Depósitos bancários são seguros? “É seguro que se perde dinheiro”, avisa Maria Luís Albuquerque
A comissária europeia Maria Luís Albuquerque regressou a Lisboa para defender a nova União das Poupanças e dos Investimentos. Mas garantiu que cada um continuará a poder investir como quiser.

Os europeus, e em particular os portugueses, habituaram-se “a pensar que os depósitos bancários são seguros e não têm risco”. Contudo, “neste momento, é seguro que se perde dinheiro” com eles, avisou esta sexta-feira a comissária europeia Maria Luís Albuquerque, que tem a seu cargo a União da Poupança e dos Investimentos, um ambicioso plano da Comissão Europeia para incentivar os cidadãos a investirem mais nos mercados de capitais, ao invés de deixarem as poupanças paradas nos bancos.
Durante uma intervenção na conferência anual da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que decorre em Lisboa — e onde também anunciou o relançamento do PPR europeu — Maria Luís Albuquerque explicou que “a rentabilidade real” dos depósitos a prazo “é negativa”, por, em geral, pagarem juros inferiores à erosão causada pela inflação. “No mercado de capitais temos risco de perda. Nos depósitos temos uma certeza de perda nos últimos anos”, sublinhou, acrescentando: “A perceção do que é o risco também é algo que tem de ser trabalhado.”
No mercado de capitais temos risco de perda. Nos depósitos temos uma certeza de perda nos últimos anos.
Com a União das Poupanças e dos Investimentos (SIU, na sigla em inglês), a Comissão Europeia pretende, numa primeira ordem, que os europeus tenham incentivos para canalizarem para os mercados de capitais parte dos 11 biliões de euros que estão parados em depósitos — nesta mesma sexta-feira, o Banco de Portugal revelou que havia um recorde de 193 mil milhões de euros parados em depósitos no final de abril.
Só deste modo, argumentou Maria Luís Albuquerque, será possível dar resposta aos desafios que o bloco enfrenta neste momento, desde as alterações climáticas à transição digital, passando pelas novas dinâmicas geopolíticas.
Ademais, “a crescente tensão geoestratégica, com impactos visíveis no comportamento dos mercados, acentuou a urgência em encontrar alternativas, no mercado interno europeu, a parceiros comerciais que se tornaram menos confiáveis”, rematou a comissária. Declaração que deve ser vista à luz da nova política comercial dos EUA e das tarifas que têm vindo a ser aplicadas pela Administração de Donald Trump.
“Cada um investirá o seu dinheiro onde quiser e como quiser”
No discurso, a comissária tranquilizou quem possa pensar que a União Europeia pretende passar a decidir como é que os europeus investem as suas poupanças: “O objetivo da estratégia é fazer com que seja mais fácil que os recursos fluam para onde há boas oportunidades de negócio. Somos completamente agnósticos. Cada um investirá o seu dinheiro onde quiser e como quiser. O nosso objetivo é apenas dar oportunidades, nada mais do que isso”, assegurou a também ex-ministra das Finanças de Pedro Passos Coelho.
O pacote que está a ser preparado em Bruxelas tem múltiplas vertentes, como incentivos para os Estados-membros aplicarem incentivos fiscais aos seus cidadãos, a criação de uma “conta de poupança e investimentos”, e uma revisão da legislação “para possibilitar mais investimento em classes alternativas de ativos”, tais como capital de risco e “equity em geral”.
Outra das metas é repensar a supervisão, tornando-a mais eficaz e centralizada em alguns dos componentes — mas também mais harmonizada: “A mesma pergunta deve ter a mesma resposta onde quer que se pergunte nos 27 [Estados-membros], quem quer que pergunte, e não temos isso ainda”, reconheceu a comissária portuguesa.
Antecipando eventuais críticas, perante outros planos apresentados no passado, Maria Luís Albuquerque garantiu que “desta é diferente”. Até porque o momento é outro: “É especialmente clara a constatação de que o financiamento das nossas prioridades não pode depender exclusivamente dos orçamentos públicos. É indispensável a participação privada”, disse. Ademais, agora há “determinação política” para se avançar.
São exatamente os mercados mais pequenos e periféricos [como Portugal] que mais têm a ganhar com esta abordagem.
Evitar legislar “na medida do possível”
Além de tudo isto, a Comissão Europeia está também preocupada com “barreiras alheias à regulação dos mercados de capitais”, tais como as que “resultam de legislação fiscal ou societária”, disse, lembrando que está em curso uma consulta ao mercado, até ao dia 10 de junho, para ajudar a identificá-las. São, para Maria Luís, “barreiras que temos tolerado porque representam zonas de conforto para alguns atores do mercado financeiro ou para alguns Estados-membros. Mas construir um mercado eficiente depende da remoção” das mesmas, indicou.
“Somos agnósticos quanto aos instrumentos a utilizar. Legislação, recomendações, reforço na implementação e enforcement, usaremos os instrumentos mais eficazes para cada objetivo, tentando, na medida do possível, evitar legislar quando outras opções estejam disponíveis”, prometeu, ao mesmo tempo que reconheceu que muitas das iniciativas terão de ser aplicadas pelos próprios governos nacionais.
Dito isso, Maria Luís Albuquerque asseverou que Portugal é dos países que mais têm a ganhar com uma boa implantação da União das Poupanças e dos Investimentos: “São exatamente os mercados mais pequenos e periféricos que mais têm a ganhar com esta abordagem, beneficiando de uma maior interligação e acesso a mercados maiores. Os investidores terão acesso a produtos mais líquidos e diversificados, e as empresas a fontes de financiamento mais alargadas”, além do financiamento bancário já existente e amplamente disponível.
“Nós precisamos de avançar, estamos de acordo em que áreas, e temos de ter um atitude em que temos de avançar em muitos aspetos ao mesmo tempo. A abordagem incremental, uma coisa de cada vez, não funcionou e não vai funcionar. Temos de fazer tudo, tentar promover todas as iniciativas em simultânea, o que será obviamente muito desafiante”, defendeu Maria Luís Albuquerque. “As propostas são ambiciosas e o meu empenho em prossegui-las é total”, concluiu.
(Notícia atualizada pela última vez às 11h36)
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