Sérgio Monteiro diz que uso de fundos da Airbus na privatização da TAP em 2015 “não preocupou” Governo
O antigo secretário de Estado das Infraestruturas defende que a TAP não tinha capacidade para fazer o negócio de compra de aviões à Airbus feito por David Neeleman.
Sérgio Monteiro, o secretário de Estado das Infraestruturas que protagonizou o processo de privatização da TAP em 2015, diz que a utilização de fundos da Airbus pela Atlantic Gateway não preocupou o Governo e justificou-a com a situação de quase rutura financeira da empresa. Remete para a Parpública e a companhia aérea a garantia de que a capitalização cumpriu a legislação.
Uma análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM), revelada pelo ECO, concluiu que os 226,75 milhões de dólares em prestações suplementares que o empresário de nacionalidade norte-americana e brasileira colocou na TAP SGPS, e que garantiram a privatização, vieram diretamente da Airbus.
O dinheiro, os chamados “Fundos Airbus”, terá sido entregue em contrapartida de um negócio de compra de 53 aviões ao fabricante europeu, fechado pelo próprio David Neeleman, e que segundo os advogados pôs a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização, violando o Código das Sociedades Comerciais. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) tem já a decorrer um inquérito com base nestes indícios.
O antigo governante defendeu perante os deputados da Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação a normalidade e legalidade do processo. “Chamar fundos Airbus parece que tem uma origem duvidosa ou que é estranho um fornecedor financiar, no sentido de entregar por conta do rappel comercial de uma encomenda. Parece que nunca aconteceu que quem compra 10 máquinas não tenha apoio do vendedor para essa compra de uma encomenda grande”, afirmou Sérgio Monteiro. “Serem fundos Airbus não nos preocupou. A TAP preferiu a proposta da Atlantic Gateway, sem reservas, e foi a isso que o Estado aderiu”, acrescentou.
Na altura a TAP desistiu do contrato para o leasing de 12 aeronaves A350 e celebrou um novo para 53 novos aviões, que poderá ter lesado a TAP num valor que ascende a 444 milhões de euros, segundo uma análise da consultora Airborne, com a companhia portuguesa a pagar mais entre 3% e 38% do que a concorrência para as mesmas aeronaves.
O antigo secretário de Estado de António Pires de Lima assumiu que “o valor intrínseco” da desistência do contrato dos A350 não cobria o valor da capitalização feita por David Neeleman, e que “a encomenda dos 53 aviões teve um papel fundamental nos fundos Airbus”. O volume da encomenda é muito grande e portanto dá origem a um rappel maior. É como comparar uma mercearia a comprar Coca-Cola e o Continente a comprar Coca-Cola”.
Sérgio Monteiro sustentou também que a TAP não podia fazer o acordo com a Airbus protagonizado por David Neeleman. “Pode a TAP pública fazer este negócio? Não, de forma nenhuma. Não podia pagar 12 aviões, quanto mais 53. Isso ficou à evidência pelas dificuldades de tesouraria”, sustentou. O antigo secretário de Estado assinalou que a TAP, em 2015, “devia combustível à Galp, taxas aeroportuárias, devia a agências de viagem” e estava em risco de incumprimento com a Airbus.
“Ainda bem que David Neeleman encontrou uma entidade que confiou nele o suficiente para lhe entregar um valor que depois foi injetado na TAP e permitiu salvar milhares de postos de trabalho, pagar a fornecedores e assegurar a viabilidade da companhia”, afirmou Sérgio Monteiro.
Para o antigo governante a capitalização é legal porque aconteceu num contexto de perenidade, dado que os fundos colocados pela Atlantic Gateway só podiam ser reembolsados passados 30 anos. “A capitalização foi considerada, por todas as entidades, legal. O Governo não disse ‘esta capitalização é legal’. Perguntou a quem tinha a responsabilidade da condução [do processo] se era legal ou não. A Parpública e a TAP acautelaram-se com as opiniões que entenderam. Disseram ao Estado é legal e a privatização avançou“, disse.
Sérgio Monteiro lembrou também que a auditoria do Tribunal de Contas de 2018 não pôs em causa a capitalização em 2015 e concluiu que ela permitiu viabilizar uma empresa considerada estratégica. Sobre o valor excessivo que a TAP estará a pagar pelos 53 aviões, Sérgio Monteiro afirmou que “em 2019, quatro anos depois de sermos Governo, o valor que a TAP e a Air France e a KLM pagavam pelos aviões era igual. Só a Iberia era ligeiramente abaixo. Só falta dizer que em 2022 ainda é culpa nossa”.
Sérgio Monteiro referiu no Parlamento que a Parpública recebeu a 16 de outubro uma comunicação formal da Airbus com três avaliações do contrato para a compra dos 53 aviões indicando uma poupança e não um sobrecusto face ao valor de mercado. “Toda a informação disponível era não só de que não estavam acima do mercado, mas estavam a desconto. Indicavam um valor abaixo de mercado de 233,4 milhões de dólares, em média“, precisou. “É com estes dados que se toma a decisão de dia 12” de novembro.
A Airborne contestou o cálculo dos valores de mercado apresentados para comparação à altura, desde logo por considerarem a entrega de todas as aeronaves em 2015, quando as primeiras entregas ocorreram entre 2016 e 2018. De acordo com o calendário previsto, a transportadora aérea tem ainda a receber 14 aviões, seis este ano, quatro em 2024 e mais quatro em 2025.
Governo PSD tentou vender duas vezes ME Brasil
O antigo secretário de Estado das Infraestruturas foi ainda questionado pelos deputados sobre a Manutenção e Engenharia Brasil (ME Brasil), já liquidada depois da TAP reconhecer uma perda de 1.024,9 milhões de euros em 2021. Sérgio Monteiro revelou que tentou vender por duas vezes o negócio.
“Nunca dissemos que a ME Brasil era um ativo estratégico. Era justificado dentro da TAP como a forma de fazer crescer a operação no Brasil. Não tenho claro para mim que fosse essencial, senão qualquer companhia para crescer no Brasil tinha de ter uma operação de manutenção e engenharia. Não me parece ser o caso”, respondeu aos deputados.
“Dei por duas vezes orientações ao conselho de administração da TAP para tentar vender. Organizaram-se dois processos que não foram bem-sucedidos. Em 2015, pedi à tutela financeira para proibir remessas de receitas de Portugal para o Brasil. O Brasil era um sorvedouro. Tinha contingências laborais muito grandes tendo em conta a pouca atividade da ME Brasil”, justificou.
O encerramento também foi ponderado, disse Sérgio Monteiro, acrescentando que não ficou surpreendido com os mil milhões de euros de perdas registadas. “Optámos por não nacionalizar esse buraco. Passámos para o parceiro privado. Não o nacionalizámos” como fez o atual Governo.
Além de Sérgio Monteiro, o PS requereu ainda a audição de Miguel Pinto Luz, antigo secretário de Estado das Infraestrutures, Isabel Castelo Branco, ex-secretária de Estado do Tesouro e António Pires de Lima, antigo ministro da Economia. Este último será ouvido no próximo dia 4 de abril.
(notícia atualizada às 19h25)
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