ANA arrisca perder novo aeroporto de Lisboa se discordar da decisão
Caso o Governo opte por esta localização e a concessionária não concordar, o Estado fica livre para lançar um concurso público e selecionar outro operador. A gestora terá de ser indemnizada.
Caso o Governo decida localizar o novo aeroporto da região de Lisboa em Alcochete e a ANA não concordar, a gestora dos aeroportos do País arrisca perder a concessão da nova infraestrutura, porque o Estado fica livre para contratualizar com outro operador, revelou esta terça-feira Raquel Carvalho, que integra a Comissão Técnica Independente (CTI) que apresentou o relatório preliminar sobre a expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa. Neste caso, a concessionária terá direito a uma indemnização.
“Alcochete está dentro do território da concessão da ANA. Era bom que a ANA se entendesse com o concedente, caso contrário o Estado é livre de lançar concurso público internacional e escolher outro operador”, esclareceu a professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, depois de questionada pelo ECO sobre o que aconteceria se a ANA rejeitasse a solução Alcochete.
É conhecida a preferência da ANA pela localização no Montijo, até por ser mais barata e de mais fácil execução. Mas a CTI concluiu que a construção de uma infraestrutura naquele concelho, ainda que menos dispendiosa, na ordem dos quatro mil milhões contra os mais de oito mil milhões que custará Alcochete, seria apenas uma solução de curto prazo sem perspetivas de futuro. Ou seja, daqui por uns anos, o País voltaria a estar a braços com um aeroporto sobrelotado.
Entretanto, a concessionária, detida pelo grupo francês Vinci, já mostrou “a sua preocupação pela ausência de uma solução de curto prazo, perante as atuais necessidades do País”, segundo fonte oficial da empresa em declarações ao Negócios. “A comissão assumiu uma orientação, dando uma resposta a uma visão idealista de longo prazo, sem conseguir responder às problemáticas reais e pragmáticas do curto e médio prazo fundamentais para o País”, sublinhou.
A ANA revelou ainda que “foi ouvida durante o processo, mas não, lamentavelmente, na qualidade de especialista do setor”. Ainda assim, garante que “fica à disposição do Estado português para partilhar o seu conhecimento das problemáticas complexas deste setor e implementar a solução que será objeto da sua decisão”.
Face à solução Alcochete, a ANA pode sempre apresentar uma localização alternativa, “quando a concessionária ‘considere que as especificações mínimas para o novo aeroporto de Lisboa não são, à data, a solução mais eficiente para o desenvolvimento da capacidade aeroportuária para a área de Lisboa'”, de acordo com um parecer jurídico, coordenado por Raquel Carvalho, anexo ao relatório preliminar da CTI.
Contudo, a opção apresentada pela ANA tem de garantir que não há um novo risco de congestionamento na Portela no espaço de 10 anos, a contar da data da conclusão do novo aeroporto (complementar ou principal), “o que parece difícil, senão mesmo impossível”, de acordo com o mesmo documento.
Neste cenário, o Estado pode pedir à ANA uma modificação da alternativa apresentada. “Tal implica a consensualização da modificação contratual e o eventual direito da concessionária à reposição do equilíbrio financeiro do contrato”, lê-se no parecer jurídico. Ou seja, o Governo pode solicitar à gestora que mude a alternativa para Alcochete, mas terá de compensar financeiramente a operadora pelos custos acrescidos que tal solução poderá implicar.
Caso não haja acordo, “a concessionária deixa de beneficiar da opção (right of first option) de desenvolver o novo aeroporto de Lisboa, nos termos do contrato de concessão”, segundo o parecer. A partir de então, o Estado pode “celebrar, a qualquer momento, acordos para aumentar a capacidade aeroportuária na zona de Lisboa com um terceiro”, conclui.
A partir daqui, o Estado pode então resolver o contrato de concessão, com efeitos que, salvo decisão sua em contrário, apenas deverão produzir-se antes “do início das atividades das linhas aéreas comerciais” em Alcochete e “do encerramento das atividades das linhas aéreas comerciais no Aeroporto da Portela” ou “do momento a partir do qual uma nova entidade concessionária, escolhida pelo Estado, inicie a exploração da concessão”, de acordo o mesmo parecer jurídico. “Neste cenário, ainda, a concessionária terá direito a uma indemnização”, conclui a análise coordenada por Raquel Carvalho.
Estado impedido de financiar nova infraestrutura em solução dual
O relatório da CTI conclui que a melhor solução para a expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa é começar com uma estratégia dual Humberto Delgado + Campo de Tiro de Alcochete. Mas, no longo prazo, o objetivo é que aquele concelho passe a acolher o novo hub intercontinental, substituindo integralmente a Portela.
Uma estratégia deste calibre implica um investimento de mais de oito mil milhões de euros. E se o Estado injetasse dinheiro público para conseguir avançar com a obra? Bruxelas só autoriza numa situação de desmantelamento do Humberto Delgado e relocalização do aeroporto em Alcochete. Ou seja, a solução inicial dual não pode ser financiada pelo Estado.
“Qualquer financiamento público do funcionamento do aeroporto Humberto Delgado ou do novo aeroporto de Lisboa, que se enquadre nos requisitos de auxílio de Estado, será provavelmente considerado incompatível com o mercado interno, já que, para ser elegível para um auxílio ao funcionamento, o tráfego anual do aeroporto não deve exceder os três milhões de passageiros, e porque os auxílios ao funcionamento de aeroportos apenas são autorizados por um período transitório que, previsivelmente, se esgotará em 2027″, segundo um parecer jurídico assinado pelo professor Manuel Fontaine Campos, anexo ao relatório da CTI. De salientar que, em 2022, passaram pelo aeroporto Humberto Delgado mais de 28 milhões de passageiros.
“De facto, a Comissão Europeia assume que não são necessários auxílios ao investimento para aeroportos com um tráfego anual superior a cinco milhões de passageiros e não prevê sequer intensidades de auxílio para aeroportos com esse tráfego. No entanto, abre a possibilidade excecional de concessão de auxílios, cumpridos um conjunto de requisitos muito exigentes, que se julga difícil serem respeitados no caso do aeroporto Humberto Delgado”, de acordo com o mesmo documento.
Ou seja, o Estado não pode suportar os encargos com o novo aeroporto, numa solução dual, mas pode compensar financeiramente a operadora, como já foi escrito em cima, para “reposição do equilíbrio financeiro do contrato”.
Por outro lado, o Estado poderá injetar dinheiro público, no momento em que o aeroporto em Alcochete substituta integralmente o Humberto Delgado e este venha a ser desmantelado. De salientar que os custos com a destruição do aeroporto de Lisboa, na ordem dos 300 milhões de euros, terão de ser suportados pelo erário público.
“A Comissão Europeia assume a necessidade de um auxílio estatal em caso de relocalização de um aeroporto existente e a proporcionalidade da cobertura do défice de financiamento calculado”, indica o professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica.
“Sendo plausível o cumprimento dos restantes requisitos, desde a contribuição para a realização de um objetivo de interesse comum, como aumentar a mobilidade dos cidadãos da União Europeia (UE) ou combater o congestionamento do tráfego aéreo nos principais aeroportos da UE, passando pela adequação e pela produção de um efeito de incentivo, até à prevenção de efeitos negativos sobre a concorrência e as trocas comerciais, o cumprimento cumulativo desses requisitos conduzirá a um juízo positivo de compatibilidade pela Comissão Europeia”, conclui o documento.
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