Mulheres, jovens e trabalhadores do turismo são os que mais ganham o salário mínimo

Um quinto dos trabalhadores ganha salário mínimo, sendo a incidência mais elevada entre mulheres e jovens. Há também 287 mil trabalhadores cujo mínimo é superior por via da negociação coletiva.

Se há apenas duas décadas menos de 10% dos trabalhadores portugueses recebiam o salário mínimo nacional, hoje a realidade é um tanto diferente. De acordo com um novo estudo divulgado esta sexta-feira pelo laboratório CoLabor, mais de um quinto dos empregados em Portugal ganham agora a retribuição mínima garantida, sendo a incidência especialmente elevada entre as mulheres, os mais jovens e os trabalhadores do alojamento, restauração e similares. Os especialistas alertam que as subidas do salário mínimo têm, sim, contribuído para mitigar as desigualdades, mas também para agravar a compressão entre salários.

Até 2006, a taxa de cobertura do salário mínimo nacional foi sempre inferior a 10%, e o número de trabalhadores abrangidos nunca ultrapassou as 200 mil pessoas. O aumento do valor deste instrumento em 2007 implicou o aumento dos dois indicadores em causa nos anos seguintes“, começa por sublinhar o estudo, que será apresentado esta manhã pelo investigador Frederico Cantante, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Depois de um período de relativa estabilidade (coincidente com os anos em que o salário mínimo esteve congelado), a incidência da retribuição mínima garantida voltou à trajetória ascendente em 2014, como mostra o gráfico abaixo. Já os dados mais recentes, que dizem respeito a 2022, apontam para 552 mil trabalhadores do setor privado a receber o salário mínimo nacional, o equivalente a 22,4% dos empregados, ou seja, mais de um quinto.

Mas há grupos de trabalhadores que registam maior incidência do vencimento mínimo do que outros. Há, desde logo, uma diferença entre géneros: 19% dos homens empregados recebem esse mínimo mensal, enquanto entre as mulheres a taxa de cobertura é de 26,5%.

Há também um fosso pertinente entre as faixas etárias. “[A incidência] é mais elevada entre os trabalhadores mais jovens (35,1%)”, identifica o novo estudo, referindo-se aos empregados com menos de 25 anos.

Em contraste, é na faixa etária dos 35 aos 44 anos, que a cobertura do salário mínimo nacional é menor (19,5%). Já acima dos 54 anos essa taxa volta a ser especialmente elevada (embora nem tanto quanto entre os jovens): 25%.

Por outro lado, o CoLabor menciona que a incidência da retribuição mínima garantida é particularmente expressiva em “certas atividades económicas”, com o setor do turismo (alojamento, restauração e similares) à cabeça. Nesse caso, a cobertura é de 38,3%.

Em destaque, estão ainda a agricultura e pescas e as outras atividades de serviços, com 37,3% e 33,4%, respetivamente, dos trabalhadores a receberem o mínimo fixado na lei.

Veja-se, a título ilustrativo, que o valor do salário mínimo real em 2014 era semelhante ao de 1980 e inferior ao estatuído em 1974 e 1975.

CoLabor

Convém lembrar que o salário mínimo nacional em Portugal foi uma conquista do 25 de Abril, como notou aqui o ECO, e, à exceção do período entre 2011 e 2014, “teve sempre atualizações anuais”. No entanto, o montante pouco variou em termos reais “num arco temporal alargado”, assinala o estudo referido. “Veja-se, a título ilustrativo, que o valor do salário mínimo real em 2014 era semelhante ao de 1980 e inferior ao estatuído em 1974 e 1975“, é realçado.

E continua: “Em 2024, o salário mínimo situou-se em 820 euros, um aumento nominal de 335 euros em relação a 2014. Ajustando o valor do salário mínimo à inflação, constata-se que, entre 2014 e 2023, o aumento foi de 159 euros, o que corresponde a uma variação real de 32,5%“.

Há, no entanto, trabalhadores que beneficiam de um mínimo mais generoso por via da negociação coletiva. Em 2023, 160 das convenções coletivas publicadas previam uma remuneração mínima superior ao salário mínimo nacional, abrangendo 287.276 trabalhadores.

