Dos estágios ao ensino profissional, a “receita” para baixar o desemprego jovem
Desemprego jovem está longe dos máximos históricos, mas está muito acima do desemprego global. A ministra do Trabalho frisou recentemente que está em "níveis admissíveis", mas como inverter o cenário?
Contra ventos e marés, o mercado de trabalho português tem dado provas de resiliência. Mas nem tudo está bem. A taxa de desemprego jovem está longe dos máximos históricos, mas voltou a ultrapassar a fasquia dos 20% no último ano. “Não é admissível”, alertou recentemente a ministra do Trabalho. Como inverter o cenário? Os economistas ouvidos pelo ECO apelam a um melhor alinhamento entre a formação e o mercado de trabalho, o reforço do ensino profissional, o alargamento dos estágios e a promoção do crescimento das empresas.
Comecemos pelo diagnóstico. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego entre os trabalhadores dos 16 aos 24 anos foi de 20,3% no último ano, o que correspondeu a um aumento de 1,2 pontos percentuais face ao ano anterior.
Também a taxa de desemprego relativa à globalidade do mercado de trabalho agravou-se em 2023, mas, nesse caso, o aumento foi de apenas 0,4 pontos percentuais, tendo o indicador atingido os 6,5%. Ou seja, a taxa de desemprego jovem foi mais do triplo da registada no conjunto do mercado de trabalho.
Taxa de desemprego jovem é mais do triplo da total
Fonte: INE
Já no fim de julho, na apresentação de um relatório sobre a evolução do emprego e da formação em Portugal, a ministra do Trabalho atirou: “Não me contento que tenhamos uma taxa de desemprego tão baixa em termos gerais, mas que seja de mais de 20% entre os jovens“. “O desemprego jovem atingiu taxas que não são admissíveis“, sublinhou Maria do Rosário Palma Ramalho.
Entre os países europeus, este problema tende a fazer eco. Em junho, segundo o Eurostat, a taxa de desemprego jovem na União Europeia situou-se em 14,4%. Enquanto isso, a taxa de desemprego global no bloco comunitário está estacionada há vários meses em 6%. E, à semelhança de Portugal, outros seis países (incluindo a vizinha Espanha) têm taxas de desemprego jovem acima dos 20%.
Portugal tem das taxas mais elevadas de desemprego jovem da UE
Fonte: Eurostat
Em conversa com o ECO, o professor universitário João Cerejeira destaca isso mesmo: o desemprego jovem não é um exclusivo português, sendo que Espanha até partilha motivos com Portugal.
Por exemplo, tanto desse lado da Península Ibérica como deste, os postos de trabalho de entrada “são muito sazonais” (ligados aos serviços e ao turismo), identifica.
Outra semelhança é que tanto o mercado de trabalho espanhol como o português são segmentados, ou seja, há uma fatia considerável de trabalhadores com vínculos permanentes, mas também uma “percentagem grande de trabalhadores com contratos a termo, nos quais a facilidade de despedimento é grande. E são os jovens a grande maioria dos trabalhadores nessa situação.
“Alguns jovens passam, assim, muito tempo em empregos sucessivos de caráter temporário“, comenta o professor da Universidade do Minho.
Uma outra razão, mais do lado da oferta, é o facto de termos um ensino profissional que ainda não abrange um número suficiente de jovens, e não está adequado às necessidades dos territórios onde as escolas estão implantadas.
“Uma outra razão, mais do lado da oferta, é o facto de termos um ensino profissional que ainda não abrange um número suficiente de jovens, e não está adequado às necessidades dos territórios onde as escolas estão implantadas”, acrescenta João Cerejeira, que refere que há estudos que mostram que a empregabilidade é maior entre quem tem o ensino profissional face a quem tem somente o ensino secundário concluído. “Isso dá-nos algumas pistas do caminho que há a fazer“, salienta o especialista.
Um outro travão à entrada dos jovens no mercado de trabalho, identifica, são os preços da habitação, que reduzem a mobilidade geográfica desses trabalhadores e fazem com que certas oportunidades de emprego acabem por não ser agarradas.
Expectativas não correspondidas
A somar às razões acima apontadas para o desemprego jovem está o próprio perfil da economia portuguesa, onde setores com “níveis de produtividade abaixo da média” têm um peso muito significativo. Quem o diz é José Reis, da Universidade de Coimbra, referindo-se ao setor dos serviços.
Perante um mercado dominado por essas atividades, os jovens tendem a “retardar a sua entrada no mercado de trabalho, na expectativa de encontrar empregos mais justos“, argumenta o professor. Entende, assim, que o mercado de trabalho português “não é amigo de uma boa parte dos jovens“.
Na mesma linha, Pedro Braz Teixeira, do Fórum para a Competitividade, salienta que o que existe hoje na economia portuguesa são muitos empregos que exigem baixa formação (nomeadamente, no turismo) e jovens com cada vez mais competências, que não se encaixam nesses postos.
Precisamos de desenvolver os setores da economia que tenham capacidade empresarial elevada, empresários qualificados, processos organizacionais e produtivos criadores de valor, que puxem a média da produtividade para cima.
Face a esse cenário, o economista defende que é preciso mitigar os obstáculos ao crescimento das empresas, já que os empregadores maiores são também os que oferece empregos mais atrativos. Por exemplo, não estabelecer que apenas as pequenas têm direito a apoios, deixando as demais sem suporte, numa espécie de castigo pela sua dimensão.
“Precisamos de desenvolver os setores da economia que tenham capacidade empresarial elevada, empresários qualificados, processos organizacionais e produtivos criadores de valor, que puxem a média da produtividade para cima. É isso que precisamos de fazer”, declara, no mesmo sentido, o professor José Reis.
Um espada de dois gumes
Perante um mercado de trabalho segmentado, é este o momento para limitar os contratos a prazo, que tanto pesam sobre os jovens? O professor João Cerejeira avisa que essa é uma espada de dois gumes, já que, sim, poderia trazer estabilidade aos trabalhadores, mas também tornaria mais difícil a entrada no mercado, sobretudo dos menos qualificados.
Por outro lado, o especialista da Universidade do Minho chama a atenção para uma experiência que tem sido feita em Espanha nos últimos anos: os contratos de trabalho intermitentes, que permitem dar estabilidade aos trabalhadores, apesar da sazonalidade, isto é, o profissional mantém o vínculo a uma mesma entidade, mesmo que durante vários meses do ano não lhes preste funções, nem dele receba rendimento.
João Cerejeira defende também que seria benéfico agir no aconselhamento dos próprios jovens, promovendo uma ligação maior entre o sistema de ensino e o serviço público do emprego.
Continuamos a ter muitos cursos que estão a formar pessoas para o desemprego. É preciso haver mais informação sobre a empregabilidade dos cursos.
Outra solução seria o reforço e alargamento dos estágios. “Hoje estão muito voltados para o ensino superior. Grande parte dos apoios está a ser canalizada para jovens já com o ensino superior. Provavelmente, teremos de ser mais abrangentes“, afirma.
Já Pedro Braz Teixeira avisa que vale a pena melhorar o alinhamento a formação dos jovens com o mercado de trabalho. “É preciso haver mais informação sobre a empregabilidade dos cursos“, salienta.
Sugere também que devem ser melhoradas as plataformas nas quais são divulgadas as ofertas de emprego e até lembra que a Inteligência Artificial pode vir a dar uma mão. “Pode acelerar os casamentos” entre as empresas e os jovens, diz o economista, já a pensar no futuro.
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