Esta é a máquina que produz os influenciadores
Têm milhares de seguidores e ganham centenas de euros por cada publicação que fazem nas suas redes sociais. Mas por detrás de um grande influenciador está, provavelmente, uma máquina maior.
Não é raro, se for um utilizador de redes sociais, deparar-se no seu feed com publicações parecidas com esta: uma rapariga jovem, bonita e cool bebe um sumo num dos rooftops mais populares da cidade. A descrição da imagem vem reiterar o que transparece a fotografia: “Com este sumo sinto-me como se estivesse no meio da praia. E sem sair da cidade.” Seguem-se os hashtags, em que se deverão incluir a marca da bebida.
Na verdade, tratar-se-á de um de dois casos: ou a rapariga está a gostar tanto do momento que está a viver e do produto que está a consumir ou este cenário foi produzido por uma marca para que assim pareça. E pode até surgir-lhe a dúvida: mas eu até conheço esta pessoa, ela não é uma celebridade. Pois não, mas este é um novo tipo de marketing, aquele que utiliza os “famosos” das redes sociais para difundir mensagens.
Chamam-lhes influenciadores: estão pelas fotografias do Instagram, nas publicações do Facebook, nos vídeos do YouTube e até a fazer a transição do digital para o analógico, transformando-se em verdadeiras celebridades, como se fossem atrizes, músicos ou políticos. São seguidos por milhões de pessoas nas plataformas digitais e têm agora este poder de influenciar as escolhas de quem os acompanha. E as marcas não querem deixar passar esta oportunidade de comunicar os seus produtos através deles.
"Este fenómeno vem do inicio do século passado e chamava-se Word Of Mouth, em que as pessoas confiavam mais naquilo que lhe era recomendado por pessoas que conhecem, nesta altura no offline.”
“Este fenómeno vem do inicio do século passado e chamava-se Word Of Mouth, em que as pessoas confiavam mais naquilo que lhe era recomendado por pessoas que conhecem, nessa altura no offline“, explica ao ECO Francisco Ascensão, diretor da agência Youzz. “Agora isto passou para o online, passámos a acreditar muito em quem seguimos.”
Uma nova ligação entre influenciadores e marcas
A Youzz, de Francisco Ascensão, é uma das agências nacionais que faz a ponte entre marcas e influenciadores, mas está longe de ser a única. “E vão abrir cada vez mais, com o crescimento do negócio”, sublinha ao ECO, Sérgio Meireis, responsável pela Cheese Me, esta que se intitula “a primeira agência em Portugal” a focar-se apenas nos influenciadores de Instagram. Nasceu em 2016.
“Criar esta empresa foi voltar às necessidades que tinha na minha antiga profissão, ligada ao marketing, em que faltava um canal relacional”, relembra o responsável pela Cheese Me. “Sentíamos que, quando fazíamos alguma comunicação offline ou online, havia resultados. Mas quando víamos mais resultados era quando um cliente nos recomendava.”
A emergência deste novo tipo de marketing levou a que, não só as agências tradicionais de publicidade e relações públicas fossem obrigadas a ver este como um fenómeno que tem de ser tido em conta, como também ao advento de um novo tipo de enquadramento mediático, com novos conceitos, novas estratégias e, até, novos orçamentos.
Na altura, as agências de publicidade e relações não estavam despertas para esta realidade, sendo que Sérgio conta que quando pedia orçamentos para ações de recomendações feitas por celebridades nacionais, os números eram, em média, maiores do que o que uma marca estava disposta a pagar. Mais tarde veio a perceber que mais vale mais pessoas menos famosas do que apenas uma pessoa amplamente conhecida. E surgiu a Cheese Me.
“A primeira marca que teve interesse foi uma marca nacional de bebidas. E, a partir daí, começou uma jornada de aumentar marcas e influenciadores”, concretiza Sérgio. Hoje em dia, a agência conta com um portefólio de 50 marcas grandes, entre vários setores de atividade, e 500 influenciadores caracterizados como “muito relevantes”.
Celebridades ou meros desconhecidos?
Para mergulhar fundo no mundo dos influenciadores, os especialistas recorrem a um esquema em triângulo que começa pelos microinfluenciadores e sobe, passando pelos macroinfluenciadores até chegar às chamadas celebridades. Esta divisão é estabelecida não só pelo número de seguidores como pelo tipo de conteúdo produzido e a gratificação que recebem.
