BRANDS' ADVOCATUS Regulamento Mercados Digitais: quem manda?

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  • 29 Julho 2022

Teresa Neves, associada na Morais Leitão, explica o regime de execução do novo regulamento da União Europeia aplicável às grandes plataformas digitais.

Com a aprovação final pelo Conselho da União Europeia do Digital Markets Act (DMA) no passado dia 18 de julho – o passo que faltava para este Regulamento ser adotado – as novas regras aplicáveis às plataformas digitais de grande dimensão (os chamados gatekeepers) para um setor digital mais equitativo e competitivo são uma realidade cada vez mais próxima.

Ao contrário do que acontece no atual regime de direito da concorrência da União Europeia (UE), a Comissão Europeia (CE) será a única entidade responsável pela aplicação do DMA, tendo o poder exclusivo para dar início a um procedimento formal, adotar decisões por incumprimento das obrigações nele previstas e aplicar coimas aos gatekeepers – num valor que pode chegar aos 10% (ou 20%, em caso de reincidência) do seu volume de negócios a nível mundial.

Teresa Neves, associada da Morais Leitão.

Este modelo de centralização de poder com o DMA – que se assemelha ao antigo paradigma de execução do direito da concorrência da UE antes do Regulamento n.º 1/2003 – é defendido por alguns com base em vários argumentos:

  1. Há uma forte probabilidade de as grandes plataformas operarem à escala mundial, pelo que os objetivos do DMA serão mais bem alcançados ao nível da UE;
  2. O controlo de conformidade com o DMA poderá ser muito dispendioso e exigir tarefas complexas, tais como a análise de dados em grande escala ou a revisão de algoritmos, sendo improvável que todos os Estados-Membros estejam preparados para exercer com eficácia este controlo;
  3. Os gatekeepers terão mais incentivos para respeitar as regras previstas no DMA se enfrentarem um único regulador dotado de recursos adequados em vez de várias entidades nacionais mais pequenas, que poderão, além do mais, discordar entre si em relação à estratégia a seguir; e
  4. O DMA será aplicado a um elenco reduzido de empresas, pelo que a intervenção de reguladores nacionais não é necessária.

Em sentido diverso, vários Estados-Membros e autoridades da concorrência nacionais (NCAs) pronunciaram-se sobre o tema, pedindo à UE que lhes fosse atribuído um papel mais importante na aplicação do DMA, dado que a sua experiência e elevados níveis de especialização – no que respeita a práticas anticoncorrenciais pelas plataformas digitais – poderiam ser uma mais-valia para garantir a efetiva execução do Regulamento.

Esta pressão institucional parece ter surtido algum efeito, uma vez que o texto final do DMA confere competências às NCAs que não se encontravam na proposta inicial, incluindo o poder de realizar, por sua iniciativa, investigações sobre casos de eventual incumprimento das obrigações dirigidas aos gatekeepers. Concluídas essas investigações, as NCAs deverão, no entanto, transmitir as suas conclusões à CE, que, na sua qualidade de única entidade com competências para executar o DMA, dará continuidade ao caso.

Esta solução potencia uma maior inclusão das NCAs na aplicação do DMA. No entanto, só o tempo dirá se estas estarão dispostas e motivadas a desempenhar este papel secundário de auxiliares da CE e a investigar eventuais incumprimentos, apesar de a última palavra (e potencial aplicação de sanções) depender exclusivamente de Bruxelas.

Por fim, e uma vez que o DMA visa complementar, e não substituir, o espaço de aplicação do direito da concorrência, o Regulamento é claro quanto ao facto de as NCAs continuarem a ter competência para sancionar as Big Tech ao abrigo das normas nacionais em matéria de concorrência. Porém, as NCAs serão agora obrigadas a comunicar à CE as medidas de investigação, e subsequentemente, as obrigações que pretendem impor aos gatekeepers, sendo assim criado, também a este nível, uma espécie de controlo pela UE, com o objetivo de garantir a aplicação coerente, eficaz e complementar dos instrumentos jurídicos disponíveis.

Resta-nos esperar pela entrada em vigor do DMA para assistir, na prática, ao que resulta das interações da UE com as autoridades nacionais competentes no que toca à verdadeira função de cada entidade nesta nova realidade aplicável aos gigantes digitais.

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