Exclusivo Atlantic Gateway recebia dinheiro da TAP para pagar salários de acionistas

Empresa que foi dona de 61% da TAP celebrou contrato de prestação de serviços com a companhia aérea. Verbas serviam para pagar salário de administradores do consórcio acionista.

A Atlantic Gateway recebeu verbas da TAP no âmbito de um acordo de prestação de serviços, depois de ter ficado com 61% do capital na privatização em novembro de 2015, segundo um contrato a que o ECO teve acesso. Só em 2017, foram faturados 1,17 milhões de euros à companhia aérea. Humberto Pedrosa, acionista do consórcio com David Neeleman, diz que era a forma de os administradores ligados à holding receberem os salários.

O contrato celebrado pela TAP com a Atlantic Gateway, consórcio representado na assinatura por Humberto Pedrosa e o filho, David Pedrosa, previa a prestação de serviços de “planeamento e estratégia, nomeadamente apoio na elaboração, análise e acompanhamento na implementação, da estratégia global nas duas diferentes componentes estabelecidas para o Grupo TAP e para a segunda outorgante [TAP S.A.] em particular”. E do lado da TAP, quem assinou o acordo foi Fernando Pinto, à data presidente executivo, e David Pedrosa, que aparece assim dos dois lados do acordo.

A Atlantic Gateway SGPS terá prestado ainda “serviços de apoio à reestruturação da dívida financeira, incluindo apoio na definição e implementação da estratégia de financiamento das operações, e na negociação com as entidades bancárias das linhas de crédito de suporte às operações”.

Há um anexo ao contrato, ainda mais detalhado, sobre os serviços a prestar:

  • Participação em reuniões de alta direção tendentes a definir a estratégia global do Grupo;
  • Partilha do know-how operacional para a gestão dos ativos tangíveis e intangíveis, planos de fidelização, rotas, software, etc;
  • Participação em reuniões com os quadros superiores e intermédios das segunda outorgante tendo em vista assegurar a implementação da estratégia global definida pelo Grupo;
  • Análise e acompanhamento dos processos tendentes à implementação de medidas destinadas a assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos;
  • Estratégia para o desinvestimento em ativos não-core;
  • Apoio na renegociação da dívida bancária;
  • Apoio na definição e implementação da estratégia de financiamento das operações;
  • Apoio na negociação com as entidades bancárias das linhas de crédito existentes.

O contrato definia que “a remuneração a receber pela primeira outorgante [Atlantic Gateway] como contrapartida pela prestação dos serviços contratados é fixada em termos equivalentes aos que normalmente seriam contratados entre entidades independentes e tendo em conta a estrutura de custos da primeira outorgante”.

O ECO teve acesso aos valores referentes aos serviços de consultoria de gestão prestados pela Atlantic Gateway em 2017. Só nesse ano, foram pagos pela TAP 1.169.674,65 euros.

Humberto Pedrosa garante ao ECO que as verbas correspondem à remuneração dos administradores, “que não recebiam salário da companhia, mas através de um débito de prestação de serviços”. Segundo o dono da Barraqueiro e antigo acionista da TAP, além do próprio, que chegou a ser presidente do conselho de administração, também David Neeleman e David Pedrosa recebiam desta forma. O nome deste último aparece associado a perto de metade do montante (475.335 euros) naquele ano de 2017, facto que será explicado por ter uma remuneração bastante mais elevada tendo em conta ser, à data, administrador executivo.

O que é normal é ter salário. Ali optou-se por ser através de um débito por prestação de serviços da Atlantic Gateway, penso que por ser mais favorável para a TAP.

Humberto Pedrosa

Antigo acionista e administrador da TAP

Esta forma de pagamento vigorou até a Atlantic Gateway deixar de ser acionista da TAP, confirma Humberto Pedrosa. O que só aconteceu em outubro de 2020, quando o Governo optou pela renacionalização no contexto da pandemia. O gestor justifica a opção na altura com a poupança de encargos, nomeadamente fiscais, para a companhia aérea. “O que é normal é ter salário. Ali optou-se por ser através de um débito por prestação de serviços da Atlantic Gateway, penso que por ser mais favorável para a TAP”, diz.

De acordo com o contrato, a holding de Humberto Pedrosa e David Neeleman compromete-se a comunicar à TAP, até 31 de janeiro de cada ano, por escrito, a estimativa da remuneração anual que lhe será devida com referência ao ano em causa. Esta será apurada “com base nas contas reais/orçadas do ano anterior disponíveis à data, acrescidas do orçamentado até ao final do ano”. Fica também estabelecido que “o valor da remuneração poderá ser ajustado mediante o cumprimento de objetivos diretamente relacionados com os compromissos assumidos pela primeira outorgante com a assinatura do acordo”.

David Neleman, Humberto Pedrosa e David Pedrosa entraram para a administração da TAP SPGS a 12 de novembro de 2015, quando se consumou a privatização de 61% da companhia aérea, durante o segundo Governo de Passos Coelho. O restante capital manteve-se no Estado. Humberto Pedrosa deixou a presidência do conselho de administração em 2017, mantendo-se, no entanto, como não executivo, depois da reversão parcial da privatização levada a cabo já pelo Governo de António Costa, que colocou o Estado de novo com 50% dos direitos de voto. O chairman passou a ser Miguel Frasquilho.

A TAP voltou a divulgar um relatório de governo societário em 2021, referente ao exercício de 2020. É o único onde aparece uma menção à remuneração dos antigos gestores, com David Pedrosa a auferir 45 mil euros e Humberto Pedrosa 11.252 euros, sendo que deixaram os cargos a 30 de setembro. Em relação a David Neeleman não é referido qualquer valor.

A privatização da TAP à Atlantic Gateway em 2015 tem estado debaixo de polémica. Os 226,75 milhões de dólares que a empresa usou na altura para capitalizar a companhia aérea vieram diretamente da Airbus, como indica uma análise legal da Serra Lopes Cortes Martins & Associados feita em agosto de 2022 para a companhia aérea e revelada pelo ECO. A quantia terá sido entregue em contrapartida de um negócio de leasing de 53 aviões pelo fabricante europeu, fechado pelo próprio David Neeleman, e que segundo os advogados pôs a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização, violando o Código das Sociedades Comerciais.

O Bloco de Esquerda anunciou que vai pedir toda a documentação sobre o negócio de aquisição de aviões entre David Neeleman e a Airbus, que permitiu a entrada do empresário da TAP, no âmbito da comissão parlamentar de inquérito sobre a tutela política da gestão da companhia, que tomou posse esta quarta-feira.

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