Prova dos 9: TAP pode emprestar slots à Ryanair, como pede a companhia low-cost?
Ryanair cancelou 19 rotas em Lisboa porque, diz, o Governo não obrigou a TAP a emprestar os slots que esta não vai utilizar. Mas pode a TAP emprestar slots à Ryanair?
A TAP continua a dar que falar, nomeadamente pelos slots que tem no aeroporto de Lisboa. A Ryanair criticou desde o início a ajuda estatal à companhia aérea, por considerar que o Governo está a “desperdiçar dinheiro” dos impostos numa companhia “falhada”. No ano passado, a Ryanair já acusava a TAP de bloquear slots no aeroporto de Lisboa. E desde então as acusações continuaram. Nas últimas semanas, o CEO da companhia irlandesa apelou várias vezes ao Governo para emprestar os slots que a TAP não pretende usar no verão. Perante a falta de resposta do Executivo, a Ryanair cumpriu com as ameaças e cancelou mesmo 19 rotas na capital. Mas pode a TAP entregar temporariamente slots à Ryanair, como esta pede?
Os slots são faixas de descolagem e aterragem atribuídas às companhias aéreas num determinado aeroporto — por exemplo 8h de segunda-feira ou 13h de quinta-feira. São usados quando a capacidade do aeroporto chega ao máximo — como é o caso do aeroporto de Lisboa. O número de slots é atribuído no início de cada temporada (por exemplo verão) consoante vários critérios, sendo que as companhias de bandeira têm vantagem devido à antiguidade.
Atualmente, a TAP tem 300 slots diários no aeroporto de Lisboa. A Ryanair vem imediatamente atrás, “com uma média de 67 slots diários“, representando “a segunda maior companhia aérea” naquele aeroporto, adiantou fonte oficial da NAV Portugal ao ECO.
As regras comunitárias dizem que as companhias aéreas têm de utilizar, pelo menos, 80% de cada slot. Contudo, devido à pandemia, que fez desaparecer muitos passageiros, essa percentagem está agora em 64%, e vai manter-se assim até outubro. Ou seja, imaginando que uma companhia aérea tem o slot das 8h de segunda-feira durante 30 semanas (verão IATA 2022), isto quer dizer que terá de o usar, pelo menos, 64% das vezes nesse período. Nesse horário pode voar para onde quiser, com o avião que quiser, mas tem de o utilizar.
É aqui que entram as acusações da Ryanair. A companhia low-cost acusa a TAP de estar a bloquear slots no aeroporto de Lisboa. Em conferência de imprensa a 29 de novembro de 2021, Michael O’Leary afirmou que a TAP sabe com antecedência que não vai usar esses slots, mas só as liberta com aviso prévio tardio de duas a três semanas antes de cancelar os respetivos voos. Aqui, importa explicar que os slots são atribuídos às companhias aéreas pelo Gabinete de Coordenação de Slots da NAV Portugal e que quando estas não os pretendem usar devolvem-nos à mesma entidade.
As afirmações
Nas últimas semanas, Michael O’Leary pediu várias vezes ao Governo para emprestar à Ryanair os slots que a TAP não pretende usar no verão no aeroporto de Lisboa, sob pena de a companhia irlandesa ser “forçada” a cancelar rotas na capital.
“A Ryanair (…) poderá ser forçada a reduzir o número de aeronaves da base em Lisboa (…) no verão 2022, com a perda de 20 rotas (…), tendo em conta a contínua acumulação de slots não utilizados no aeroporto de Lisboa”, lê-se numa carta enviada pela Ryanair a António Costa a 16 de fevereiro. “Com uma frota reduzida e três mil milhões de euros em auxílios estatais, a TAP não pode e não irá utilizar os slots este verão“.
“A Ryanair não precisará destes slots após o verão 2022 (…) Uma vez que a TAP não utilizará estes slots no verão 2022, estes serão desperdiçados, a menos que o primeiro-ministro intervenha e solicite à TAP o empréstimo destes slots à Ryanair, apenas para o verão”, referiu Michael O’Leary, numa outra carta enviada a António Costa a 28 de fevereiro.
