As razões de Carlos Alexandre para a prisão domiciliária dos arguidos do caso Altice
O juiz Carlos Alexandre sublinha que Armando Pereira colocou Hernâni Antunes "no centro do coração dos negócios da Altice em múltiplas oportunidades, como o próprio Hernâni o reconhece".
Se Armando Pereira, cofundador da Altice e o seu braço direito, Hernâni Antunes, ficassem em liberdade, seria dificultada a obtenção de prova e a sua veracidade bem como a probabilidade dos arguidos mudarem as suas versões. Estes são os fundamentos principais escolhidos pelo juiz de instrução Carlos Alexandre ao ter aplicado a prisão domiciliária aos dois principais arguidos da chamada Operação Picoas.
Em causa estão suspeitas de “viciação do processo decisório do Grupo Altice, em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência”, que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva. O Estado terá também sido prejudicado com uma fraude fiscal “superior a 100 milhões de euros”.
No despacho – a que o ECO teve acesso – o magistrado sublinha que Armando Pereira colocou Hernâni Antunes “no centro do coração dos negócios da Altice em múltiplas oportunidades, como o próprio Hernâni o reconhece, sendo por isso evidentes os perigos, não só de se liberalizarem os contactos de todos estes senhores, entre si, como também de se lhes permitir uma liberdade ambulatória que lhes permita exatamente forjar explicações ou, no limite, eximirem-se à ação da justiça”.
Ou seja: os fundamentos de forte perturbação do inquérito a decorrer, bem como o perigo de fuga. Assim, os arguidos ficaram sujeitos, cumulativamente, às seguintes medidas de coação: Termo de Identidade e Residência (TIR), proibição de contactos entre si e com todos os cidadãos e empresas mencionados no despacho de indiciação (com exceção de Cristina Couto, Melissa Antunes e Vânia Couto, com relação a Armando Pereira) e ainda a Obrigação de Permanência na Habitação. Esta prisão domiciliária que será controlada por guardas da GNR, colocados à porta de sua casa.
O Ministério Público (MP) tinha pedido prisão preventiva para o arguido Hernâni Vaz Antunes. E em relação a Armando Pereira, Rosário Teixeira propôs ao juiz de instrução criminal Carlos Alexandre a aplicação de prisão domiciliária, que foi aplicada pelo juiz, podendo esta medida ser convertida ou substituída por uma caução de dez milhões de euros. Uma proposta que já não foi atendida por Carlos Alexandre.
As razões no caso de Armando Pereira
Diz então Carlos Alexandre que Armando Pereira “não é só um homem rico mas o certo é que para os padrões do homem comum, do homem médio, que se rege pelas regras da experiencia comum e da normalidade do acontecer, um homem que viaja em jato privado, tem casas em várias geografias, onde dispõe de contas bancárias e até um regime especial do ponto de vista fiscal”, se tiver que escolher, neste momento, aonde escolheria residir, “num qualquer paraíso aonde possa obviar à Interpol ou à Europol ou em Portugal?!”, questiona o juiz.
Além deste perigo de fuga, o arguido “tem capacidade para, servindo-se de todas as fidelidades que granjeou ao longo das últimas décadas na Altice, onde ao contrário do que dizem as fontes abertas, nas quais se refere que já não detém qualquer comparticipação social naquela multinacional, o próprio diz que tem 22% do capital societário, pode com facilidade conformar explicações e continuar a sua atividade de facilitação”.
Sublinhando que o perigo de perturbação do inquérito é “elevado”, já que só em “fase adiantada do interrogatório é que o arguido foi reconhecendo saber que as empresas que lhe foram sendo elencadas eram do arguido Vaz Antunes”.
Acresce ainda que, embora o cofundador da Altice não ocupe formalmente qualquer cargo no Grupo “tem enorme capacidade de determinação das diversas administrações das empresas que constituem o Grupo mesmo face às movimentações em curso na Administração da Altice e em resultado da lealdade dos que foram por si designados”.
