Regling alerta que, com a guerra, tendência para desglobalização vai acelerar
O diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade admite que a guerra vai trazer consequências económicas, nomeadamente através de um retrocesso na globalização. Reforça importância da união monetária.
O diretor executivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) alerta que com a guerra na Ucrânia, a tendência será para a desglobalização, o que terá consequências económicas. Klaus Regling defende a importância da capacidade orçamental para lidar com as crises, bem como da necessidade de concretizar e aprofundar a união bancária e dos mercados de capitais.
“Não sabemos quanto tempo a guerra na Ucrânia e a crise energética, que se seguiu, vai durar e as consequências económicas são difíceis de prever”, admite o responsável na Conferência “Que visão para uma Economia Europeia Resiliente e Sustentável?”, organizada pelo Jornal de Negócios, com o apoio da Católica Lisbon School of Business and Economics.
Ainda assim, “parece claro que vai acelerar a tendência para desglobalização, com consequências económicas infelizes”, salienta, pelo que “a ordem mundial pode estar a mudar”. Assim, o diretor do MEE defende que na Europa é necessária maior integração orçamental, aprofundar a união bancária e dos mercados de capitais.
Neste contexto, o responsável disse acreditar “que um orçamento comum para financiar bens públicos europeus específicos, por exemplo, para a defesa, migrações, alterações climáticas, beneficiaria a nossa união”. “Isto implica mudar o tratado da UE e isso leva tempo, não é para este ano ou no próximo”, admitiu.
Regling participou também num painel que se debruçou sobre “como enfrentar os acrescidos riscos geopolíticos e económicos trazidos pela guerra na Ucrânia”, onde Vítor Gaspar, diretor dos Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI) salientou o contributo que a inflação pode dar para o rácio da dívida face ao PIB. “Para sustentar níveis elevados de dívida, é crucial a estabilidade de preços a médio prazo, e credível”, disse.
O painel contava também com Cristina Casalinho, presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), que corroborou esta visão apontando que a estabilidade dos preços é essencial. “Ninguém gosta de incerteza“, apontou a responsável, pelo que “temos de privilegiar a estabilidade de preços”.
Olhando para além da dívida pública, a presidente do IGCP apontou também que as “empresas têm dificuldades em passar para os consumidores os custos de produção”, salientando que os “preços de produção estão a acelerar a um ritmo mais rápido que preços no consumidor“. Assim, aponta que as empresas têm tido que acomodar o aumento através das margens. Do lado das famílias, também se enfrentam preços mais altos mas os salários não têm aumentado.
Assim, “mesmo que as taxas não aumentem muito, tendo em conta que os salários gerados são reduzidos, a acessibilidade da dívida é diminuída e a sustentabilidade pode ficar em risco”, alertou.
Perante questões sobre a necessidade de ter em conta as finanças públicas numa altura de crise em que se verificam várias consequências económicas, Klaus Regling salientou que a “sustentabilidade da dívida é algo que pode sempre deteriorar, não é assegurado para sempre”, pelo que “os países têm sempre de se preocupar com isso”.
O diretor do MEE exemplificou inclusivamente com os compromissos dos países que tiveram empréstimo do MEE, que ainda tem de ser pago, como é o caso de Portugal. Para o país, a última tranche é só em 2040, pelo que é necessário perceber se Portugal consegue cumprir, disse, assegurando que “a conclusão é que consegue”. Mesmo assim, destacou, a situação pode sempre deteriorar, pelo que não se deve esquecer a sustentabilidade orçamental.
“A guerra foi uma surpresa, vai haver outra surpresa e é importante criar espaço orçamental para estar preparado e ter estratégia”, alertou, reiterando que também “é importante para apoiar os mais vulneráveis e promover crescimento e reformas”. “Todos os países têm de olhar para a estratégia com cuidado”, rematou.
Além dos próprios países terem em conta a sustentabilidade orçamental, Regling defende também, no contexto de aprofundar a união monetária, a necessidade de “complementar a caixa de ferramentas” com alguns mecanismos para enfrentar possíveis choques à economia, exemplificando com o “rainy day fund” proposto pelo FMI.
É de recordar que Klaus Regling vai deixar a liderança do MEE a 7 de outubro, e o ex-ministro das Finanças João Leão é um dos candidatos ao cargo. O atual vice-reitor do ISCTE era para ter marcado presença neste painel, mas acabou por não comparecer.
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