“Tardia” e “paliativo”. Patrões e sindicatos criticam medidas do Governo
A pressão sobre as famílias e empresas "tornou esta medida essencial e inadiável", disse António Saraiva. Já a Frente Comum diz que o anúncio de novo aumento para a Função Pública é "insuficiente".
O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) afirmou esta sexta-feira que a medida anunciada pelo Governo de redução do IVA nos bens essenciais é “ajustada”, mas “tardia”, defendendo que a tributação imposta às famílias e empresas portuguesas era “excessiva”. Já a Frente Comum classifica de “paliativo” o novo aumento salarial de 1% anunciado pelo Governo.
Leia abaixo a reação, até ao momento, dos patrões e sindicatos:
Redução do IVA nos bens essenciais é “ajustada”, mas “tardia”
“Num momento de enormes dificuldades e ainda maior incerteza, a redução do IVA nos bens essenciais parece-nos ajustada, embora tardia”, afirmou António Saraiva, em reação às medidas de apoio anunciadas pelo Governo. Em resposta à agência Lusa, o presidente da CIP destacou ter avisado o Governo “em devido tempo” de que, apesar do equilíbrio das finanças públicas ser “de extrema relevância”, a pressão sobre as famílias e empresas “tornou esta medida essencial e inadiável”.
“A tributação que Portugal impõe às empresas e às famílias já era apontada como sendo excessiva quando comparada com os nossos concorrentes”, defendeu, realçando que a inflação “tornou este sobrepeso ainda mais evidente”.
O Governo anunciou “apoios adicionais” na ordem dos 2,5 mil milhões de euros, que abrangem o IVA zero para alguns bens alimentares essenciais, o aumento em um por cento dos trabalhadores da administração pública, assim como apoios diversos às famílias mais vulneráveis e à produção agrícola.
CGTP diz que “pacotinho” do Governo “passa ao lado” das soluções para problemas
A secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) disse que o “pacotinho” de medidas que o Governo apresentou para responder ao aumento do custo de vida “passa ao lado” das soluções para os problemas que Portugal vive.
“O que ressalta imediatamente quando o Governo anuncia estas medidas é que o Governo passa ao lado daquilo que são as soluções para os problemas que estamos a viver, designadamente, o aumento geral dos salários de todos os trabalhadores, o aumento do salário mínimo nacional, o aumento das pensões de reforma e o controle dos preços, com efetiva taxação dos lucros brutais que as grandes empresas e grupos económicos estão a ter”, declarou Isabel Camarinha.
Em declarações por telefone à agência Lusa no âmbito do anúncio das medidas de resposta do Governo face ao aumento do custo de vida, a líder da CGTP considerou que o pacote de medidas vem reforçar a importância da luta dos “trabalhadores, reformados e pensionistas” para se “conseguir alterar este estado de coisas”.
“O apelo que a CGTP faz é continuarmos a fazer crescer esta luta, porque mesmo este pacotinho que o Governo apresenta é já também para parecer que está a dar alguma resposta à luta que tem vindo a ser desenvolvida e que tem aumentado como vimos na manifestação que realizámos no passado sábado, dia 18, com milhares de trabalhadores a exigirem soluções para os problemas que estão a atravessar”, observou.
Isabel Camarinha fala em medidas “assistencialistas” e num “desequilíbrio” por não dirigir as medidas “a quem de facto devem ser dirigidas”, referindo-se, por exemplo, ao cabaz alimentar com zero por cento de IVA, deixando intocados os lucros das empresas de distribuição.
“O Governo mais uma vez opta por, ao invés de resolver o problema, está neste assistencialismo, que não resolve os problemas, como já fez anteriormente”, disse, recordando que mais de um milhão de famílias portuguesas estão em situação de “vulnerabilidade extrema”, o que se torna no “espelho das políticas” que têm vindo a ser tomadas e que “não garantem uma distribuição da riqueza que permita que no nosso país se possa viver com dignidade”.
Sobre o cabaz alimentar com IVA zero, Isabel Camarinha explica que se está apenas a mexer no imposto, mas não nos “milhares de milhões de euros de lucro” das empresas de distribuição alimentar, recordando que esta quinta-feira a Jerónimo Martins apresentava resultados de 2022 de 600 milhões de lucro. E a redução do IVA vai deixar “intocados esses lucros e vai manter a possibilidade de continuarem com a especulação que têm efetuado relativamente ao aumento dos preços”, disse.
Sobre o apoio de 140 milhões de euros ao setor agrícola, que o Governo anunciou hoje, Isabel Camarinha tem dúvidas sobre quem é que vai beneficiar desse apoio, referindo que estes apoios têm sido “aproveitados pelas grandes empresas e pelos grandes agrários” e não pelos pequenos, que são quem também está aflito neste momento com a situação que se vive.
Novo aumento salarial é “paliativo” e não repõe poder de compra, diz Frente Comum
A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública considerou esta sexta que o aumento salarial adicional de 1% anunciado pelo Governo para responder à inflação é um “paliativo” que está longe de repor a perda de poder de compra.