Essa capacidade de determinação e influência no seio da Altice constitui um “claro perigo de perturbação do inquérito, uma vez que se indicia que o arguido poderá determinar a destruição de documentos que ainda não tenham sido apreendidos e condicionar os seus colaboradores nas declarações ainda a prestar no âmbito do inquérito”.
Carlos Alexandre – no seguimento do que foi apresentado pelo Ministério Público (MP) – diz que o perigo de continuação da atividade criminosa, “embora exista”, parece agora “estar mais mitigado em face das movimentações efetuadas dentro do Grupo Altice, com o afastamento de muitos dos intervenientes em investigação e com a apertada vigilância que a contratação passará a ter, nomeadamente, por parte do sócio maioritário, Patrick Draghi.
Por isso, “entendemos que não é, neste momento, suficiente a aplicação de uma medida de coação não privativa da liberdade, ainda que não executada em ambiente prisional, mas sim na habitação do arguido em território nacional”.
E no que toca a Hernâni Antunes, o principal arguido?
Neste caso, o magistrado relembra que este foi o arguido que “não se apresentou nem deu notícia de onde se encontrava, até à noite de 14 de julho, altura em que o seu advogado contactou as autoridades e o arguido veio a apresentar-se e a ser detido e conduzido a Lisboa”, escreve Carlos Alexandre. Que não deixa de elogiar ou referir os argumentos do advogado Rui Patrício, sócio da Morais Leitão, que tem razão quando “diz que o papel de Hernâni e a correspondência com a atuação de Armando não são muito diferentes”, como também, aos olhos do juiz de instrução criminal, não são diferentes os perigos apontados pelo MP e que o juiz reconhece.
Tem ainda “razão o advogado de Hernâni Antunes quando diz que Hernâni colaborou e até estranhou a distanciação que Armando Pereira quis fazer de si quando para tudo o que necessitou, seja a disponibilização de casas, de cozinheiros, de cartões para uso de senhoras das relações de Armando Pereira, ou, ainda, para forjar faturas, a beneficio do genro de Armando Pereira ou do pai deste, a tudo se predispôs, até para comprar um carro para uma das senhoras, por forma a que Armando Pereira nunca se expusesse. Interroga-se o JIC se isto não é fidúcia o que é?!“, questiona, retoricamente.
Carlos Alexandre reforça ainda a colaboração do braço direito de Armando Pereira ao longo de quase três dias, “esclarecendo a sua participação pela forma que entendeu ser a mais adequada também aos seus interesses, mas o facto é que, em alguns casos de que foi feliz exemplo a repartição dos ganhos da comissão pelos direitos televisivos, o arguido foi além do que a indiciação permitia inferir”.
Porém, isso não impede que, também quanto a ele, “ocorram possibilidades de se ausentar do território nacional agora que é conhecedor dos factos e das dosimetrias penais que lhe correspondem, e bem assim, a esta data não podemos corroborar se é ou não ontologicamente impossível continuar a atividade qualquer que ela seja. O senhor Hernani Antunes é uma pessoa com uma facilidade de estabelecer contactos e granjear simpatias a todos os títulos notável, como se alcança da prova indiciária recolhida e do teor sonoro do seu interrogatório”.
É por isso que Carlos Alexandre considerou “adequada, proporcional e suficiente” para garantir os perigos invocados pelo MP, da prisão domiciliária aplicada a ambos os arguidos.
Por fim, quanto ao arguido Vaz Antunes, o tribunal entende “que o perigo de perturbação do inquérito é muito elevado e foi mesmo já consumado”. Na verdade, “o arguido terá sido alertado para o risco de vir a ser buscado e encarregou algumas das pessoas próximas, desde logo o arguido Gil Loureiro, de eliminar e ocultar elementos de prova que lhe pudessem ser desfavoráveis, continuando mesmo a verificar-se a ausência dos locais de residência relativamente a alguns dos seus colaboradores”.
