Bitcoin elimina ganhos de 2025 e entra em ‘bear market’

Do auge ao colapso em poucas semanas, a Bitcoin acumula perdas de quase 30% desde o pico do ano à boleia da escassez de liquidez e pela expectativa de menos cortes de juros da Fed.

A euforia que empurrou a Bitcoin para máximos históricos em outubro desvaneceu-se. A criptomoeda mais valiosa do mundo negociou esta manhã abaixo dos 90 mil dólares pela primeira vez em sete meses, apagando todos os ganhos acumulados este ano.

Nos últimos 45 dias, o mercado de criptoativos já perdeu mais de 1,2 biliões de dólares, numa reviravolta que apanhou muitos investidores de surpresa e que expõe as fragilidades de um setor que se habituou a ver a liquidez como garantida. A queda de quase 30% da Bitcoin desde o pico de 6 de outubro — quando atingiu 126.272 dólares — é apenas a face mais visível de um problema bem mais profundo. O mercado entrou oficialmente em território de “bear market” (mercado em baixa), com uma descida superior a 20% face aos máximos recentes.

Tecnicamente, a situação agravou-se com o surgimento do padrão de “death cross” (cruzamento da morte), que ocorre quando a média móvel de 50 dias cruza abaixo da média de 200 dias, um sinal tradicionalmente interpretado como prenúncio de mais quedas. Além disso, os traders de opções estão também a apostar em perdas maiores, com uma crescente procura por opções que garantam proteção das posições em Bitcoin em níveis de 85 mil e 80 mil dólares, indicando que os traders profissionais antecipam quedas ainda mais significativas.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

A correção da cotação da Bitcoin não é explicada por um único fator, mas uma soma de dados que se reforçam mutuamente. Em primeiro lugar, as expectativas em torno dos cortes nas taxas de juro da Reserva Federal dos EUA (Fed) esfriaram drasticamente. Se em outubro o mercado dava como certa uma redução das taxas em dezembro, atualmente essa probabilidade desceu para 46%. Juros mais altos durante mais tempo tornam os títulos de dívida americana mais atrativos e retiram apetite pelos ativos de risco, onde se incluem os criptoativos.

Simultaneamente, a liquidez global — o dinheiro disponível nos mercados — está a apertar. A Fed continua a reduzir o seu balanço através do “aperto quantitativo” (QT), enquanto o Tesouro americano tem acumulado dinheiro na sua conta no banco central, retirando liquidez do sistema financeiro. Esta combinação eleva as taxas de financiamento de curto prazo e torna mais caro especular com ativos voláteis como a Bitcoin e restantes criptoativos. “A Bitcoin é altamente sensível a estas condições de liquidez”, refere Kevin Kelly, gestor de fundos da Amplify ETF ao MarketWatch.

As baleias vendem e os pequenos investidores fogem

A crise no universo cripto agravou-se há cerca de um mês, quando após as declarações de Donald Trump sobre tarifas maciças contra a China desencadearam a liquidação de 20 mil milhões de dólares em posições alavancadas de criptoativos — o maior colapso de sempre num único dia. Conhecida entre os traders como o “10/10” em referência ao dia 10 de outubro, esta liquidação deixou uma marca duradoura no setor. “O que estamos a ver agora não é um colapso nos mercados cripto, mas o prolongado impacto do evento de liquidação de outubro”, refere David Namdar, CEO da CEA Industries.

As chamadas “baleias” — grandes detentores de Bitcoin com mais de 1.000 unidades — aproveitaram o pânico para vender, realizando lucros acumulados ao longo de anos. Mas o lado mais preocupante é a ausência de compradores. Os pequenos investidores, historicamente os que “compram nas quedas”, desapareceram desta vez.

A entrada de recursos em produtos cotados (Exchange-Traded Product – ETP) de Bitcoin nos EUA abrandaram drasticamente: de 441 mil bitcoins em outubro para apenas 271 mil agora, apontam os dados da CryptoQuant, uma plataforma de análise de dados em blockchain que fornece métricas sobre movimentos de criptoativos. Nas últimas cinco semanas, saíram 2,6 mil milhões de dólares destes ETP, segundo dados da Dow Jones Market Data. Trata-se da maior sangria desde março. Sem novos compradores para absorver a venda das baleias, a pressão descendente intensifica-se.

Mas o colapso dos criptoativos não está isolado. Os mercados asiáticos fecharam a última sessão com fortes quedas, com o japonês Topix a perder 2,9%, o Hang Seng de Hong Kong a recuar 1,7% e o Kospi sul-coreano a afundar 3,5%, indicando que investidores que perderam dinheiro em Bitcoin estão a ser forçados a vender outras posições para cobrir perdas ou responder a chamadas de margem.

Apesar do cenário sombrio, há quem mantenha uma visão de longo prazo. Louis LaValle, CEO da Frontier Investments, argumenta que “não estamos num inverno cripto. Estamos a ver a Bitcoin a amadurecer”.

Na Europa, a tendência não é diferente, com os principais índices acionistas a negociarem atualmente no vermelho, com o pan-europeu Stoxx Europe 600 a cair 1,2%, ao mesmo tempo que os futuros sobre os índices norte-americanos S&P 500, Dow e Nasdaq a apontarem para uma abertura em queda.

Joseph Zhang, gestor da Fidelity International, citado pela Bloomberg, alerta para um “efeito de contágio” motivado pela falta de liquidez, sublinhando que as recentes quedas em várias classes de ativos resultam parcialmente de um “transbordamento” (spillover) cripto. Um índice do Goldman Sachs composto por ações de tecnológicas não-rentáveis — bastante popular entre os pequenos investidores — caiu 19% desde meados de outubro, coincidindo com a derrocada dos criptoativos

Para quem esperava que a queda possa ser passageira, as notícias não são animadoras. “Esta correção pode não ter terminado. Se as ações caírem, podemos facilmente revisitar os 70 mil dólares, talvez até abaixo disso”, refere Alessio Quaglini, CEO da Hex Trust, à CNBC. Nas últimas 24 horas, foram liquidadas posições longas e curtas no valor de cerca de 950 milhões de dólares, de acordo com dados da Coinglass.

Luke Lango, analista da InvestorPlace, sublinha que, historicamente, sempre que a Bitcoin caiu abaixo da média móvel de 50 semanas durante um ciclo de alta “a festa acabou e os preços colapsaram durante o ano ou dois anos seguintes”. Segundo os analistas, o que diferencia este ciclo dos anteriores é a escala, com as posições a serem maiores: a alavancagem foi mais profunda e o “desenrolar” da alavancagem está a levar mais tempo.

Apesar do cenário sombrio, há quem mantenha uma visão de longo prazo. Louis LaValle, CEO da Frontier Investments, argumenta que “não estamos num inverno cripto. Estamos a ver a Bitcoin a amadurecer”. A adoção de Bitcoin por parte de algumas instituições, como sucede com o JPMorgan Chase a aceitar Bitcoin como colateral, por exemplo, distingue este ciclo dos anteriores. Mas mesmo os otimistas reconhecem que a curto prazo a liquidez manda. E neste momento, ela está em falta.

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