calçado a nível mundial em 2020, com uma quota de 2,4%, equivalendo a um total de 256 milhões de pares de sapatos.
Porém, insiste Luís Onofre, mais do que os dados específicos desses dois países, “o grande problema neste momento é as pessoas estarem obcecadas com o tema da guerra e depois todo o efeito que isso tem no resto dos mercados internacionais, em que ninguém está a pensar em moda nem a querer ir a uma loja comprar uns sapatos de salto alto”. A começar pelos vizinhos como a Polónia, Lituânia ou Roménia, nos quais o cluster nacional do calçado – que incluindo os componentes, os artigos de pele e os curtumes emprega 40 mil pessoas – estava a conseguir comercializar cada vez mais artigos nos últimos anos.
Comitiva nortenha voa com nova imagem e companhia
É neste cenário de incerteza que uma comitiva de 35 empresas portuguesas está no recinto da Fiera Milano Rho, que durante três dias volta a ser o epicentro da indústria mundial de calçado, para a apresentação das coleções outono-inverno 2022-2023 de um total de 48 marcas. A participação nacional fica ainda longe dos 89 expositores que há três anos, antes da Covid-19, marcaram presença na Micam, que nesta edição decorre sob o mote #BetterTogether, com um horário mais alargado e, ainda em resultado do coronavírus e agora da guerra na Europa – com menor presença de clientes extracomunitários, com origem nos EUA, Canadá, Rússia, Japão, China ou Coreia do Sul.
Pela primeira vez, a comitiva composta por cerca de uma centena de pessoas não se deslocou para o norte de Itália num avião da TAP, preferindo antes voar na Ryanair, que ofereceu melhores condições em termos de preços e uma ligação direta a partir do Porto, sem necessidade de fazer escala em Lisboa. Com um preço médio por par exportado (à saída da fábrica) de 24,16 euros em 2021 — continua a ser o segundo mais caro a nível mundial, a seguir ao italiano –, os industriais participam nesta feira inseridos na estratégia promocional definida pela APICCAPS e pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com o apoio do Programa Compete 2020, para consolidar a posição relativa nos mercados externos.
Na bagagem levam já a nova campanha de promoção internacional, que foi apresentada esta semana e que prossegue o mote “Pode a indústria ser uma forma de arte?”. O mais recente capítulo da campanha institucional Portuguese Shoes, que recria várias obras de seis pintores portugueses de referência com a participação dos atores Albano Jerónimo e Anabela Moreira, sobe para 8,5 milhões de euros o montante já gasto desde o início da campanha em 2009, período em que as vendas ao exterior cresceram 38,7% e passou a exportar quase mais 500 milhões de euros por ano.
Estas são as marcas e fabricantes portugueses que vão estar na Micam até terça-feira: Aerobics / Bella B, Ambitious, Brako / BRK, Centenário, Coxx-Boba / THEGrls, Cruz de Pedra, Darita / Friendly Fire, Esc, Felmini, Flex&Go, Fly London / Softinos / As Portuguesas, Hugo Manuel / Hupa Shoes, Ibershoes / Creator, J. Reinaldo, Jooze / Pretty Love, Kuru, Last Studio, Mata / Men’s Devotion, My Cute Pooch, Overstate, Paradigma, Plumex. Portania, Pratik / Imagini, Profession: Bottier, Sónia Patrício / Bisous Confiture, Storm, Suave, Take a Walk, Tatuaggi, Tentoes, True Shoes, Urban / New Time, Valuni e Walkys.
(O jornalista viajou para Itália a convite da APICCAPS)
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