Transferir o crédito da casa é mais difícil do que parece
Apesar da oferta competitiva dos bancos na transferência dos créditos à habitação, é muito difícil as famílias tirarem partido delas, sobretudo se compraram casa nos últimos três anos.
Há cada vez mais bancos a promover campanhas de transferência de crédito à habitação. O último foi o Santander Totta que, na segunda-feira, lançou uma proposta comercial que promete spreads desde 0,5% nos dois primeiros anos do contrato, tanto para novos contratos como para transferências de contratos de crédito à habitação.
Antes tinha sido o EuroBic que, na quinta-feira da semana passada, passou a disponibilizar transferências de crédito à habitação com spreads desde 0,75%, além de assumir todos os custos associados à transferência.
A oferta do EuroBic tem em conta um spread mínimo de 0,10 pontos percentuais abaixo do spread mínimo que o banco está a oferecer na contratualização de novos contratos, segundo o seu atual preçário. O mesmo sucede com o Banco CTT, que na proposta de transferência de crédito à habitação está a oferecer spreads desde 0,85%, enquanto na contratualização de novos contratos o spread mínimo é de 0,95%, e ainda oferece a primeira anuidade dos seguros.
Outros, como o Montepio, apesar de oferecerem um spread mínimo igual aos clientes que procuram a instituição para transferir o crédito à habitação ou contratualizar um novo contrato, na proposta de transferência oferecem um prémio monetário em cartão para gastar em produtos de consumo, num valor equivalente a 1% ou 1,1% do montante transferido.
O acesso às ofertas dos bancos está mais complicado
É notória a vantagem que as transferências de crédito à habitação oferecem ao orçamento das famílias: num contrato a 30 anos indexado à Euribor a 6 meses com um spread de 1,2%, 0,1 pontos percentuais a menos no spread representa, atualmente, uma poupança anual de 72,4 euros por cada 100 mil euros – mas à medida que os anos passam, esta poupança vai diminuir progressivamente, porque o capital em dívida também irá ser cada vez menor.
A aposta dos bancos na transferência dos contratos de crédito à habitação vai ao encontro da crescente procura dos portugueses, que em virtude da subida das taxas de juro têm tentado encontrar soluções mais económicas para os seus orçamentos. Hugo Pinheiro, CEO da Credível, uma empresa de intermediação de crédito, revela que só “no primeiro trimestre deste ano recebemos três vezes mais pedidos de ajuda face ao mesmo período do ano passado.”
O mesmo sucede com o Doutor Finanças, outro intermediário de crédito, que no primeiro trimestre deste ano registou um aumento superior a 400% dos pedidos de transferência de crédito, face ao período homólogo de 2022. “A subida de juros levou muitas pessoas a procurarem reduzir os seus encargos, isto numa altura em que os bancos estão a oferecer spreads mais baixos e em que a maioria tem ativas campanhas para atrair novos clientes”, revela Cláudio Santos, chief commercial officer do Doutor Finanças.
No entanto, nem todos os pedidos de transferência de crédito são bem-sucedidos. “Tendo em consideração os processos já escriturados e todos os que estão à espera apenas da avaliação do imóvel, o rácio é de 24,93%, um número em linha com os dados do ano passado”, refere Cláudio Santos.
A matemática da transferência do crédito à habitação
A dificuldade em conseguir transferir o crédito para outra instituição não é particularmente causada pelos bancos, que até têm procurado disponibilizar condições mais económicas (pelo menos pela parte da comercialização de spreads mais baixos). Mas pela subida das taxas Euribor, que servem de referência nos contratos à taxa variável e que condicionam (e muito) a aplicação das recomendações macroprudenciais do Banco de Portugal.
Entre as várias medidas recomendadas pelo Banco de Portugal na concessão de crédito responsável está a imposição de que o rácio entre o montante total das prestações mensais associadas a todos os empréstimos detidos e o rendimento mensal líquido de impostos e contribuições obrigatórias à Segurança Social (taxa de esforço) não possa ser superior a 50%.
Além disso, desde 1 de julho de 2018 que o Banco de Portugal refere que para o cálculo desta “taxa de esforço”, conhecida no mundo bancário como DSTI (do inglês debt service-to-income ratio), a prestação dos créditos à habitação a mais de 10 anos à taxa variável e taxa mista seja calculada tendo em conta um aumento de 3 pontos percentuais sobre a taxa Euribor no dia da contratualização do crédito.
Isto faz com que, por exemplo, um crédito à habitação indexado à taxa Euribor a 6 meses, que está atualmente a negociar nos 3,601%, para efeitos de avaliação da transferência do crédito seja considerada uma taxa de 6,587% mais o spread.
