Os trunfos e as fragilidades de Costa para o debate do Estado da Nação
No arsenal da oposição vai estar a sucessão de casos no Governo e as crises na educação ou saúde. António Costa tem o crescimento da economia e as contas certas para ripostar.
O Governo chega ao segundo debate do Estado da Nação da maioria absoluta com a economia em alta, mas a popularidade em baixa. Se o terceiro maior crescimento do PIB da União Europeia no primeiro trimestre é um trunfo, a crise provocada pela sucessão de baixas no elenco governativo é uma fragilidade. A lista não fica por aqui.
“Desde que há este tipo de debate nunca vi um Governo perder”, afirma José Adelino Maltez, professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). “Nem nunca vi a oposição estar estrategicamente organizada para atacar o Governo”, acrescenta.
O debate que marca o encerramento da sessão legislativa antes de os deputados irem de férias não deixa de ser um momento alto do ano político, mesmo com boa parte do país já a banhos. À oposição não faltam temas para dardejar António Costa.
As fragilidades do Governo, da instabilidade governativa aos serviços públicos
A demissão este mês do secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, acusado de corrupção pelo Ministério Público, foi a 13ª baixa no Governo em apenas 16 meses, com o Executivo a ser criticado por não garantir a estabilidade apesar da maioria absoluta.
“O Governo continua com fragilidades na sequência das crises da governação e do caso TAP”, aponta António Costa Pinto, professor jubilado e investigador de ciência política da Universidade de Lisboa. No dia seguinte, a atual ministra da defesa, Helena Carreira, e o seu antecessor, João Gomes Cravinho vão ser ouvidos no Parlamento e “não deixarão de estar presentes neste debate”, antecipa o politólogo. O ministro das Infraestruturas, João Galamba, será também um alvo a abater.
As crises de governação e no elenco ministerial tiveram um impacto significativo na sociedade portuguesa.
“As crises de governação e no elenco ministerial tiveram um impacto significativo na sociedade portuguesa”, assinala António Costa Pinto, referindo que a governação e o Governo foram apontados como o principal problema do país pela maior fatia (16%) dos inquiridos numa sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica para o Público, RTP e Antena 1. À frente da inflação (15%) e da corrupção (12%). O professor da Universidade de Lisboa deixa um conselho ao primeiro-ministro: “Talvez lhe conviesse usar da modéstia na resposta a estes temas”.
“As pulsões autoritárias da maioria absoluta, que do Bloco de Esquerda ao Chega unem a oposição”, vão também constar do guião, acredita António Costa Pinto, lembrando que o tema foi assinalado nas audiências dos partidos com o Presidente da República.
“O PS está a utilizar a maioria absoluta como poder absoluto, basta ver as opções que tem tomado”, afirmou o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, à saída da reunião. Na mesma linha, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, criticou a “deriva autoritária” do Governo, dando como exemplo a aprovação isolada do relatório da comissão parlamentar à TAP pelo PS. O PSD também tem insistido nas críticas ao “rolo compressor da maioria”.
“A minha dúvida é se não haverá uma maior insistência neste tipo de temas que apontam para a governabilidade e as fragilidades da governação e não tanto nos económicos e sociais, como a situação dos médicos, dos professores e dos salários”, afirma António Costa Pinto.
O PSD, a Iniciativa Liberal o Chega, porque se encontram numa conjuntura nova de tensão entre partidos, têm assumido muito mais o papel de protesto do que de alternativa.
“Uma dimensão que não sendo uma novidade representa uma mudança é o discurso da oposição de direita. O PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega, porque se encontram numa conjuntura nova de tensão entre partidos, têm assumido muito mais o papel de protesto do que de alternativa”, por vezes com um “cheiro populista”, acrescenta, dando como exemplo a reação à indemnização a Alexandra Reis.
A insatisfação com os serviços públicos também deixa o Governo vulnerável a ataques. Vera Gouveia Barros, economista do Instituto Superior de Economia e Gestão, lembra a greve dos professores e aponta que a escola pública “não é aquele elevador social que devia ser”. “Temos de perceber quais as boas práticas e ter um corpo docente motivado e reconhecido e ter a capacidade de captar os melhores para a profissão”, acrescenta.
A execução do PRR é outra fragilidade. Foram avançados números para a promoção de habitação pública que estão longe de estarem cumpridos.
António Nogueira Leite, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, destaca o mau estado do Serviço Nacional de Saúde. “Hoje em dia temos um sistema em desagregação e cada vez mais para os mais pobres, embora haja grande qualidade no sistema”, afirma.
“A execução do PRR é outra fragilidade. Foram avançados números para a promoção de habitação pública que estão longe de estarem cumpridos”, refere Vera Gouveia Barros. “O problema da habitação começou a ser estrutural. Do lado da oferta não é o PRR que o vai resolver”, considera o professor catedrático da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, apontando ainda que “há um problema de confiança no setor”. “Precisamos que se olhe para a oferta numa altura em que por razões regulatórias a banca não vai permitir que se volte à produção que existia”, defende.
José Adelino Maltez considera que com a polémica em redor das buscas à sede do PSD e à casa de Rui Rio a atuação do Ministério Público “pode ser um tema forte, mas que não vai ter consequências”. O politólogo afirma que, face ao resto da Europa, só em Portugal o Ministério Público tem tanta autonomia e que “falta coragem” para impor outro modelo. Segundo o Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa, recomendou a Luís Montenegro que não alinhasse com o PS no ataque ao Ministério Público.
Os trunfos do primeiro-ministro
O primeiro-ministro e o ministro das Finanças têm sublinhado de forma incansável o bom momento da economia (a terceira da União Europeia que mais cresceu no primeiro trimestre) e vão voltar a fazê-lo no debate do Estado da Nação.
“A economia nesta fase é um trunfo, porque o desempenho está acima das expectativas há uns meses e a mão de ferro do Ministério das Finanças nas questões orçamentais permite que não haja preocupação nessa frente”, assinala António Nogueira Leite. Por outro lado, a inflação, que também preocupa os portugueses, “depende sobretudo da política monetária” do BCE, aponta. E é esta que está a ditar o aumento dos encargos com o crédito à habitação.
A economia nesta fase é um trunfo, porque o desempenho está acima das expectativas há uns meses e a mão de ferro do Ministério das Finanças nas questões orçamentais permite que não haja preocupação nessa frente.
“A redução do défice e da dívida é o grande trunfo”, considera também Vera Gouveia de Barros, economista do Instituto Superior de Economia e Gestão”. “O que se passou depois de 2008 produziu lições duradouras”, acredita. Mas nem tudo é positivo. “De resto a política tem sido na base da redistribuição. Não vejo iniciativas de mudança estrutural da economia”, critica. “Nós já fazemos ampla redistribuição, mas é preciso um foco nas políticas de médio e longo prazo para a criação de riqueza”, concorda Pedro Brinca, investigador associado da Nova SBE.
Pedro Brinca lembra ainda que o cenário para a frente não é tão risonho: “Tudo o que é indicador avançado mostra que isto vai travar bastante”. “O brilharete está nos mercados de emprego estarem resilientes. Se a legislatura for até ao fim, a cartada da economia vai enfraquecer“.
António Costa Pinto lembra um outro trunfo ao dispor do chefe do Governo: “O primeiro-ministro usará da capacidade que lhe é reconhecida de resposta no Parlamento”. E, tal como no ano passado, deverá levar na manga uma novidade para anunciar.
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