Juíza no caso Salgado também é lesada do BES

Defesa de Salgado e de suíços fizeram referência às ações que a juíza perdeu no BES. “Quanto é que valem 500 ações, passe na Av. da Liberdade a ver se consegue comprar uma mala", disse a magistrada.

A magistrada que lidera o coletivo de juízes do julgamento do Universo Espírito Santo também é uma lesada do BES. Um facto que já tinha sido assumido pela juíza, depois do pedido de escusa para ser afastada do caso, feito pela própria Helena Susano, no final do ano passado. Esse facto não tem passado despercebido nas duas sessões de julgamento do caso BES que decorre desde terça-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Na terça-feira, a defesa de Ricardo Salgado, nas alegações iniciais, a cargo de Adriano Squillace acusou a juíza de ser “uma lesada do BES”, uma vez que chegou a pedir escusa do caso BES, invocando ser titular de 560 ações do banco. “Mas o Tribunal da Relação decidiu que isso não afetava a sua imparcialidade”. Esta quarta-feira, foi a vez do advogado Tiago Rodrigues Bastos — que representa dois arguidos suíços no processo — fazer referência às ações que a juíza Helena Susano perdeu no BES, sugerindo que é também lesada pela queda do banco.

Em resposta, a presidente do coletivo de juízes relembrou que foi feito um pedido de escusa, tendo este sido recusado pela Relação de Lisboa. E deixou a sugestão a Tiago Rodrigues Bastos, para “ver quanto é que valem 500 e tal ações”. “Passe na Avenida da Liberdade e veja se consegue comprar uma mala com isso”, ironizou. Tiago Rodrigues Bastos alegou ainda que não é conhecida a decisão da Relação de Lisboa, tendo a juíza respondido que a decisão é pública.

Com o devido respeito, não vemos que os dados de facto alegados (de a senhora juíza e filhas terem ações do BES bem como outro familiar em segundo grau ações da Portugal Telecom que com a queda daquele ocasionaram praticamente a sua total desvalorização) desacompanhada de qualquer outro facto – e estando neste processo vinculada, enquanto profissional, a realizar a justiça reclamada no caso concreto – sejam ‘motivo sério e grave’ que permita considerar verificada qualquer aparência suscetível de justificar o risco de a sua intervenção no processo ser considerada suspeita ou de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

Decisão da Relação de Lisboa face ao pedido de escusa

A 22 de novembro, a juíza que iria presidir ao coletivo do julgamento do caso BES, Helena Susano, pediu escusa ao Tribunal da Relação de Lisboa. Segundo o despacho, a magistrada pediu-o por considerar haver motivo “sério e grave” para gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. Em causa estava o facto de a juíza ser titular de “quinhentas e sessenta ações do BES” e das suas duas filhas serem igualmente titulares, “cada uma, de ações do BES, em quantidade que neste momento não consegue precisar, porquanto as mesmas se encontram no estrangeiro e sem documentos de que se possam socorrer para a respetiva concretização, mas certamente em número não superior a quinhentas e sessenta ações”.

Mais: a juíza diz ainda que possui “um familiar em segundo grau que é titular de sete mil e quinhentas ações da Portugal Telecom, S.A., a qual, como é consabido e público, se encontra alegadamente relacionada com a queda do universo BES, tendo esta queda ocasionado praticamente a total desvalorização daquelas ações”.

Mas o Tribunal da Relação de Lisboa não aceitou este pedido de escusa da juíza. “O pedido de escusa do juiz para intervir em determinado processo pressupõe, e só poderá ser aceite, quando a intervenção correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade – referenciada em concreto ao processo em que o incidente de recusa ou escusa é suscitado –, a qual pressupõe a ausência de qualquer preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir ou às pessoas afetadas pela decisão”, sublinha a decisão da Relação de Lisboa, datada de janeiro deste ano, a que o ECO teve acesso. “Não bastando, como é pacífica a jurisprudência nomeadamente do STJ, a convicção particular do ponto de vista do requerente (o seu sentimento pessoal de que a sua intervenção no processo possa gerar desconfiança ou ser considerada suspeita)”, sublinha.

Mas “com o devido respeito, não vemos que os dados de facto alegados (de a Srª juíza e filhas terem ações do BES bem como outro familiar em 2º grau ações da Portugal Telecom que com a queda daquele ocasionaram praticamente a sua total desvalorização) desacompanhada de qualquer outro facto – e estando neste processo vinculada, enquanto profissional, a realizar a justiça reclamada no caso concreto – sejam “motivo sério e grave” que permita considerar verificada qualquer aparência suscetível de justificar o risco de a sua intervenção no processo ser considerada suspeita ou de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, concluem as três juízas desembargadoras.

Professora durante mais de uma década, a magistrada que julga Salgado tem 61 anos de idade mas só é juíza há pouco mais de 20, como explicou o Público. Nascida em Alcobaça, foi professora de Português e Francês. Tem 21 anos de experiência, a maior parte dos quais na área criminal. Primeiro como juíza de instrução e, desde 2007, no julgamento da criminalidade mais grave, uma carreira que apenas interrompeu para dar aulas aos futuros magistrados, no CEJ.

O segundo dia do julgamento do caso BES é marcado pela conclusão das exposições introdutórias dos advogados dos arguidos e com a reprodução das gravações do interrogatório a Ricardo Salgado na fase de inquérito. No total serão oito horas de gravação das declarações do ex-banqueiro.

Dez anos depois da queda do BES, com o arguido Ricardo Salgado acusado de 62 crimes (três entretanto prescreveram), o julgamento do processo BES conta com 17 arguidos singulares, sete empresas arguidas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas.

O ex-banqueiro está acusado de associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais. E estava inicialmente acusado de um total de 65 crimes, vai agora ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade. O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo Ministério Público indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro.

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