António Ramalho: “Vamos ter de resolver o problema da taxa de esforço com o BCE”
António Ramalho, antigo CEO do novobanco reconhece que existe “um problema de acesso” dos jovens ao crédito à habitação e pede revisão dos limites da taxa de esforço.
Portugal é sucessivamente empurrado para o grupo dos países com piores índices de literacia financeira, ocupando o segundo lugar na União Europeia (UE), segundo o grupo de reflexão Bruegel, nos conhecimentos sobre finanças e impostos. Contribuir para a inversão desta realidade é um dos grandes objetivos da Simplefy, que organizou, na terça-feira, dia 2, a conferência “O Poder dos Intermediários de Crédito na Literacia Financeira dos Jovens”. Atualmente, considera o antigo CEO do novobanco, António Ramalho, existe “um problema de acesso” ao crédito à habitação que não pode ser resolvido apenas com a intervenção do Governo.
“Este Governo endereçou o problema com a redução do IRS e com a garantia estadual, mas ainda não resolveu um problema mais grave, que é o da taxa de esforço”, apontou. Em causa está a limitação que dificulta a concessão de crédito, um desafio que será preciso “resolver com o BCE”. Carlos Vintém, diretor comercial da UCI, considera “positivas” as medidas tomadas pelo atual executivo, mas sublinha a importância de fazer subir os rendimentos dos mais jovens e sugere ainda a recuperação do crédito bonificado. “É algo que deve ser ponderado associado a outras medidas complementares. Um juro bonificado que esteja associado ao número de filhos, por exemplo”, complementa João Prudêncio, diretor de desenvolvimento de produtos do Bankinter.
Sandra Ramos Dias, diretora de parcerias do novobanco, lembra ainda a importância de o Estado aumentar a oferta de habitação pública e em regime de cooperativa, mas também “a flexibilização de produtos”. “O crédito à habitação precisa de uma volta de uma ponta à outra porque já não está alinhado com o que os jovens precisam: simplificação. Não podemos ter um processo de crédito à habitação que parece dos anos 90”, acrescenta.
Novo papel para os intermediários de crédito
Criada há apenas ano e meio, a Simplefy conta já com cerca de 170 intermediários de crédito associados a uma rede que “está empenhada em alavancar o negócio dos seus parceiros”, bem como contribuir “para uma maior literacia financeira na sociedade” e, em particular, entre os mais jovens. “Num mundo onde as decisões financeiras se tornaram mais complexas e frequentes, compreender conceitos básicos como orçamento, poupança, investimento ou gestão da dívida é fundamental para garantir uma saúde financeira sólida”, acredita Rui Lopes, CEO da Simplefy. Precisamente por estes motivos, a Simplefy realizou esta conferência com o objetivo de identificar os desafios que os jovens enfrentam e analisar soluções de crédito para este público, bem como explorar de que forma a transformação digital pode ser utilizada na promoção da literacia financeira. O evento pretendeu ainda assinalar, de forma simbólica, o Dia do Intermediário de Crédito, já que foi a 7 de julho de 2017 que foram estabelecidos os requisitos de acesso e de exercício da atividade de intermediação de crédito.
E há muito espaço para melhoria em Portugal, como assinala o professor e presidente do ISEG, João Duque. “Quando olhamos para a população jovem, percebemos claramente que há um défice de conhecimento na área financeira”, apontou o docente, citando os resultados do último inquérito sobre literacia financeira do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF). “Os jovens são aqueles que mais delegam escolhas financeiras a terceiros porque não se sentem capacitados”, acrescenta.
Vinay Pranjivan, especialista da DECO na área dos serviços financeiros, afirma que “os intermediários de crédito estão na primeira linha na relação com o consumidor”, fazendo destes profissionais “mais habilitados” para apoiar não apenas o processo de contratação de crédito, mas também o aconselhamento financeiro. Porém, realça a importância de garantir “formação adequada” e assegurar que “as políticas de remuneração desses colaboradores não dependam da venda de produtos” para evitar “conflito de interesses”.
Tiago Vilaça, presidente da ANICA – Associação Nacional de Intermediários de Crédito Autorizados, concorda com o aumento de formação e até com a implementação de “formação obrigatória”, uma questão que tem sido discutida com o Banco de Portugal. “Temos a obrigação de fazer este trabalho enquanto especialistas”, afirma. A profissão, diz Manuel Ferreira, fundador da Crédit Taux Service, não tem dúvidas sobre o “papel extremamente importante” da profissão que, garante, “está a seduzir cada vez mais jovens com diplomas de economia”.
Mais perto dos jovens
Para lá da aceleração e simplificação de processos, a transformação digital nos serviços financeiros gera novas oportunidades para a captação de negócio e para a educação sobre estes temas. “Lançámos no ano passado um piloto chamado Escola das Finanças e começámos com módulos de 90 minutos. Vamos chegar ao final do ano com 25 mil pessoas formadas”, partilhou Miguel Gonçalves, CEO na Magma Studio, que aponta as redes sociais como “oportunidade” para os intermediários de crédito chegarem às camadas mais jovens da população.
Nuno Espírito Santo, fundador da Finsolutia, vê a “tecnologia como um enabler” e uma forma de aumentar a competitividade dos bancos e outras instituições financeiras. “A digitalização, ao permitir um processo mais rápido e mais barato, é uma vantagem competitiva enorme”, insiste. O Banco CTT tem sido um dos clientes da empresa e vê “a inteligência artificial [IA] como forma de dar mais qualidade ao atendimento”, reduzindo os erros no atendimento. Contudo, salvaguarda o administrador e Chief Commercial Officer João Mello Franco, as pessoas não serão substituídas tão cedo. “A IA é mais uma ferramenta que ajuda os nossos comerciais”, diz.
Poupar desde cedo
No encerramento do evento, Pedro Santa Clara, professor catedrático na NOVA SBE e fundador da Escola 42, reconheceu a importância de aprender mais sobre finanças, mas quis descomplicar. “Investir, ao contrário do que se diz, não é nada complicado. Não temos de saber tudo sobre mercados financeiros para começar”, apontou, sugerindo que os mais jovens comecem a poupar e a investir desde cedo. Há, porém, uma área que pode ser muito útil à liberdade financeira de cada um, considera: “vale a pena aprender alguma coisa sobre impostos e como minimizar o impacto dos impostos na nossa vida”.
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