Economia circular vai à COP. O “fim” do resíduo ajuda a descarbonizar

Sandra Silva, CEO da Veolia, e Inês Costa, associate partner da Deloitte, falam-nos de Economia Circular no podcast Clima 3.0, no qual poderá acompanhar os temas que irão marcar a agenda da COP30.

  • Este texto é escrito com base no podcast Clima 3.0, que trará aos leitores, diariamente e ao longo das duas semanas da COP, uma visão sobre os principais temas discutidos na COP30, numa série de dez entrevistas a especialistas das diversas áreas em discussão.

A economia circular é mais do que evitar desperdício: é uma ferramenta para a descarbonização, sublinham Sandra Silva, CEO da Veolia em Portugal e Inês Costa, associate partner da Deloitte para a área de sustentabilidade, em conversa com o Capital Verde para o podcast Clima 3.0.

Quando olhamos para a descarbonização, a economia circular tem de estar presente. Algumas indústrias, para se descarbonizar, precisam de reciclagem“, indica Sandra Silva, dando como exemplo a indústria vidreira, que precisa do vidro reciclado para diminuir emissões. Em paralelo, para a eletrificação do sistema energético — substituindo combustíveis fósseis por eletricidade — são necessárias matérias-primas críticas, escassas por definição. “Este ano já tivemos fábricas de baterias paradas por falta de matéria-prima para a produção de baterias“, recorda.

Olhando à indústria do aço, dos químicos e do cimento, uma coordenação em termos de circularidade de materiais ditaria uma redução a ordem das 231 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, afirma Inês Costa.

Quando olhamos para a descarbonização, a a economia circular tem que estar presente.

Sandra Silva

CEO da Veolia

No entanto, “os recursos estão a desaparecer”, alerta Sandra, apontando para o Dia da Sobrecarga da Terra (que marca o dia do ano em que a humanidade esgota os recursos naturais que o planeta consegue repor nesse ano) estar a acontecer cada vez mais cedo. Este ano, para Portugal, foi em maio. A nível global, foi em julho. A questão, diz Inês Costa, antes de ser “teremos recursos amanhã?”, no curto a médio prazo, será antes o preço: “Antes de acabarem, vão-se tornar extraordinariamente caros”.

Da regulação ao financiamento: os desafios

Para a CEO da Veolia, “muitas empresas ainda estão a ir só atrás daquilo que é a obrigação regulamentar e de financiamento. É necessária a mudança de mindset“, até porque, de acordo com um estudo da Bain citado pela líder da Veolia, 0% dos CEOs e líderes de grandes empresas identificam que o tema da economia circular vai dar origem a um crescimento do volume de negócios.

Antes de acabarem [os materiais], vão-se tornar extraordinariamente caros.

Inês Costa

Associate partner da Deloitte

A regulação não está a ajudar tanto como devia, na ótica de Inês Costa. Desde a revolução industrial que a regulação está a ser desenvolvida num pressuposto de linearidade. “A incerteza regulatória é um inibidor brutal da ação das empresas no mercado“, nomeadamente o que diz respeito à adoção de soluções de economia circular. O pacote legislativo de simplificação a nível europeu, o Omnibus, “pode atrasar essa transformação que é necessária”.

Além disso, a partner da Deloitte identifica barreiras ao financiamento. Por exemplo, o design para reduzir a quantidade de matéria-prima, o recondicionamento, a reutilização, muitas vezes são business as usual, pelo que “passam despercebidos” e não é calculado o retorno sobre esses investimentos.

Circularidade através de cooperação, inovação e monitorização

“Precisamos de identificar, e isso só com colaboração e cooperação é que se faz, aquilo que é subproduto de uma indústria ou de uma atividade e que pode ser uma matéria-prima noutra“, sublinha Sandra Silva, a qual entende que “o facto de ser considerado um resíduo e não ser considerado um material parece uma coisa de somenos, mas na prática, não é”. Defende o fim do estatuto de resíduo.

Inês Costa, Associate Partner da Deloitte para a área de sustentabilidade e Sandra Silva, CEO da Veolia em Portugal, em entrevista ao Capital VerdeHugo Amaral/ECO

Para dar uma noção do valor que se perde ao descartar em vez de reutilizar, só em Portugal, são produzidos cerca de 5 milhões de toneladas de resíduos urbanos ao ano, e os resíduos comerciais e industriais são três vezes este valor, são 15 milhões. “Estamos a falar de 15 milhões de toneladas que potencialmente podem ser reintroduzidas outra vez na economia e que não estão a ser retirados de matérias-primas virgens”, remata.

Precisamos de identificar, e isso só com colaboração e cooperação é que se faz, aquilo que é subproduto de uma indústria ou de uma atividade e que pode ser uma matéria-prima noutra.

Sandra Silva

CEO da Veolia

Neste sentido, importa inovar, questionar os processos, “ir buscar matérias a outra indústria com quem aparentemente nem tenho ligação”. E, finalmente, “inovação pura e dura”.

A Deloitte e o Conselho Para o Desenvolvimento Sustentável Mundial (WBCSD) vão lançar, nesta COP, o Global Circularity Protocol, numa tentativa de colmatar as dificuldades: serve para identificar onde é que estão as oportunidades de economia circular, quais são indicadores que têm que recolher para identificar essas oportunidades e, finalmente, ficar com um relato das suas iniciativas para que possa ser apresentado aos seus clientes e às suas entidades financiadoras.

Sobre os resultados finais que desejam para esta COP, Sandra Silva defende que “se for possível haver, de facto, robustez numa meta [de descarbonização] que seja transversal ao mundo inteiro, a economia circular vai aparecer como solução e vai ter que ser implementada”. Já Inês Costa espera ver mais países a seguirem o exemplo do Brasil, que incluiu a economia circular nas suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), isto é, as iniciativas com as quais se compromete para descarbonizar.

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