Quanto ao impacto do salário mínimo no mercado de trabalho nacional, os investigadores do CoLabor referem um efeito de dentada e outro de arrastamento. “O salário mínimo tem um efeito de mitigação da desigualdade devido ao facto de os trabalhadores que teriam salários abaixo do salário mínimo verem a sua retribuição ‘engolida’ por esse limiar mínimo (bite effect), mas também através do efeito de arrastamento (spillover effect) verificado noutras latitudes da estrutura de distribuição dos salários”, salienta o estudo.

Já quanto ao risco da subida do salário mínimo levar a aumento do desemprego, os investigadores esclarecem que “tal não se verificou em Portugal no período do pós-Grande Recessão”.

“Múltiplas precariedades”

Além dos “baixos salários”, o mercado de trabalho português padece também de uma “elevada incidência de múltiplas precariedades“, alerta o estudo que será apresentado esta sexta-feira.

Por um lado, há precariedade no que diz respeito aos vínculos contratuais, com cerca de um milhão de trabalhadores por conta de outrem do setor privado a terem contratos não permanentes. “Este valor é de 55% no setor das atividades administrativas e serviços de apoio e de 46% no alojamento restauração e similares”, salientam os investigadores.

E numa análise por municípios, há a realçar que em vários do Algarve e da Costa Vicentina a incidência da contratação não permanente chega a ser superior a 50%, “territórios particularmente expostos ao trabalho sazonal nas atividades económicas ligadas ao turismo e também à agricultura“.

“No interior do país, destacam-se os municípios de Cinfães e Valença, nos quais o valor deste indicador é de 71% (resultado mais elevado no país) e 59%, respetivamente”, lê-se ainda.

A isto, os investigadores do CoLabor somam os “fenómenos como os trabalhadores por conta própria economicamente dependentes (87,9 mil) e 11,5% das pessoas que não conseguiram encontrar um trabalho a tempo completo ou com um contrato permanente“.

Negociação coletiva está a cobrir menos pessoas

No que à negociação coletiva diz respeito, este novo estudo aponta que, embora o número de convenções coletivas publicadas (novas ou revistas) seja “elevado num período de cerca de duas décadas”, a abrangência é “comparativamente baixa”.

“Este facto está associado ao recuo dos contratos coletivos setoriais no conjunto das convenções publicadas. Se, em 2005, os contratos coletivos representavam 60% do total de convenções coletivas negociais, no ano de 2023 este valor recuou para cerca de 37%. Em sentido inverso, o peso dos acordos de empresa passou de 29% no primeiro período para 52% em 2023“, detalham os investigadores.

Em comparação com 2018, o contingente de trabalhadores estrangeiros quase que duplicou, situando-se, em 2022, em 322.028 trabalhadores.

Num outro capítulo, os especialistas realçam que os estrangeiros “têm vindo a ganhar peso” na população empregada. “Em comparação com 2018, o contingente de trabalhadores estrangeiros quase que duplicou, situando-se, em 2022, em 322.028 trabalhadores”, frisam, referindo também que o perfil escolar desta população tem mudado, com um reforço do ensino secundário e superior.

Já no que toca às habilitações globais do mercado de trabalho português, o estudo agora conhecido mostra que 25% dos trabalhadores que concluíram o ensino superior têm qualificações a mais para os empregos que exercem, sendo essa situação é mais elevada entre as mulheres (28,8%) e no turismo (58% no setor do alojamento, restauração e similares).

Por outro lado, Portugal é um dos países europeus em que se trabalham mais horas, o que é “negativo quando se analisa a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal ou o bem-estar subjetivo”, defende o novo estudo.

“Os dados apresentados nesta publicação demonstram que existem desigualdades vitais expressivas entre quem trabalha por turnos e quem tem um regime de prestação do trabalho normal“, é acrescentado. Por exemplo, entre quem trabalha por turnos, 43% declara ter dificuldades em adormecer ou insónias sempre ou com frequência, enquanto entre quem não trabalha nesse regime a fatia é de 26%.

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