Por outro lado, é “notória a capacidade de o arguido condicionar a determinação dos seus colaboradores, uma vez que vivem na sua dependência económica, o que poderá inviabilizar o sucesso de qualquer futura diligência de inquérito a efetuar, podendo, inclusive, com os meios financeiros que tem ao seu dispor tentar colocar esses mesmos colaboradores fora de Portugal, ou pura e simplesmente, entregar significativas como contrapartida do seu silêncio e ausência”.
É certo que o arguido “confessou grande parte dos factos que lhe vinham imputados e identificou beneficiários de muitos dos pagamentos indevidos que realizou para ganhar mercados e contratos. No entanto, como já acima referido, verifica-se uma dualidade de comportamentos, uma vez que ao mesmo tempo que confessa pagamentos indevidos a favor de Benchtrit e de Boubazine, se constata que lhes terá permitido a fuga, dado se evidenciar que estes dois últimos se encontravam em Portugal, juntos com o HERNÂNI, na data em que se iniciaram as diligências de busca. Por sua vez, o perigo de continuação da atividade criminosa é evidente e resulta, desde logo, das próprias declarações do arguido”.
Qualquer medida não privativa da liberdade, “como a obrigação de apresentação periódica e simples proibição de contactos, são, nesta fase, completamente desadequadas, já que não permitem fazer face ao perigo de continuação da atividade criminosa, ao perigo de perturbação do decurso do inquérito e ao perigo de fuga”.
Os restantes arguidos na Operação Picoas
À arguida Jéssica Antunes, filha de Hernâni Vaz Antunes, foi-lhe aplicada a obrigação de apresentações bissemanais na esquadra da PSP próxima da sua residência, proibição de se ausentar de Portugal, com apreensão de passaporte, proibição de contactos com os arguidos Armando Pereira, Ricardo Sobral, Duarte Loureiro e Gil Loureiro e com todos os colaboradores de todas empresas do seu pai e do Grupo Altice (incluindo os que foram, entretanto suspensos), proibição da prática de atos de administração, incluindo de movimentação de contas em bancos dos Emirados Árabes Unidos e ainda a prestação de caução de 500 mil euros.
O arguido Gil Loureiro fica sujeito, cumulativamente a obrigação de apresentações bissemanais na esquadra da PSP, proibição de se ausentar, com entrega do seu passaporte, proibição de contactos com os arguidos Armando Pereira, Ricardo Sobral e Jéssica Antunes e, bem assim, com todos os colaboradores de todas empresas do arguido Hernâni Antunes, proibição de atos de administração, incluindo de movimentação de contas na República Dominicana e uma caução de 250 mil euros.
Carlos Alexandre decidiu ainda que seja comunicado ao SEF e à entidade gestora do helicóptero, que o arguido Armando Pereira tem à sua disposição em Guilhofrei, para apreender este “para local próprio”.
Em causa estão suspeitas de “viciação do processo decisório do Grupo Altice, em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência”, que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva. O Estado terá também sido prejudicado com uma fraude fiscal “superior a 100 milhões de euros”.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público (MP), em colaboração com a Autoridade Tributária (AT), lançou no dia 13 de julho uma operação com cerca de 90 buscas domiciliárias e não domiciliárias.
Seis crimes de corrupção ativa agravada no setor privado, com referência a colaboradores da Altice (como Luís Alvarinho, Alexandre Fonseca), um crime de corrupção passiva no setor privado, com referência a decisões da Altice, quatro crimes de branqueamento de capitais e ainda crimes de falsificação de documentos, ainda não contabilizados na totalidade. Estes são os crimes imputados a Armando Pereira, cofundador da Altice.
Já Hernâni Vaz Antunes, braço direito de Pereira, terá contra si sete crimes de corrupção ativa agravada no setor privado (com referência a Armando Pereira e Alexandre Fonseca), oito crimes de fraude fiscal, seis crimes de branqueamento de capitais e ainda falsificação de documentos e falsas declarações, ainda não totalmente contabilizados. No total são mais de 35 crimes que o MP suspeita na chamada ‘Operação Picoas’.
Em causa estão ainda indícios de “aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira” através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas, a que se soma a suspeita da utilização de sociedades offshore, indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.
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