“A crise está a atingir-nos em cheio”. Têxtil já admite quebra nas exportações em 2023
Consumo a cair e retalhistas com “armazéns cheios” geram cenário “muito preocupante”. Indústria já dá como certo um recuo nas vendas ao exterior no final deste ano, depois do recorde “amargo” de 2022.
Depois de nove anos consecutivos a crescer até 2018, as exportações da indústria portuguesa do têxtil e do vestuário encolheram 1% em 2019 e voltaram a recuar 11% em 2020, no primeiro ano da pandemia.
Seguiram-se progressões robustas nos últimos dois anos, que valeram um novo máximo histórico ao setor em 2022, embora já “com sabor amargo” por ter assentado, “em grande medida”, no aumento dos custos de produção. E se a contração no último trimestre do ano passado já enviava sinais de alarme para as fábricas portuguesas, a pouco mais de quatro meses do final do ano os empresários já dão como certo um recuo nas vendas ao exterior.
“Muito provavelmente vamos terminar este ano com um decréscimo do valor das exportações, comparativamente com o ano passado. A expectativa no início deste ano era que o valor fosse positivo, mas a crise está a atingir-nos em cheio”, desabafa ao ECO o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), reconhecendo uma “situação muito preocupante” para o setor.
Além da diminuição do consumo por via da subida da inflação e das taxas de juros, Mário Jorge Machado explica a travagem na procura com o facto de os retalhistas terem “comprado alguma coisa em excesso” durante o ano passado e ainda estarem a tentar “esvaziar os armazéns cheios”.
Até junho, e apesar da ligeira recuperação nesse mês com a ajuda dos clientes franceses e alemães, as exportações deste setor industrial acumulam uma perda de 3% em valor e de 10% em volume, face ao mesmo período do ano anterior. “A energia e as matérias-primas estão mais baratas e a indústria está também a deflacionar a venda dos produtos. Está a haver uma correção nos preços, o que contribui também para que a faturação no final deste ano seja menor”, salienta o líder da ATP. Mário Jorge Machado reclama que “a única variável em que isso não está a acontecer é nos salários — a componente salarial não baixou nem vai baixar”.
“No ano passado havia encomendas, mas a situação era difícil pelos preços da energia e das matérias-primas e não se conseguia pôr tudo no preço. Este ano, a energia e as matérias-primas baixaram e já não há encomendas”, descreve Mário Jorge Machado. Ainda assim, contabiliza que, a nível global e até maio, havia outros países produtores com quebras superiores, dando o exemplo do Paquistão (-25%) e do Bangladesh (-15%), atribuindo esse diferencial face à concorrência asiática, em particular, ao “tipo de produto que Portugal está a conseguir fazer em termos de inovação e de sustentabilidade”.
No ano passado havia encomendas, mas a situação era difícil por causa dos preços da energia e das matérias-primas e não se conseguia pôr tudo no preço. Este ano, a energia e as matérias-primas baixaram e já não há encomendas.
O responsável da ATP refere também que “esta transição para produtos com uma componente mais sustentável e circular está a fazer a diferença, senão a queda ainda tinha sido mais significativa. É um mercado cada vez mais importante. É verdade que esta quota de mercado ainda é mais pequena, representa cerca de 20% dos consumidores, mas está a crescer.” Mário Jorge Machado salienta ainda que, “há uns anos, era praticamente inexistente, rondava 4% ou 5% do mercado. Portugal está muito bem posicionado, pois as marcas procuram produtores com capacidade para lhes abastecer com estes artigos”, sustenta o líder dos empresários têxteis.
Apesar de Espanha ser ainda um dos “porta-aviões” para o têxtil e vestuário português, mantendo o estatuto de principal mercado das exportações nacionais, os clientes do país vizinho continuam a encolher as compras. Em junho, o último mês para o qual o Instituto Nacional de Estatística disponibiliza estatísticas, voltou a encomendar menos 3,3 milhões de euros (-3%) e a cortar 21% nas quantidades. Só os EUA tiveram uma quebra maior em termos de valor: 5,7 milhões a menos, 14% abaixo do registo homólogo.
Mário Jorge Machado contextualiza que as grandes marcas espanholas têm vindo a perder peso, como as detidas pelo grupo galego Inditex ( Zara, Pull&Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho, Zara Home e Uterqüe), em detrimento de outras de gama média e “maior qualidade”. “Se não estivéssemos a conquistar mercado noutros clientes em Espanha, aí a diminuição [das exportações] tinha sido maior”, sublinha.
“Portugal começa a ter pouco peso nas marcas espanholas de mass market. Porquê? Por causa do preço. O custo da mão-de-obra em Portugal sobe e, neste [segmento] o preço tem um peso muito relevante. Portugal trabalha cada vez mais com marcas de maior valor acrescentado e perde competitividade para as marcas de mass market”, conclui o presidente da associação empresarial que tem sede em Vila Nova de Famalicão.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“A crise está a atingir-nos em cheio”. Têxtil já admite quebra nas exportações em 2023
{{ noCommentsLabel }}