Crescimento do PIB trava para 3,8% em 2022 no cenário adverso do Governo
Após um crescimento de 4,9% em 2021, a economia portuguesa pode travar para 3,8% no cenário adverso traçado pelo Governo. A taxa de inflação chegaria aos 4,2%, em vez de situar-se nos 2,9%.
O ministro das Finanças, João Leão, tinha admitido que havia um cenário adverso às projeções do Programa de Estabilidade 2022-2026 apresentadas na sexta-feira, mas não as tinha revelado. O documento publicado esta segunda-feira pela Assembleia da República mostra que nesse cenário a economia portuguesa pode travar para um crescimento de 3,8% em 2022, após a expansão de 4,9% em 2021.
“Tendo em conta o atual contexto geopolítico internacional, em que os riscos descendentes aumentaram substancialmente, apresenta-se, de seguida, um cenário alternativo, que denominamos cenário adverso”, explica o Ministério das Finanças, admitindo que “a invasão da Ucrânia pela Federação Russa poderá ter um efeito negativo na economia portuguesa superior ao antecipado, sobretudo através do impacto no comércio externo e no preço do petróleo“.
No cenário central, as Finanças apontam para um crescimento de 5% este ano, o que já significava um corte face à previsão original do Orçamento do Estado para 2022 de 5,5%. Porém, a invasão russa à Ucrânia veio colocar um travão à economia europeia, prejudicando indiretamente a procura externa que incide sobre Portugal, mesmo que a relação comercial direta com a Rússia e a Ucrânia seja diminuta.
“Por outro lado, o conflito veio agravar as pressões sobre os preços da energia, que já vinham a sofrer fortes pressões no final de 2021, que poderão provocar um aumento das taxas de juro por parte dos bancos centrais, para conter esta aceleração dos preços“, acrescentam as Finanças no Programa de Estabilidade, referindo também a hipótese de as sanções ao Kremlin induziram uma “disrupção dos fornecimentos industriais e agroalimentares resultando num aumento de preços e escassez destes materiais“.
A concretizar-se, o crescimento de 3,8% significaria que o PIB português ia crescer marginalmente entre trimestres. O Banco de Portugal calculou — e o ministro das Finanças deu respaldo a essas contas — que, se o PIB tivesse crescimentos trimestrais (em cadeia) nulos, o crescimento anual seria de 3,6%, valor que o BdP assumiu para o seu cenário adverso. Há duas semanas, o Conselho das Finanças Públicas traçou um cenário adverso onde via o PIB a crescer 3,5% em políticas invariantes (sem ter em conta medidas não legisladas, como é o caso do OE2022).
No cenário adverso do Governo, a travagem de 2022 seria depois compensada com uma revisão em alta do PIB de quatro décimas, para 3,7%, em 2023 e de sete décimas, para 3,3%, em 2024.
Apesar da desaceleração do crescimento económico, a taxa de desemprego manter-se-ia numa trajetória de redução, ainda que mais lenta. Em vez de descer para 6% em 2022, baixaria para 6,2%, após ter fechado 2021 nos 6,6%. Nos anos seguintes baixaria para 6,1% (em vez de 5,8%) e para 5,8% (em vez de 5,6%), no cenário adverso.
A maior diferença está na taxa de inflação. Com um maior impacto provocado pelo aumento de preço, a taxa de inflação passaria de 2,9% para 4,2% em 2022, mas também ficaria abaixo de 2% em 2023 e 2024. É de notar que esta previsão do Governo, seja no cenário normal seja no cenário adverso, é bastante diferente das previsões de outras instituições: o Banco de Portugal aponta para 4% no seu cenário central e o CFP para 3,9%. No cenário adverso do BdP, a taxa de inflação pode chegar aos 5,9%.
Medidas orçamentais têm impacto negativo de 3,2 mil milhões de euros em 2022
No Programa de Estabilidade 2022-2026, o Governo apresenta um quadro com as principais medidas de política orçamental em 2022 (as relacionadas com a guerra e outras já planeadas) com um impacto negativo de 3,2 mil milhões de euros.
Entre estas medidas já estão as que foram aprovadas nas últimas semanas por causa da guerra na Ucrânia. Contudo, há várias dúvidas na interpretação deste quadro, desde logo a ausência de estimativa da perda de receita fiscal com a descida do ISP e com a eventual redução do IVA dos combustíveis para a taxa intermédia (13%).
Entretanto, em resposta a questões colocadas pelo ECO, o Ministério das Finanças esclarece que “o valor superior a 1.000 milhões de euros dizia respeito ao impacto da guerra no saldo orçamental“, o que inclui, para além do efeito de medida de políticas, o efeito indireto via menor crescimento do PIB. Quanto à descida do ISP, tal não representa uma perda de receita mas uma devolução de receita adicional por via do aumento de preços, dizem as Finanças, referindo que esse impacto está incluído no pacote de combustíveis e no total de 804 milhões de euros.
Porém, é de notar que o apoio às famílias mais carenciadas só contabiliza um mês (46 milhões de euros, em linha com o calculado pelo ECO), mas não é claro se a medida não terá de ser prolongada dada a persistência dos preços mais elevados, principalmente se o conflito não for resolvido em breve.
Ainda assim, é possível dizer que, para já, o custo das medidas relacionadas com a pandemia já vai nos 809 milhões de euros, somando todas as despesas identificadas neste quadro. Na conferência de imprensa na sexta-feira, o ministro das Finanças falou num impacto orçamental superior a mil milhões de euros, mas não deu detalhes, remetendo para o Programa de Estabilidade.
No Programa de Estabilidade é também apresentada uma estimativa de impacto orçamental líquido da guerra e da crise energética de 524 milhões de euros. O gabinete de Leão esclarece ao ECO que esse valor é “líquido de fundos comunitários” que Portugal irá receber.
(Notícia atualizada no dia 29 de março às 13h05, acrescentando os esclarecimentos do Ministério das Finanças)
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