Nessas mesmas cartas, Michael O’Leary avisava que, caso o Governo não cedesse, a Ryanair iria cancelar várias rotas na capital. E, perante a ausência de resposta do Executivo, a companhia irlandesa cumpriu a promessa. A 8 de março, anunciou o cancelamento de 19 rotas em Lisboa para o verão, num total de 5.000 voos. “Os nossos últimos esforços para pedir ajuda ao primeiro-ministro resultaram num total de 0 respostas. Infelizmente, a Ryanair é agora forçada a reduzir a sua frota de aviões”, escreveu o CEO, citado em comunicado.
Estes cancelamentos incluem destinos como Madrid, Malta ou Cracóvia, e vão significar a “perda de 150 postos de trabalho de aviação bem pagos”, de “mais de 900.000 passageiros” e de “mais de 250 milhões de euros em receitas turísticas”, afirma a Ryanair. “Estes cancelamentos — que poderiam ser evitados — acontecem após inúmeras tentativas, por parte da Ryanair, em solicitar ao Governo português que interviesse na libertação dos slots inutilizados pela TAP no verão 2022″, referiu a companhia irlandesa.
Mas pode a TAP emprestar slots à Ryanair, como pediu a companhia irlandesa?
Os factos
O ECO questionou a NAV Portugal, uma vez que é o seu Gabinete de Coordenação de Slots que gere esse processo. Fonte oficial explicou que em causa está a “mobilidade de slots“, prevista no regulamento europeu — EU 95/93 (conteúdo em inglês) –, “mas em moldes previamente definidos”. Ou seja, a lei diz que os slots só podem ser transferidos em três situações específicas.
A primeira é através da “transferência de slots entre companhias que pertencem à mesma sociedade”, o que não é o caso. A segunda opção é a “troca de slots (ou swap) entre companhias aéreas na base de ‘um por um'”, isto é, a TAP cede, por exemplo, quatro slots à Ryanair e, em troca, a Ryanair cede quatro dos seus slots à TAP. Mas uma troca não é um empréstimo, como a Ryanair pede.
A terceira situação é através da “partilha da operação envolvendo um determinado slot (operação em ‘code-share‘)”, isto é, em que duas ou mais companhias aéreas comercializam o mesmo voo. Até poderia acontecer no caso da Ryanair e da TAP, mas, mais uma vez, não é isso que a Ryanair quer. A companhia irlandesa pede um empréstimo.
Sobre as declarações de Michael O’Leary relativas ao facto de a TAP saber com antecedência que não vai usar determinados slots, mas só os libertar com aviso prévio tardio, a NAV Portugal sublinha que, “quanto a slots eventualmente cancelados por alguma companhia aérea, o destino destes passa pela sua devolução ao coordenador de slots que, posteriormente, os redistribui seguindo as regras estabelecidas no regulamento europeu”.
O ECO questionou a TAP para perceber quantos slots pretende a companhia aérea usar este verão no aeroporto de Lisboa. Fonte oficial da empresa não respondeu diretamente, afirmando apenas que a TAP “segue a política e as regras estabelecidas pela IATA, que estipula que os slots no verão de 2022 têm de ter uma taxa de utilização de 64%”. Além disso, a TAP diz que “não dispõe de slots para emprestar a outras companhias, uma vez que segue as regras da IATA e devolveu à Coordenação todos os slots que não pretende utilizar”.
O ECO questionou a Ryanair quanto a estes pedidos de empréstimo ao Governo, mas até ao momento de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta. Por perceber ficaram também os motivos para a Ryanair ter pedido mais slots no aeroporto de Lisboa, mas ter cancelado rotas. A companhia irlandesa também não respondeu a esta questão.
Prova dos 9
Com base no que foi explicado anteriormente, é possível afirmar que não é possível à TAP emprestar slots à Ryanair, como a companhia irlandesa tanto pediu. Assim, as afirmações (neste caso pedidos) da Ryanair estão erradas.
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