Da gestão às carreiras, quais os desafios de Manuel Pizarro aos “olhos” da saúde?
Novo ministro já tomou posse. Representantes dos médicos defendem ao ECO mudança de políticas no setor, ao nível da gestão e atratividade do SNS. Enfermeiros pedem que "corrija erro" nas carreiras.
Manuel Pizarro tomou posse este sábado como ministro da Saúde, substituindo Marta Temido, que se demitiu no final de agosto. Ao ECO, o bastonário da Ordem dos Médicos e o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP) consideram que esta é uma escolha “sensata” e “equilibrada”, mas reforçam que é preciso mudar as políticas na Saúde, nomeadamente ao nível da gestão e da atratividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros lembra que o governante foi o responsável pelo fim da carreira destes profissionais, pelo que diz que é uma “oportunidade para corrigir essa questão”.
Com um currículo político extenso e formado em Medicina, Manuel Pizarro foi escolhido pelo primeiro-ministro para liderar a pasta da Saúde. Ao ECO, o bastonário da Ordem dos Médicos diz que esta foi “uma escolha sensata”, dado que o novo ministro “conhece bem o sistema de saúde português, não só o SNS, mas também o setor privado e social”. Bem como os sistemas de saúde na União Europeia devido à passagem pelo Parlamento Europeu. “Tem a noção daquilo que está a acontecer e a fazer-se noutros países, o que é importante porque não estamos sozinhos no mundo, nem na Europa”, sinaliza.
Miguel Guimarães enaltece ainda a “relação mais empática” e “fácil” de Manuel Pizarro com as pessoas, o que lhe permite ser, acredita o bastonário, “um bom gestor de recursos humanos”. “Além disso, tem poder político porque é um homem que se dedica à política há muitos anos”, acrescenta o mesmo responsável, sublinhando que isso “significa que tem peso político dentro do próprio Governo“, o que “pode ser um aspeto positivo”.
Por outro lado, o presidente da ANMSP aponta a nomeação de Pizarro para ministro como “uma escolha equilibrada” entre a manutenção das políticas de António Costa “e uma aproximação às vontades e às reclamações dos profissionais de saúde”. “É alguém próximo do Dr. António Costa e, portanto, vai, claramente, seguir a linha que o Governo já traçou. Mas pode trazer uma oportunidade aos restantes profissionais de saúde, coisa que não existia no tempo da Dra. Marta Temido“, atira Gustavo Tato Borges.
O primeiro-ministro disse que as políticas de saúde são aquelas que estão definidas independentemente do ministro que vem. Se for assim, nada será resolvido ou pouca coisa será resolvida.
Não obstante, tanto o bastonário da Ordem dos Médicos como o presidente da ANMSP admitem, à partida, que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças poderão travar algumas mudanças na área da Saúde. “É preciso lembrar que o primeiro-ministro disse que as políticas de saúde são aquelas que estão definidas independentemente do ministro que vem. Se for assim, nada será resolvido ou pouca coisa será resolvida”, afirma Miguel Guimarães, pedindo ao chefe de Governo que adapte essas políticas ao novo titular da pasta.
Já Gustavo Tato Borges avisa que Manuel Pizarro pode “trazer um consenso aprimorado [com] algumas das soluções que vão sendo apontadas pelo setor”. Desde que António Costa e Fernando Medina “lhe deem as condições e o espaço” necessários”, acrescenta.
Menos otimista está a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que prefere esperar que o ministro diga quais as políticas que quer implementar. Mas insta, desde já, o governante a corrigir o erro nas carreiras. “Quando, em 2009, o Dr. Pizarro foi secretário de Estado, terminou com a nossa carreira, que tinha precisamente o risco, a penosidade, fazia a distinção e a valorização de graus académicos de todos os profissionais, uma idade de reforma mais baixa”, explica Ana Rita Cavaco. A bastonária lembra que na altura ficou acordado criar um outro, em substituição, que nunca entrou em vigor. “Portanto, agora o Dr. Pizarro tem oportunidade de corrigir essa questão”, confia.
Quando, em 2009, o Dr. Pizarro foi secretário de Estado, terminou com a nossa carreira, que tinha precisamente o risco, a penosidade, fazia a distinção e a valorização de graus académicos de todos os profissionais, uma idade de reforma mais baixa.
No rescaldo da demissão de Marta Temido, os partidos com assento parlamentar exigiram transformações profundas no SNS. A posição é partilhada pelos responsáveis ligados ao setor, ouvidos pelo ECO depois do anúncio do sucessor de Marta Temido. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, o novo ministro terá dois grandes desafios pela frente.
