Exclusivo Margarida Matos Rosa termina hoje mandato na AdC. Fica até haver substituto
1,4 mil milhões de euros em multas depois, Margarida Matos Rosa completa hoje seis anos aos comandos da AdC. Especialistas falam em liderança "dinamizadora" e veem "papel educativo".
Margarida Matos Rosa assinala esta segunda-feira seis anos na liderança da Autoridade da Concorrência (AdC). Os estatutos do regulador determinam que o mandato não é renovável, pelo que deverá manter-se em funções até o Ministério da Economia designar um substituto, que terá de ser do sexo masculino.
Desde que assumiu funções, a “polícia” da concorrência aplicou cerca de 1,4 mil milhões de euros em multas em 38 decisões condenatórias — um montante recorde –, realizou 35 buscas, elaborou mais de 160 estudos, recomendações e pareceres e recebeu ainda sete distinções. Ao ECO, especialistas na área da concorrência destacam que a liderança de Margarida Matos Rosa tem sido “dinamizadora” e o organismo assumido “um papel educativo”.
De acordo com os estatutos, o mandato de seis anos de Margarida Matos Rosa — que chegou a ser apontada como hipótese para liderar a CMVM — terminaria esta segunda-feira. O ECO questionou o Ministério da Economia sobre se já há um substituto ou se vai manter a gestora no cargo por mais alguns meses, mas fonte oficial da tutela escusou-se a comentar. Certo é que nas entidades reguladoras, os membros do conselho de administração mantêm-se em funções até à substituição, pelo que Margarida Matos Rosa deverá continuar a liderar a AdC, pelo menos, nos próximos tempos.
Licenciada em Economia pela Université Catholique de Louvain e com passagens pelo J.P. Morgan, BNP Paribas, Santander ou pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Margarida Matos Rosa assumiu a liderança da AdC a 28 de novembro de 2016, sucedendo a Abel Mateus, Manuel Sebastião e António Ferreira Gomes. Aquando da audição parlamentar, garantiu que o regulador seria “incansável na promoção e defesa da concorrência” e prometeu “antecipar comportamentos ilícitos”.
Os economistas ouvidos pelo ECO fazem um balanço “globalmente positivo” da atual liderança. “Quando o conselho atual tomou posse, veio na sequência de [outro] onde houve algumas situações um bocadinho mais complicadas e julgo que este conselho dirigido pela Margarida Matos Rosa dinamizou e manteve um bom nível de atividade na Autoridade“, destaca João Confraria, professor de regulação e concorrência e políticas públicas na Universidade Católica.
Já Steffen Hoernig, especialista em concorrência e mercados digitais, aponta que este “foi um mandato muito ativo”, tendo assumido “um papel educativo”, de modo a demonstrar que ” certas coisas não são admissíveis”.
O principal problema desta Autoridade e de outras é o nível de fundamentação, quer jurídica, quer económica. Há que reforçar por essa via a credibilidade da regulação”.
Volvidos seis anos, a AdC aplicou 1,4 mil milhões em 38 decisões condenatórias, realizou 35 diligências de busca e apreensão e emitiu 26 notas de ilicitude, de acordo com os dados cedidos ao ECO pelo regulador. Trata-se de um valor recorde de aplicação de multas. A título de exemplo, nos seis anos anteriores à chegada de Margarida Matos Rosa, o total das coimas aplicadas não chegou sequer aos 50 milhões de euros.
“Há um maior número de processos de maior dimensão”, realça Steffen Hoernig, professor da Nova SBE, dando como exemplo aqueles que envolvem o setor da distribuição e grupos de hospitais privados. “Quando temos processos contra empresas grandes, as multas têm outra dimensão porque são definidas com base no volume de negócios das empresas“, acrescenta o especialista em concorrência e mercados digitais.
