Mercado de trabalho resiste mas “todos os efeitos da inflação ainda não foram sentidos”
Desemprego tem-se mantido estável, mas deverá começar a sofrer impacto da inflação no próximo ano. Falta de mão-de-obra pode indicar "incompatibilidades entre a procura e a oferta".
Apesar de vários sinais de abrandamento da economia, o mercado de trabalho tem-se destacado por resistir sem grandes choques, com um desempenho apelidado pelo Banco de Portugal como “notável”. No entanto, esta resiliência não vai durar para sempre, já que “todos os efeitos da inflação ainda não foram sentidos”, aponta João Cerejeira ao ECO.
“O desempenho do mercado de trabalho tem sido notável, apesar de alguns sinais de moderação ao longo do ano. Em 2022, o emprego deverá acelerar face ao ano anterior (crescimento de 2,3%, após 1,9% em 2021), de acordo com as projeções do Boletim Económico de outubro”, sinaliza fonte oficial do Banco de Portugal ao ECO.
Bruxelas estima que a taxa de desemprego em Portugal será de 5,9% tanto em 2022 como 2023, acima da previsão de 5,6% do Governo português. Para 2024, a Comissão antecipa uma descida do desemprego para 5,7%. Já o Banco de Portugal prevê que “após uma redução em 2021 para 6,6%, a taxa de desemprego deverá diminuir novamente em 2022, situando-se em 5,8%, valor historicamente baixo”.
Contudo, apesar da taxa de desemprego que se tem registado ser “baixa face a história recente dos últimos anos”, o indicador do emprego ainda não sofreu “todos os efeitos da inflação”, alerta o economista João Cerejeira, especialista em questões de trabalho. “A inflação tem um efeito que importa reter que é: faz diminuir o poder de compra das famílias, o que quer dizer uma quebra real para o próximo ano, e pode ter efeitos no consumo privado e nas empresas viradas para o mercado interno“. Ainda assim, tal “não é ainda visível atualmente”.
Por agora, a inflação está até a dar um “empurrão” a algumas empresas. Isto já que “permite que as empresas, com mais capacidade financeira, até consigam aumentar salários e fazer acompanhar em parte o poder de compra dos trabalhadores, mas também que empresas menos eficientes caso não aumentem salários, na prática tenham um ganho real”, o que “permite ajustar algumas componentes de custos que não sobem ao ritmo da inflação”, diz o economista.
Fonte oficial do Banco de Portugal destaca ainda que apesar de existir uma redução das expectativas de emprego, generalizada aos principais setores de atividade, verifica-se também um aumento da taxa de participação, “contribuindo para prolongar a trajetória de crescimento sustentado da oferta de trabalho nos últimos anos”. “Este aumento reflete também o crescente grau de qualificações da população em idade ativa e a maior participação feminina no mercado de trabalho”, explica.
Com estes níveis, uma dificuldade que tem surgido em vários setores, nomeadamente no turismo, é a falta de mão-de-obra. “Temos taxas de desemprego abaixo dos 6%, muito próximas da taxa natural de desemprego para a economia portuguesa”, pelo que “as atividades que querem expandir depois da pandemia vão encontrar dificuldades no recrutamento e vão ter de competir e subir salários”. Estes tendem a ser, no entanto, mais baixos nestes setores.
A percentagem de empresas que reporta dificuldades em contratar pessoal qualificado mantém a trajetória ascendente no terceiro trimestre de 2022, sendo o aumento particularmente notório no setor dos serviços
Neste cenário, “a redução das margens disponíveis no mercado de trabalho acentua-se em 2022”, corrobora o banco central nacional. Isto depois “do aumento do número de desempregados durante a pandemia ter sido muito inferior ao de crises anteriores, refletindo as políticas de manutenção do emprego adotadas”.
“A percentagem de empresas que reporta dificuldades em contratar pessoal qualificado mantém a trajetória ascendente no terceiro trimestre de 2022, sendo o aumento particularmente notório no setor dos serviços”, admite fonte da instituição liderada por Mário Centeno. “Simultaneamente, o número de empregos vagos (isto é, criados pela primeira vez, não ocupados ou prestes a ficar vagos) em cada trimestre tem vindo a aumentar, atingido valores historicamente altos no segundo trimestre”, nota, sendo que “a curva de Beveridge, que relaciona a taxa de empregos vagos com a taxa de desemprego, mostra que, embora a taxa de desemprego tenha apresentado uma relativa estabilização na primeira metade de 2022, a taxa de empregos vagos aumentou”.
Esta relação “poderá sinalizar incompatibilidades entre a procura e a oferta de emprego, ajudando a explicar algum aumento do desemprego de longa duração”, aponta. A escassez de oferta de trabalho pode ter também outro efeito, que é “a necessidade de as empresas reterem os seus trabalhadores”.
O mercado de trabalho não teve ainda impacto significativo desta quebra de procura. Só se vai verificar mais no próximo ano
Para João Cerejeira, esta falta de mão-de-obra é também um “sintoma de que o mercado de trabalho não teve ainda impacto significativo desta quebra de procura”. Este impacto “só se vai verificar mais no próximo ano”, nomeadamente quando as “subidas de taxas de juro começarem a fazer efeito”, já que vão retirar poder de compra às famílias, num contexto em que a taxa de poupança também tem vindo a diminuir.
Ainda esta quinta-feira foi anunciado mais um aumento das taxas diretoras pelo Banco Central Europeu, desta vez de 50 pontos base, naquela que foi a quarta subida das taxas de juro do euro desde julho. A própria presidente do BCE admitiu que “uma economia mais fraca pode resultar num desemprego ligeiramente mais elevado.”
Isto já que esta tendência de resiliência no mercado de trabalho também se verifica na Europa, apesar de “estarmos sempre um pouco desfasados dos outros países”, ressalva Cerejeira. O comissário europeu Paolo Gentioloni já tinha sinalizado que o mercado de trabalho no bloco “continua muito forte, o mais forte em décadas”, na apresentação das previsões económicas de Outono, no mês passado. “As taxas de desemprego estão em níveis recordes e as taxas de participação e emprego em níveis recordes. Além disso, as taxas de vagas por ocupar e a escassez de mão-de-obra relatada permanecem extremamente elevadas, embora tenham começado a cair“, disse.
“O mercado de trabalho da UE continua a ser a brilhar na economia e espera-se que volte a mostrar resiliência”, sinalizou o comissário europeu. “O aumento do desemprego no próximo ano deverá ser moderado antes de cair novamente em 2024”, acrescentou.
Já Christine Lagarde ressalvou, esta quinta-feira, que “o crescimento dos salários está a fortalecer-se, apoiado por mercados de trabalho robustos e alguma recuperação dos salários para compensar os trabalhadores pela alta inflação”. “Dado que estes fatores deverão permanecer, as projeções dos especialistas do Eurosistema preveem que os salários cresçam a taxas muito acima das médias históricas e impulsionem a inflação ao longo do período de projeção”, admitiu.
A possibilidade de uma espiral inflacionista devido à subida de salários não parece provável para João Cerejeira, já que “os salários dos portugueses contribuem pouco para inflação que estamos a observar e os dados que estamos a ver mostram que os salários crescem a um ritmo inferior à inflação”.
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