De Portugal à Polónia. Estes países rejeitam corte de 15% no consumo de gás
Pelo menos seis países deverão rejeitar a proposta de Bruxelas que visa racionar o consumo de gás em 15%. Maioria qualificada necessária para aprovar a medida não está garantida.
O número de países que rejeita a proposta da Comissão Europeia para uma redução no consumo de gás continua a aumentar. Até ao momento, pelo menos seis países põem em causa a medida extraordinária de Bruxelas que visa reduzir em 15% o consumo de gás. O próximo Conselho Europeu está agendado para terça-feira, 26 de julho, mas a onda de rejeições compromete a maioria qualificada necessária para que a proposta seja aprovada.
Tudo começou quando Bruxelas apelou à união e solidariedade dos 27 Estados-membros, na passada terça-feira, para que se reduza em 15%, ou 45 mil milhões metros cúbicos (bcm), o consumo de gás. O apelo acontece face ao fluxo reduzido que entra pela Europa através do Nord Stream. O principal gasoduto que liga a Alemanha à Rússia, voltou a operar no dia 21 de julho, depois de 10 dias de manutenção, mas o volume de abastecimento encontra-se longe de ser suficiente para preencher as reservas de gás para o inverno.
“A Rússia está a chantagear-nos e a usar a energia como arma. A Europa precisa de estar preparada“, referiu Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia durante o anúncio, admitindo ver como “provável” um cenário em que a Rússia avance para um corte total no fornecimento de gás. “Quanto mais depressa agirmos, mais pouparemos e mais seguros estaremos”, disse.
O plano de ação tem o objetivo de reduzir a procura de gás entre 1 de agosto a 31 de março de 2023 e, embora não seja, para já, vinculativo, o executivo comunitário frisou que a medida passaria a ser obrigatória caso se verifique que os níveis de gás continuam a ser insuficientes para o inverno.
Mas para que seja sequer uma medida voluntária, é preciso que seja, primeiro, aprovada. Algo que não está garantido, uma vez que Portugal, Espanha, Grécia, Chipre, Polónia e Hungria formam o grupo de países que já anunciaram que irão rejeitar a proposta. E embora a maioria dos Estados-membros esteja, para já, de acordo com a proposta, para esta ser aprovada é necessária uma maioria qualificada, ou seja, que pelo menos 15 países, que reflitam 65% da população do bloco, a aprovem. E isso pode estar em risco.
“Pode ser uma Missão Impossível. Nem o Tom Cruise conseguiria aprová-la neste momento“, cita o Politico as declarações de um diplomata europeu, proveniente de um país a favor da medida.
Portugal e Espanha dizem “não” a Bruxelas
A vice-presidente espanhola e ministra da Transição Ecológica, Teresa Ribera, foi a primeira a dar o passo da rejeição pública, ao defender que Espanha “fez o trabalho de casa” no que diz respeito à transição energética, “pagando mais que os restantes”, e que, por isso, rejeitaria a proposta de Bruxelas. “Não nos podem pedir um sacrifício sobre o qual nem sequer nos pediram opinião” e “somos solidários, mas não nos podem pedir um sacrifício desproporcionado”, argumentou.
A contestação contagiou Portugal, levando o secretário de Estado da Energia, João Galamba a assumir que o país está “completamente contra”, uma vez que a proposta “é insustentável” porque obrigaria o país a ficar “sem eletricidade”. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeio fez ecoar essa posição, anunciando que “a proposta vai ser rejeitada [por Portugal] se [for] apresentada nestes termos”, pois “não respeita os interesses do país”.
Duarte Cordeiro argumentou que as fracas interligações que existem entre Portugal e a Europa dificultam a operacionalização da medida. E que, perante um ano especialmente seco, o país encontra-se mais dependente do uso de gás natural, dado o desempenho diminuído das centrais hídricas.
O primeiro-ministro, António Costa já tinha antecipado, no início da semana passada, que um pedido de racionamento por parte de Comissão Europeia não seria compatível com a realidade de Portugal. Argumentou, por outro lado, que o país tem sido solidário com o bloco europeu ao reforçar a capacidade de transbordo, no Porto de Sines, de navios que transportem gás natural liquefeito (GNL) para os países mais dependentes.
“A resposta que temos de dar não é racionamento mas acelerar a capacidade de produção de energias renováveis para a Europa depender de si própria e não de outros”, vincou.
Contestação ibérica contagia Sul e Leste da Europa
Depois da posição afirmada pela Península Ibérica, a Grécia e o Chipre juntaram-se ao grupo.
