Rita Marques volta a cair do turismo, desta vez em menos de uma semana
Em 15 episódios, recorde a “novela” de seis dias sobre a contratação de uma ex-secretária de Estado do Turismo para administradora de um grupo de vinho do Porto com vários negócios no ramo turístico.
Menos de uma semana depois de ser anunciada como nova administradora da The Fladgate Partnership, com responsabilidade sobre a divisão dos hotéis e do turismo, a ex-secretária de Estado entendeu não ter “condições de aceitar, nesta altura, o convite” feito pelo grupo que detém as marcas de Vinho do Porto Taylor’s, Croft e Fonseca, mas que nos últimos anos tem investido fortemente na área turística.
Estava previsto Rita Marques iniciar funções a 16 de janeiro, mas acabou por não resistir à pressão política – desde a oposição ao primeiro-ministro, passando pelo Presidente da República –, mediática e das organizações anticorrupção e da sociedade civil. E assim volta a ter de abandonar um cargo de responsabilidade na área do turismo, após António Costa Silva já a ter dispensado do Ministério da Economia.
Recorde os principais episódios da “novela” Rita Marques.
Anúncio da contratação de Rita Marques
Ao final da tarde de sexta-feira, com os portugueses já a pensarem no fim de semana, o grupo Fladgate envia um comunicado às redações em que anuncia a entrada de Rita Marques, antiga secretária de Estado do Turismo, no conselho de administração para tutelar a divisão da hotelaria e do turismo, com destaque para a gestão do World of Wine (WoW), o mais recente projeto de envergadura nesta área.
“Estou certa de que construiremos excelentes oportunidades para continuarmos a valorizar o Vinho do Porto, promovendo a redescoberta da cidade do Porto e da região do Douro, enquanto destinos vínicos e culturais de excelência”, declarava Rita Marques, citada nessa nota à imprensa em que o diretor-geral do grupo sediado em Gaia, Adrian Bridge, admitia que contava “[beneficiar] do conhecimento e da experiência [dela] nas áreas da gestão de negócio e do turismo”.
Revelado despacho que atribui apoios
No dia seguinte, o jornal Observador divulga um despacho que foi assinado a 21 de janeiro de 2022 pela então governante, que concede o estatuto de utilidade turística definitiva ao WoW até ao final de 2025. Na prática, além de isentar a proprietária e exploradora do empreendimento das taxas à Inspeção-Geral das Atividades Culturais, abre a porta à atribuição de benefícios fiscais em sede de IMI.
Frente Cívica aponta ilegalidade e “punição fictícia”
Logo no domingo surgem as primeiras reações críticas. “Este emprego é claramente ilegal. Nem é uma questão de opinião de conduta ética; é uma claríssima violação da lei”, reagiu João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, lamentando desde logo o facto de haver uma “punição fictícia” neste caso. “A única sanção prevista na lei é a inibição de exercer cargos políticos durante três anos, mas Rita Marques não tem interesse em voltar para o Governo. Foi expulsa e, além disso, temos um Governo cujo prazo de legislatura é superior a três anos. É uma sanção inútil neste caso e para a generalidade dos casos”, disse ao ECO o também ex-presidente da Associação Transparência e Integridade.
Rita Marques considera “legítimo” ingresso na Fladgate
Ainda no domingo, a ex-secretária de Estado do Turismo classificou o regresso ao setor privado como “legítimo”, apesar de passar a gerir uma empresa à qual concedeu um benefício há menos de um ano. Citada pela SIC Notícias, Rita Marques afirmou igualmente estar “absolutamente segura das decisões tomadas enquanto secretária de Estado” e também “das que toma na esfera privada desde que deixou o Governo”.
Chega pede abertura de inquérito
Com o início da semana de trabalho, os partidos começam a agarrar no tema. O Chega pergunta ao Ministério Público se está a investigar a situação da ex-secretária de Estado do Turismo e pede que, “caso não o tenha feito por qualquer motivo ou qualquer razão procedimental, [esta exposição] valha como denúncia para que seja averiguada a legalidade desta situação”. “Não é apenas um caso de imoralidade ou de violação de deveres éticos, é um caso de clara violação da lei”, resumiu André Ventura.
Alexandra Leitão abre “fogo” socialista
A ex-ministra Alexandra Leitão foi a primeira voz com relevo no PS a insurgir-se contra a decisão da antiga colega no Executivo de “violar frontalmente a lei indo para uma empresa de um setor que tutelou até sair do Governo”. “É limpinho. Viola a lei assim, limpinho. O Governo não tem culpa nenhuma. As pessoas depois de saírem do Governo fazem o que entendem. E eu gostaria que entendessem cumprir a lei, sempre era um bom princípio”, declarou a atual deputada, na segunda-feira à noite, durante um programa de comentário político na CNN Portugal.