Apesar de a atuação do regulador ser transversal a várias atividades, estes dois setores têm sido os principais visados pelo regulador, aumentando também a litigância em tribunal. Na saúde, por exemplo, há o caso da multa de cinco milhões de euros aplicada em outubro a uma filial da Unilabs por “participação num cartel em concursos públicos para prestação do serviço de telerradiologia a hospitais e centros hospitalares no território nacional” ou da coima de cerca de 190 milhões de euros aplicada a cinco hospitais privados por fixação do nível dos preços e outras condições comerciais, no âmbito das negociações com a ADSE — e que levou também os grupos de saúde a recorrerem da decisão em tribunal.
Já no retalho, o foco tem incidido sobre processos por concertação de preços em cartel, o chamado hub-and-spoke. É o caso da coima de 80 milhões de euros aplicada em março à Auchan, Lidl, Modelo Continente, Pingo Doce, Sumol+Compal e dois responsáveis individuais; ou a multa de 304 milhões de euros aplicada em 2020 a seis supermercados e dos fornecedores de bebidas.
Outro dos grandes dossiês herdados por Margarida Matos Rosa foi o processo conhecido como “cartel da banca”, no qual o Tribunal da Concorrência deu como provado que houve troca de informação sensível entre os bancos — enfrentam coimas de 225 de milhões de euros –, mas com o tribunal a ter dúvidas se infringiram as regras da concorrência, por não ter ficado provado que essa prática teve impacto nos clientes. Pediu um parecer ao Tribunal da Justiça Europeu.
O programa de clemência tem efeito educativo ao deixar claro que certos comportamentos não são admissíveis e tem também um efeito de enfraquecer ou de tornar menos provável de tais acordos existam”.
Nesse sentido, João Confraria, professor de regulação e concorrência e políticas públicas na Universidade Católica, lembra que muitas vezes estas multas são alvo de recurso em tribunal, pelo que “ainda não foram pagas”. Nesse sentido, o economista alerta para a necessidade de reforçar a fundamentação de decisões. “O principal problema desta Autoridade e de outras é o nível de fundamentação, quer jurídica, quer económica“, aponta o também antigo administrador da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom). Neste âmbito, a AdC terá evoluído, mas ainda “há muito para fazer”.
Entre final de novembro de 2016 e 24 de novembro de 2022, a AdC analisou ainda “seis operações de concentração em fase de investigação aprofundada”, bem como “abriu 34 investigações de eventual gun-jumping [avançar com concentrações antes da decisão concorrencial] ou operações não notificadas à AdC, tendo emitido seis decisões finais condenatórias nesta área”, com as multas a ascenderem a três milhões de euros, adianta fonte oficial ao ECO.
A contribuir para o aumento das coimas aplicadas estão também algumas estratégias adotadas pela AdC nos últimos anos. É o caso da alteração à Lei da Concorrência em 2012, que permitiu ao regulador realizar buscas, ou o regime de clemência, que nos últimos seis anos registou 17 pedidos e que permite às empresas que colaborarem com o regulador beneficiarem da dispensa ou da redução da coima.
“Os acordos entre empresas são muito difíceis de provar e, por isso, o regime de clemência dá uma ferramenta muito importante à AdC para investigar”, destaca Steffen Hoernig, ao ECO, elencando ainda que este programa dá às empresas a possibilidade de “apresentarem provas”, bem como “tem um efeito educativo ao deixar claro que certos comportamentos não são admissíveis“.
Também João Confraria realça que estas regras tornaram “mais fácil a identificação de suspeitas de cartel” e destaca ainda a criação do novo canal de denúncias que permite a comunicação anónima e confidencial de práticas anticoncorrenciais, bem como a linha de apoio ao denunciante, criada em 2017. “Acho que aí, de facto, a atividade da AdC tem sido bastante dinamizada e isso é louvável”, elogia.
Durante estes seis anos, a AdC elaborou ainda “164 estudos, recomendações e pareceres, num vasto conjunto de setores”, entre os quais um estudo sobre inovação e concorrência nos mercados de serviços financeiros ou um relatório sobre concorrência e poder de compra em tempos de inflação. Além disso, recebeu sete distinções, entre as quais a nomeação pela GCR para o top 20 das melhores autoridades de concorrência a nível mundial, durante cinco anos consecutivos.
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