Desde a troika que Portugal não estava tanto tempo sem ir ao mercado
Tesouro vai no terceiro mês sem realizar emissões de obrigações. Certificados de Aforro substituíram mercado e ajudaram a reduzir risco para o nível da Bélgica. Analistas antecipam emissão sindicada.
Já lá vão mais de três meses sem Portugal ir aos mercados para se financiar. É preciso recuar a 2014, ainda durante o período da troika, para encontrar uma ausência tão prolongada dos mercados de dívida. As famílias substituíram os grandes investidores no financiamento do Estado, por via dos aclamados Certificados de Aforro. E até ajudaram a reduzir o risco. Com as necessidades de financiamento ainda por suprir, os analistas antecipam uma emissão sindicada.
A última vez que o IGCP testou o apetite do mercado foi no início de março, numa operação que permitiu um financiamento de 915 milhões de euros com títulos a 9 e 12 anos e pelos quais pagou taxas de juro acima dos 3,5%. Desde então, a agência que gere a dívida pública não mais lá voltou – sem contar com a operação de troca realizada em maio. Pelo meio, cancelou mesmo leilões de Bilhetes do Tesouro.
Só no período do resgate financeiro internacional é que Portugal esteve mais tempo sem ir aos mercados, mas nessa altura por razões bem diferentes, relacionadas com a desconfiança dos investidores internacionais em relação à capacidade do país de honrar os seus compromissos. Um problema que chegou mesmo a afetar outras economias, como a Grécia, Irlanda e Espanha — e colocou em causa a própria Zona Euro.
Agora, o cenário é diferente. O que se passou? Basicamente, a corrida das famílias aos Certificados de Aforro permitiu ao Tesouro evitar os mercados numa altura particularmente sensível, em que os juros estão a disparar devido ao aperto das condições financeiras promovidas pelo Banco Central Europeu (BCE).
Portugal chegou a abril com dois terços das necessidades de financiamento de 24 mil milhões de euros já devidamente cobertas, sobretudo com obrigações e medium term notes (na ordem dos 7,7 mil milhões) e certificados (8,5 mil milhões).
Famílias ajudam a conter pressão dos mercados
É certo que o primeiro semestre costuma ser geralmente mais ativo, dado o período de menor atividade na segunda metade do ano devido às férias de verão (agosto) e ao final do ano (dezembro). Mas os certificados deram uma ajuda preciosa na tarefa de Miguel Martin, o gestor da dívida pública, permitindo mesmo que o risco de Portugal recuasse para o mesmo nível da Bélgica: as obrigações a 10 anos dos dois países chegaram a ter um mesmo diferencial de 65 pontos base face à Alemanha.
Na apresentação aos investidores de junho, o IGCP deixou a pergunta: o desempenho melhor do que os pares nos spreads da dívida deveu-se à baixa liquidez ou à melhoria do quadro macro e orçamental? “É um fenómeno muito parecido com aquele que vimos em Itália, portanto não me surpreende”, observou Lyn Graham-Taylor, analista do Rabobank.
“Acreditamos que o retalho tem sido responsável pelo forte desempenho das obrigações italianas desde outubro. Vemos o apoio doméstico a continuar a isolar Itália dos receios com os fundamentais e o aperto da política do BCE no curto prazo pelo menos, o que significa que os prémios de risco não deverão alargar-se. Isto inclui Portugal também, claro”, acrescentou o seu colega Richard McGuire.
Ainda este mês o Tesouro italiano teve uma nova prova da fidelização das famílias italianas através da poupança pública: levantou mais de 18 mil milhões de euros através de obrigações dirigidas para o retalho com uma taxa de juro que vai além dos 4%.
Filipe Silva concorda com os analistas do Rabobank. “A subscrição de Certificados de Aforro diminuiu as necessidades de financiamento por outras vias”, nota. Ainda assim, o diretor do Banco Carregosa lembrou que é fundamental diversificar as fontes e os prazos. “O Estado português não pode ficar refém de apenas uma fonte de financiamento, sobretudo de curto prazo. Itália tem uma tradição de financiamento via povo italiano e paga taxas de juro bastante atrativas”, sublinhou.
O IGCP admite que a falta de emissões de obrigações este ano – que tem sido compensada com o recurso às famílias – está a afetar a liquidez do mercado secundário português: os níveis de negociação caíram para mínimos de mais de oito anos.
Quanto à melhoria da situação económica do país, o Boletim de junho do Banco de Portugal aponta para um crescimento de 2,7% este ano, três vezes mais do que a média da Zona Euro, enquanto o Governo deverá registar um equilíbrio nas contas públicas este ano e nos próximos.
Risco em queda acentuada
Vem aí nova emissão sindicada?
De acordo com o plano do IGCP, ainda estão por executar 8,6 mil milhões até final do ano, um montante ainda considerável e que provavelmente não será preenchida pelos Certificados de Aforro. Sobretudo depois da decisão do Governo de cortar a taxa de remuneração deste produto e quando os bancos começam a disputar as poupanças das famílias com juros dos depósitos mais atrativos.
Por outro lado, em outubro vence-se uma importante linha de obrigações que foram emitidas em 2008 (15 anos) e o Tesouro terá de devolver aos investidores quase 9,4 mil milhões de uma assentada.
Para Filipe Silva, “dificilmente antes do verão” Portugal regressará aos mercados. Se voltar em setembro, serão cinco meses de ausência. Mas, em virtude do reembolso de outubro, “sendo um montante elevado, provavelmente o Estado português recorrerá ao mercado ou a uma operação sindicada para amortizar e rolar parte dessa dívida”, apontou.
“Com um volume ainda significativo de necessidades por preencher, isso faz-me pensar que outra operação sindicada poderá surgir em breve”, disse Lyn Graham-Taylor.
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