Trump não foi a Jackson Hole mas esteve bem presente
Faltaram palavras sobre a retirada dos estímulos, mas tanto Draghi como Yellen deixaram mensagens importantes acerca dos riscos da economia. Donald Trump foi um ausente-presente.
A política monetária ficou de lado dos discursos dos líderes dos principais bancos centrais mundiais em Jackson Hole, Wyoming, tal como já era esperado, mas foram várias as mensagens que Mario Draghi (Banco Central Europeu), Janet Yellen (Reserva Federal norte-americana) e outros líderes quiseram transmitir no simpósio económico do passado fim de semana. Se os investidores ainda esperavam por um pequeno sinal acerca da retirada dos estímulos na Zona Euro ou EUA, essas expectativas foram defraudadas.
“Alguns de vós voaram 10, 15 horas para chegar aqui, e têm estado sentados sem ouvir qualquer palavra sobre política monetária”, brincava Jason Furman, antigo conselheiro de Barack Obama, citado pelo The New York Times.
Na verdade, foram poucas as palavras acerca das ações dos bancos centrais nos três dias de conferências, encontros formais e informais, almoços e caminhadas no retiro de montanha de Jackson Hole. Os discursos centraram-se sobretudo nas ameaças ao comércio livre de políticas populistas e protecionistas e ainda na necessidade de manter a regulação financeira que foi implementada após a crise do subprime de 2007. Donald Trump não foi a Jackson Hole, mas o Presidente norte-americano esteve bem presente.
Contra o protecionismo
Num encontro cujo tema era “Promover uma Economia Global Dinâmica”, Mario Draghi não fugiu ao debate. Defendeu que políticas económicas protecionistas podem ameaçar aquilo que os bancos centrais estiveram a suportar nos últimos anos: a retoma económica mundial. “Um elemento central dos esforços para aumentar a produtividade — e criar uma economia global dinâmica — deve envolver respostas a preocupações relativamente à abertura das economias”, referiu o presidente do BCE.
“Um regresso ao protecionismo representa um risco sério para a manutenção do crescimento da produtividade e crescimento potencial na economia global”, disse ainda.
Grande parte das discussões esteve centrada neste tema. Isto depois de um ano em que políticas económicas populistas ganharam ascensão em várias partes do mundo. Mais concretamente, no Reino Unido que há um ano votou a saída da União Europeia e ainda nos EUA, onde Donald Trump tem promovido restrições ao comércio internacional.
"Um regresso ao protecionismo representa um risco sério para a manutenção do crescimento da produtividade e crescimento potencial na economia global.”
Manter regulação no sistema financeiro
Na sua intervenção, a presidente da Fed alertou para as alterações que a Administração Trump pretende efetuar na regulação financeira que foi implementada na era Obama na sequência da crise financeira que rebentou nos EUA em 2017. Janet Yellen avisou que uma desregulação significativa poderá ser prejudicial para a economia.
“Qualquer ajustamento ao quadro regulatório deverá ser modesto e preservar o aumento da resiliência dos maiores bancos, que está associado às reformas feitas nos últimos anos. (…) Uma maior resiliência sustenta a capacidade dos bancos e outras instituições financeiras de emprestar, apoiando assim o crescimento económico nos bons e maus momentos”, frisou Janet Yellen, num discurso que os analistas consideram que não será bem recebido na Casa Branca.
Em causa está a intenção de reverter a lei que ficou conhecida como Dodd-Frank, criada para evitar um novo colapso no sistema financeiro, igual ao que aconteceu com a crise do subprime, nos EUA. Trump considera que há demasiadas regras impostas aos bancos que limitam a sua capacidade de emprestar dinheiro às empresas e famílias, e pretende aliviar as restrições.
Paul Ashworth, economista-chefe da Capital Economics: “A defesa apaixonada de Yellen do aperto da regulação pós-crise não cairá particularmente bem na Casa Branca”. Isto quando o seu mandato de quatro anos termina no início do próximo ano e Trump já por várias vezes deixou a indicação de que vai haver mudanças na liderança do poderoso banco central americano.
Sobre este ponto, Draghi frisou que “nunca há um bom momento para ter uma regulação relaxada”.
"Qualquer ajustamento ao quadro regulatório deverá ser modesto e preservar o aumento da resiliência dos maiores bancos, que está associado às reformas feitas nos últimos anos. (…) Uma maior resiliência sustenta a capacidade dos bancos e outras instituições financeiras de emprestar, apoiando assim o crescimento económico nos bons e maus momentos.”
E o futuro da política monetária na Zona Euro?
Não foram dadas muitas pistas acerca do futuro dos programas de quantitative easing nos EUA e na Zona Euro. E, embora tanto a Fed como o BCE já tenham sinalizado que uma decisão acerca da retirada dos estímulos vai ser tomada em breve, este era um tema que muitos investidores esperavam que fosse abordado no simpósio organizado pela Fed de Kansas.
Numa sessão de perguntas e respostas após o seu discurso na sexta-feira, Mario Draghi não conseguiu escapar ao assunto. Disse que os esforços do BCE na recuperação da economia do bloco da moeda única resultaram, mas ainda não foram suficientes para sustentar os preços. “A convergência da inflação na Zona Euro ainda não é sustentável” e, por isso, “é necessário manter um elevado grau de acomodação monetária”, declarou o presidente do BCE. E sobre o programa de compra de ativos? “Tem sido bem sucedido porque a retoma… está a ganhar tração”, indicou.
Palavras que surgem numa altura de alguma expectativa em relação ao plano de aquisição de dívida pública, que deverá conhecer novo rumo agora no outono. Em Jackson Hole, Draghi frisou que há fatores que estão a atrasar o crescimento mais célere, nomeadamente os salários. Para já, o seu discurso vai tendo impacto no mercado cambial, onde o euro volta a apreciar contra o dólar depois de não ter abordado a questão da valorização excessiva da moeda única.
Yellen quase não falou do atual estado da maior economia do mundo. E Haruhiko Kuroda, presidente do Banco do Japão, disse em entrevista à Bloomberg o mesmo que havia dito há dois meses em Sintra: o banco nipónico vai continuar com uma política expansionista durante algum tempo porque a inflação continua a ser uma ameaça.
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