“O governo grego não concorda com o princípio da proposta europeia, que visa reduzir em 15% o consumo de gás. Apresentámos uma série de propostas relativas aos preços e ao fornecimento de gás, e vamos insistir em apoiá-las como uma solução europeia”, cita a Reuters as declarações proferidas esta quinta-feira pelo porta-voz do governo grego, Giannis Oikonomou.
A Grécia depende em 40% do gás russo e, ao contrário de outros países, ainda não viu nenhuma interrupção no fornecimento. Ainda assim, de forma a reduzir a dependência, Atenas tem substituído grande parte do combustível russo por gás liquefeito (GNL) importado dos Estados Unidos e de outros países.
Já o governo do Chipre negou a proposta argumentando com a falta de ligações à rede de gás natural europeia. “[A medida] não pode ser aplicada ao Chipre até a ilha estar diretamente interconectada à rede de gás natural da União Europeia”, cita o Politico.
Mas a lista de países do Sul que rejeitam a medida poderá aumentar nos próximos dias. Os ministros do Ambiente e da Energia de Espanha e da Grécia, Teresa Ribera e Kostas Skrekas, respetivamente, serão os coautores de uma carta de oposição, a ser assinada pelas capitais descontentes. Skrekas considera poder vir a incluir também França, Itália, Malta e Eslováquia.
A Leste da Europa surge também a contestação por parte da Polónia, que já anunciou votar contra a proposta, na próxima semana.
O governo polaco argumenta que o pedido de solidariedade da União Europeia não se verifica noutras questões, nomeadamente, no Sistema de Comércio de Emissões (ETS, na sigla em inglês), que Varsóvia diz ser o motivo para o aumento dos preços da energia no país.
Haverá o mesmo mecanismo para a cobrança de ETS? Porque na Polónia, é esse imposto que está a prejudicar o nosso setor de energia. Esperamos uma solidariedade real
“A Comissão Europeia está a propor um mecanismo de solidariedade de gás aos países porque a segurança energética daqueles que estão com falta de gás [russo] está em jogo”, referiu a ministra do Clima, Anna Moskwa, na rede social Twitter. “Haverá o mesmo mecanismo para a cobrança de ETS? Porque na Polónia é esse imposto que está a prejudicar o nosso setor de energia. Esperamos uma solidariedade real”.
Hungria em contraciclo
Enquanto se discute a aprovação ou rejeição da proposta, a Hungria segue no seu próprio campeonato, ao anunciar que vai comprar mais 700 milhões de metros cúbicos (bcm, na sigla em inglês) suplementares de gás natural à Rússia, “mais do que a quantidade prevista no contrato de longo prazo”, anunciou o ministro dos Negócios Estrangeiros do país, Peter Szijjarto, num comunicado publicado no Facebook. O contrato atual prevê a compra de 4,5 bcm por ano, fornecidos através do gasoduto via Turquia, Bulgária e Sérvia.
A posição contrária de Budapeste, que se deverá traduzir num voto contra a proposta de racionamento, não é novidade para Bruxelas, uma vez que o país se tem oposto às sucessivas sanções aplicadas contra a Rússia desde o início da guerra. A Hungria, um país da Europa central sem acesso ao mar, importa da Rússia 65% do seu petróleo e 80% do seu gás.
Maioria qualificada em risco
Para a proposta ser aprovada é necessária uma maioria qualificada, ou seja, a aprovação de 15 países que reflitam 65% da população da União Europeia. Até ao momento, só a Alemanha, Dinamarca, o Luxemburgo e os Países Baixos manifestaram um apoio publico à medida do executivo comunitário.
Temos que poupar energia na Europa, e acima de tudo, o gás. E isso significa também que os países que não estejam diretamente afetados pelas reduções do gás da Rússia devam ajudar os outros. Caso contrário, não existiria qualquer solidariedade europeia.
O porta-voz principal da Comissão Europeia, Eric Mamer, já pediu “cabeça fria” aos países opositores, frisando ser essa “a melhor forma de responder a esta crise”.
Segundo Thierry Bros, correspondente de energia citado pela Bloomberg, a proposta deverá contar com, pelo menos, seis votos contra — Portugal, Espanha, Itália, Hungria, Polónia e Grécia –, o que resultaria em 21 votos a favor, isto é, 60% da população do bloco. Apesar de a aprovação reunir o consenso entre a maioria dos Estados-membros, não é suficiente para ser aprovada.
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Na próxima terça-feira, 26 de julho, a proposta será então votada, e caso seja aprovada, deverá entrar em vigor a 1 de agosto, até 31 de março de 2023.
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