Num contrato a 30 anos com um spread de 1%, por exemplo, esta “nuance contratual” significa avaliar o risco de concessão de um financiamento tendo em conta um esforço mensal de 705 euros em vez de 511 euros, por cada 100 mil euros de financiamento.
Esta diferença de 38% entre a prestação real e a prestação potencial faz com que grande parte das famílias fique automaticamente excluída da oferta. “Um cliente que fez crédito à habitação há dois anos com a DSTI no limite e agora quer transferir o contrato para ter melhores condições não consegue, dado que não tem taxa de esforço para essa transferência“, revela Hugo Pinheiro.
A solução da taxa fixa
A dificuldade em transferir o crédito à habitação é também particularmente elevada para famílias que compraram casa nos últimos três a cinco anos, porque o montante em dívida é ainda muito elevado, que faz com que a subida das taxas de juro tenha gerado um incremento considerável sobre a taxa de esforço do agregado familiar.
Esta situação deixa estas famílias com pouca margem de conseguirem “saltar” para outro banco, porque os limites impostos ao DSTI condicionam fortemente a mudança. Nestes casos, a melhor solução (e talvez a única) passa por solicitar uma renegociação do crédito à habitação com o banco atual, numa tentativa de reduzir a despesa com o crédito.
Essa solução tanto pode passar por uma revisão do spread, como um alargamento da maturidade ou, muito relevante, a possibilidade de contratar os seguros de vida e multirriscos fora do banco.
Esta questão não se coloca com tanta veemência para famílias que tenham contratualizado o crédito à habitação há 10 anos, por exemplo, quando o spread médio dos contratos se situava nos 4,3%, segundo dados do Banco de Portugal.
Além de hoje, através de uma renegociação do crédito à habitação, conseguir, sem dificuldades, uma proposta com um spread bem mais competitivo, reduzindo assim consideravelmente a prestação da casa, uma família que em abril de 2012 tenha celebrado um crédito à habitação a 30 anos indexado à Euribor a 6 meses, conta atualmente com um capital em dívida, em média, 18% inferior ao montante do financiamento inicial.
Esta situação faz com que a taxa de esforço seja também menor, concedendo assim maior margem de manobra para uma renegociação ou transferência do crédito.
Apesar destas condições serem teoricamente mais vantajosas, não é certo que também estas famílias sejam capazes de transferir o seu crédito à habitação, porque terão sempre de respeitar as limitações impostas pelas recomendações macroprudenciais do Banco de Portugal.
Sobretudo se na transferência do crédito pressupor-se a celebração de num novo contrato à taxa variável ou taxa mista, em que essas balizas são mais restritivas, dada a imposição de a DSTI ter de ser calculada com base numa taxa de stress de 3 pontos percentuais face à taxa de juro contratualizada.
A única forma de contornar este “teste de stress” passa por a transferência do crédito à habitação assumir a celebração de um contrato de taxa fixa. Nesse caso, o cálculo do DSTI tem apenas em conta a taxa de juro contratualizada.
Por essa razão, muitos bancos estão também a promover a transferência dos créditos para esta modalidade. É disso exemplo a Caixa, que está a promover a transferência do crédito à habitação para uma solução de taxa fixa a 2 anos com uma taxa de juro de 3,85% durante este prazo para montante acima dos 50 mil euros.
No orçamento das famílias que pretendam transferir o crédito à habitação há ainda mais contas a fazer. Por exemplo, se estarão disponíveis para agora, depois de uma subida galopante e tão rápida das taxas Euribor, que as transportou de valores negativos para máximos de 2008 no espaço de apenas um ano, contratualizarem um crédito à habitação à taxa fixa.
Mais ainda numa altura em que, segundo o governador do Banco de Portugal, com base na “projeção dos mercados para as taxas Euribor”, apontar para que “no mês de fevereiro já teremos atingido o pico da Euribor a 12 meses” e as Euribor a 3 e 6 meses “atingirão os máximos nos meses de verão”, referiu Mário Centeno na Comissão de Orçamento e Finanças de 4 de abril.
Além da ponderação entre taxa variável ou taxa fixa, as famílias que consigam transferir o crédito à habitação devem avaliar bem a nova proposta no seu todo. Isto significa que é preciso ir para lá de uma comparação do spread. Mais ainda quando a oferta do “spread mínimo” pressupõe a subscrição de uma série de produtos, nomeadamente dos seguros.
Por essa razão, na hora de tomar uma decisão é importante olhar para a taxa anual de encargos efetiva global (TAEG), que mede o custo do empréstimo para o cliente, por ano, em percentagem do montante emprestado.
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