O primeiro diz respeito ao capital humano. “Temos muitos médicos em Portugal, mas cerca de 50% está fora do SNS. E, portanto, o ministro tem o desafio de criar as condições adequadas para que os médicos possam optar por ficar no SNS e não irem trabalhar para o setor privado ou para o estrangeiro”, aponta Miguel Guimarães. A opinião é, aliás, partilhada por Gustavo Tato Borges, que estende esta necessidade a outras categorias profissionais do setor, como os enfermeiros.
Por outro lado, o bastonário da Ordem dos Médicos defende que é “urgente” criar um novo modelo de gestão do SNS que valorize a flexibilidade de processos e procedimentos para contratar pessoas, para comprar equipamentos”, que dê autonomia às unidades de saúde — quer sejam hospitais quer sejam agrupamentos de centros de saúde (ACES) — e que permita que o financiamento destas unidades de saúde seja feito “de acordo com as necessidades que têm perante a sua população de referência”. Isto é, que sejam “orçamentos reais e não orçamentos fictícios, como tem acontecido até agora”, critica.
É preciso tornar o SNS mais atrativo naquilo que às carreiras médicas e também de enfermagem e dos restantes profissionais diz respeito, criando condições para cativar e manter os profissionais no SNS.<br />
Gustavo Tato Borges insiste igualmente na “autonomização das diferentes entidades funcionais do SNS”, dotando-as de “um financiamento adequado e dando-lhes competências e ferramentas”. Recorde-se que o novo estatuto do SNS, aprovado em julho, pretende, entre outras medidas, dar mais autonomia aos ACES, nomeadamente nas contratações.
Centros de saúde, carreiras e juntas médicas
Na sexta-feira, o Presidente da República associou a escolha de Manuel Pizarro para novo ministro da Saúde ao decreto-lei que cria uma direção executiva do SNS, enquadrado no novo estatuto do SNS, e que Marcelo Rebelo de Sousa considerou ser uma aproximação à sua opinião sobre esta matéria. “Tudo indica que é uma solução que evolui para uma posição próxima daquela que tinha defendido, no sentido de haver uma separação clara entre as decisões políticas ao nível de ministro e ministério e a gestão mais independente, mais autónoma, mais isenta através de outra instituição que não diretamente o Ministério”, explicou o chefe de Estado.
Além do capital humano e do novo modelo de gestão, o bastonário da Ordem dos Médicos elenca ainda outros problemas a resolver no que concerne aos serviços de urgência e aos cuidados de saúde primários. “Não temos atualmente médicos de família para todos os portugueses e é importante atingir este objetivo. E existem meios para o fazer porque existem médicos de família suficientes no país para que cada doente possa ter médico de família”, conclui.
Numa altura em que o SNS enfrenta maiores debilidades na sequência da pandemia de Covid-19, especialmente na área da obstetrícia, com encerramentos de urgências, Gustavo Tato Borges sublinha que o desafio “mais urgente a ser resolvido é a questão da organização dos dos serviços de urgência hospitalares e a maneira como eles se articulam uns com os outros e com os cuidados de saúde primários”.
Por outro lado, e no que toca especificamente à área da saúde pública, o presidente da ANMSP refere ainda a urgência de acabar com as juntas médicas nas unidades de saúde públicas, para que estas “possam desenvolver o seu trabalho adequadamente”. Bem como dotar estas unidades do financiamento necessário para possam responder às necessidades. Gustavo Tato Borges dramatiza ainda a necessidade de criar um sistema de informação em saúde pública, que permita aos médicos analisar os dados e “servir melhor a população”.
Da equipa de Sócrates até Bruxelas
O socialista Manuel Pizarro foi empossado este sábado ministro da Saúde pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa cerimónia no Palácio de Belém que aconteceu pouco depois das 18h. O sucessor de Marta Temido tem 58 anos e foi secretário de Estado da Saúde no segundo executivo de José Sócrates, quando Ana Jorge tutelava a pasta.
Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Manuel Pizarro foi especialista em Medicina Interna no Hospital de São João, no Porto, e diretor clínico do Hospital da Ordem da Trindade, também na cidade Invicta.
No panorama político, Pizarro foi por duas vezes candidato a presidente da Câmara Municipal do Porto, derrotado pelo independente Rui Moreira. É o líder da Federação do Porto do PS e foi o nono nome na lista de candidatos a eurodeputados socialistas nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, tendo recentemente substituído Carlos Zorrinho na liderança dos eurodeputados do PS em Bruxelas.
Na sexta-feira, o ministro indigitado elogiou a titular cessante da pasta, Marta Temido, tendo dito que regressa a Portugal “cheio de determinação” para defender o Serviço Nacional de Saúde. À direita, a oposição criticou a escolha de um ministro que pertence ao aparelho do PS, enquanto à esquerda os partidos pediram que a mudança de ministro seja acompanha por políticas diferentes e de reforço do SNS.
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