Apoios públicos de 30 milhões para o WoW
Na terça-feira de manhã, o ECO revela que o WoW beneficiou de apoios públicos num valor superior a 30 milhões de euros. Além do polémico despacho, há um apoio público de quase 5,4 milhões de euros no Portugal 2020, através do Compete, com a candidatura a ser submetida em 2017, mas a “luz verde” a chegar a 27 de dezembro de 2019, ou seja, já com Rita Marques aos comandos da pasta do turismo.
Foi ainda o empreendimento que ficou com a maior fatia de investimento público no programa de apoio à reabilitação e regeneração urbana IFRRU, criado no âmbito do Portugal2020. Através da sociedade Hilodi – Historic Lodges & Discoveries, o grupo liderado por Adrian Bridge recebeu um total de 26 milhões de euros, divididos por quatro candidaturas para diferentes espaços. Em causa estavam empréstimos em condições mais vantajosas face ao mercado.
PS demarca-se e diz que lei é para cumprir
No mesmo dia, o presidente do grupo parlamentar do PS distancia-se de Rita Marques. Em conferência de imprensa, Eurico Brilhante Dias lembra que a lei é para cumprir e que “quem assume cargos de natureza política, com responsabilidades de gerir o interesse da comunidade, sabe que quando os assume tem obrigações antes, durante e depois”.
Bloco defende revogação de benefício
Sucedem-se as reações partidárias. A coordenadora do Bloco de Esquerda apela à revogação do despacho que “concedeu benefícios fiscais” à empresa e defende igualmente que Rita Marques violou a lei. “Parece-nos que é objetivo. Basta ler o estatuto dos altos titulares de cargos [políticos], que a ex-secretária de Estado está numa situação de incumprimento da lei. Ou seja, uma pessoa, depois de estar no Governo, não pode ir para uma empresa privada cujo setor tutelou diretamente, exceto se estiver a voltar para o emprego que tinha antes”, declara Catarina Martins.
Bastonária dos advogados pede investigação
O caso mantém-se na agenda e ainda na terça-feira, à margem da cerimónia de posse, a nova bastonária da Ordem dos Advogados defende que o caso do regresso ao setor privado de Rita Marques deve ser “devidamente investigado” e “devidamente sancionado”, e entende que alterar a lei é uma decisão do Parlamento. “As questões éticas são para todos nós e claro que os membros dos órgãos do Governo não estão excluídos. É evidente que tudo isso tem de ser devidamente investigado, devidamente sancionado, e se existe realmente responsabilidade por parte das pessoas, têm de ser chamadas à responsabilidade”, frisa Fernanda de Almeida Pinheiro.
Costa decreta falta de “ética republicana”
Depois de evitar comentar o caso no dia anterior, numa iniciativa pública, na quarta-feira, António Costa vai ao Parlamento e é confrontado pela oposição com este caso. E o primeiro-ministro critica a antiga secretária de Estado do seu Governo, por ter aceitado o convite da Fladgate. “Ela entendeu que estava a coberto da lei. Não é a interpretação que faço. Não tenho a menor das dúvidas de que não corresponde à ética republicana”, atira o chefe do Executivo.
Convite também “coloca em causa a empresa”
O presidente da Câmara de Gaia diz que a “importância” do grupo Fladgate para a economia local e nacional “em nada relativiza a situação criada, com contornos inaceitáveis, e que coloca em causa a empresa e a pessoa convidada”. Em declarações ao ECO, Eduardo Vítor Rodrigues, destacado dirigente do PS, garante ainda que “não houve qualquer apoio municipal ao projeto WoW, independentemente do seu interesse para a comunidade, que é tão indiscutível como o imbróglio em que se meteram e que em nada envolve a Câmara”.
Sucessor reaprecia despacho
Ainda na quarta-feira, o novo secretário de Estado do Turismo, Nuno Fazenda, afirma que vai reapreciar o despacho assinado pela sua antecessora à empresa para a qual iria trabalhar, agindo “em conformidade” com o que foi dito pelo primeiro-ministro na Assembleia da República.
Marcelo dá a “estocada” final
Já esta quinta-feira, tal como tinha feito na semana passada com a secretária de Estado da Agricultura, Marcelo Rebelo de Sousa coloca a pressão política sobre Rita Marques no máximo, ao afirmar que violou “claramente” a lei. “O que posso dizer em geral, mas os portugueses percebem, [é que] quando alguém é indicado para exercer uma função política administrativa, faz uma escolha que hoje está na lei – durante muito tempo não esteve, era só uma questão ética, moral –, não devia ir trabalhar para o setor onde exercia poderes de autoridade, durante um período de tempo depois de ter governado esse setor”, diz.
Renúncia, sem “condições para aceitar” convite
Pouco passava das 17h00 quando Rita Marques escreve no LinkedIn que não tem “condições de aceitar” o convite. “Nos últimos dias, o meu nome surgiu envolto num elevado fluxo noticioso que não se coaduna com os valores que defendo. Considerando que a minha carreira profissional tem sido sempre pautada pela competência, pelo rigor, por estritos princípios e valores éticos, e pelo cumprimento incondicional da lei, entendo que não tenho condições de aceitar, nesta altura, o convite que me foi dirigido”, escreve a antiga secretária de Estado.
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