Entre as medidas anunciadas pelo Governo para mitigar o impacto do aumento do custo de vida, está um novo aumento salarial de 1% para a função pública, “continuam a ser muito insuficientes face às reais necessidades que existem”, disse o dirigente da Frente Comum Alcides Teles, em declarações à Lusa.
“Os trabalhadores perderam salário em 2022 e vão continuar a perder salário em 2023, apesar destes paliativos que o Governo hoje veio apresentar”, considerou Alcides Teles. O sindicalista referiu que em 2022 a inflação fixou-se em 7,8% e os trabalhadores da administração pública tiveram um aumento salarial de 0,9%, o que significa que “perderam 6,9% de salário durante todo o ano passado”.
Já em 2023, com as atualizações salariais e o novo aumento do subsídio de refeição, de 5,20 para seis euros, o Governo aponta agora para um crescimento de 4,1%, “o que fica muito longe de repor aquilo que se perdeu”, uma vez que a inflação é superior, disse ainda o dirigente da Frente Comum.
“Entendemos que há condições e hoje provou-se que há condições, há dinheiro. Havendo dinheiro, que se valorize o trabalho e os trabalhadores, pelo menos naquilo que têm perdido e daí termos a proposta da Frente Comum de, no mínimo, 100 euros por trabalhador. Quanto à subida do valor do subsídio de alimentação, o sindicalista indicou que “é um aumento de 80 cêntimos por dia”, o que equivale a “um café”.
PRO.VAR quer redução do IVA da restauração e fechar dossiê covid-19
Já a associação PRO.VAR, da área da restauração, reclama em comunicado “duas medidas, a redução do IVA da restauração e o encerramento do dossiê pandemia covid-19, com zero perdas”. A associação considera que “a descida do IVA da restauração, na componente das comidas, deveria ter sido considerada, em simultâneo, com a redução do IVA nos produtos alimentares”.
“O Governo, ao reduzir apenas o IVA dos produtos alimentares, provoca o efeito de desincentivar o consumo nos restaurantes”, algo que, segundo a PRO.VAR, “será mais um contributo para a perda de competitividade da atividade e do setor do turismo em geral, o aumento de falências e o despedimento de milhares de trabalhadores”.
Para a PRO.VAR, a descida do IVA na restauração teria dois efeitos positivos: “a viabilidade dos negócios, pois a medida permitirá reduzir o impacto negativo da inflação das matérias-primas e de outros custos de fatores de produção”, e “uma redução de preços ao consumidor”.
“Outra exigência do setor prende-se com a compensação dos prejuízos no período da pandemia covid-19”, referindo a associação que os apoios “acabaram por ser escassos ou por nunca chegar”, e que “os restaurantes aguardam pelas contas finais para fecharem este dossiê”.
Fesap e STE querem aumentos retroativos a janeiro
A Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap) e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), da UGT, defenderam que o aumento salarial adicional e a subida do subsídio de alimentação devem ser retroativos a janeiro.
O líder da Fesap e vice-presidente da UGT, José Abraão, considerou que “as medidas são sempre insuficientes” face à “enorme inflação” e às atualizações salariais dos últimos anos, mas valorizou o facto de o Governo ter revisto o acordo assinado em outubro com as duas estruturas sindicais da UGT.
Para José Abraão, o aumento salarial adicional em 1% para a função pública “não é tudo, mas é importante porque é para todos os trabalhadores e vai melhorar a remuneração base na administração pública, que vai para cerca de 770 euros, e também quem teve aumentos de 2%, que vai passar a ter 3,5%” por consequência da subida do subsídio de refeição, dos atuais 5,20 euros para seis euros.
Na próxima quarta-feira os sindicatos vão ser recebidos no Ministério da Presidência, que tem a tutela da administração pública, e o líder da Fesap espera que as medidas sejam “concretamente operacionaliadas” e que haja retroatividade nos salários e no subsídio de refeição a janeiro de 2023.
“Se é para corrigir o que estava no acordo, ele entrou em vigor no dia 01 de janeiro e é aí que estas medidas devem incidir”, defendeu o dirigente sindical. Também a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues, disse que na reunião com o Governo vai propor a retroatividade das medidas a janeiro.
“No dia 29, na reunião negocial que vamos ter com o Governo, se é uma reunião negocial, temos novas coisas a acrescentar, ou seja, que o efeito [das medidas] seja a janeiro de 2023, mas também que se tenha em conta – e penso que o Governo já referiu essa possibilidade – acelerar as progressões na carreira”, afirmou Helena Rodrigues.
A dirigente sindical disse ainda que o STE “ficou agradavelmente surpreendido” com as medidas, considerando “positivo” o facto de o Governo “ter cumprido o acordo” ao corrigir as atualizações salariais face à subida da inflação.
(atualizado às 18h38 com mais informação)
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