Escala de influenciadores e as suas diferenças
No caso dos microinfluenciadores, e como explica Sérgio Meireis, “somos todos influenciadores”. Ou seja, a partir do momento em que qualquer utilizador tem seguidores numa rede, pode ser considerado um influenciador numa abordagem micro. Estes têm até 10 mil seguidores e, habitualmente, ou não recebem nada por produzir o conteúdo ou é-lhes dada uma pequena gratificação — um produto, uma experiência — pelo seu feedback.
"Sentíamos que quando fazíamos alguma comunicação offline ou online havia resultados, mas quando víamos mais resultados era quando um cliente nos recomendava.”
É como esta camada que trabalha a Youzz. “Nós pegamos em pessoas com menos audiência mas mais credibilidade, ou seja, que não estão tão altas na pirâmide, e aplicamos a campanha a mais pessoas, o que faz com que se produza um efeito muito superior”, explica Francisco.
Através de questionários feitos diariamente aos inscritos na plataforma, a empresa vai “afinando o perfil” de cada um, para depois planear as campanhas à medida das empresas. Este modelo está já a ser aplicado noutros mercados, sendo que a Youzz já se viu a mãos com quase 700 marcas, de setores tão diferentes como a cosmética ou a alimentação.
Já no patamar acima, encontra-se a “relevância” de que Sérgio falava quando se referia aos influenciadores da sua comunidade. Os macroinfluenciadores são aqueles que têm entre os 10 mil e centenas de milhares de seguidores e que, habitualmente têm o conteúdo mais controlado pelas marcas, justificando-se um investimento maior. Ainda assim, a Cheese Me rege-se ainda pela regra de ter mais influenciadores pequenos a espalhar a mensagem da marca, de uma forma orgânica.
No topo, estão as celebridades, ou as figuras de culto das redes sociais, cujos seguidores ultrapassam já a casa dos milhões — quer seja um milhão ou 100 milhões. Este é já um estatuto que equipara os influenciadores aos atores ou músicos que são, no sentido lato da palavra, celebridades, ainda que permita à empresa pôr menos zeros na fatura.
É no cruzamento entre os macroinfluenciadores e as celebridades que atua a Samyroad. A empresa espanhola, representada em Portugal por Francisco Morgado Véstia, não se assume como um meio de agenciamento de influenciadores, mas um agregador de perfis públicos, que apresenta as melhores propostas às marcas, conforme o seu plano.
“Não agenciamos, fazemos ligação das pessoas com valor de influência com marcas para utilizarmos as melhores pessoas para fazer aquele conteúdo”, explica Francisco, afirmando que juntam na sua base de dados as informações disponibilizadas pelos utilizadores de Instagram e YouTube que têm as suas contas abertas ao público. Com escritórios em quase uma dezena de países, a agência foi já responsável por projetos da Sagres, da Kia e até da Microsoft.
Um like = 10 mil milhões de dólares
Ainda que todos possam ser influenciadores, as marcas têm de ter uma garantia de que os seus investimentos são rentáveis, havendo então um perfil de pessoa que é mais suscetível a ser escolhida para representar uma marca. Nas palavras de Francisco Ascensão, este processo é uma “combinação de três pilares”.
“Tipicamente a primeira análise que se faz é a audiência, mas isto por si só não serve quando falamos de algoritmo e do impacto real que as pessoas podem ter. Falamos depois de ressonância, ou seja, o efeito que a pessoa tem na sua audiência, medida através do engagement, dos gostos e dos comentários, e das questões geográficas”, explica Francisco da Youzz. “Depois olhamos para a relevância, ou seja, a autoridade que alguém tem num tópico”.
Enquanto este negócio se desenvolve nas palmas das mãos de todos nós, está longe de ter uma dimensão proporcional. Neste momento, o mercado do marketing de influência está avaliado em dois mil milhões de dólares. No entanto, três anos serão o suficiente para que este valor quintuplique para os 10 mil milhões de dólares.
E é fácil perceber porquê. O Instagram tem agora mais de 800 milhões de utilizadores sendo, ao mesmo tempo, a rede favorita tanto dos influenciadores como dos millennials. De acordo com a mesma fonte, o site Statatista, o Facebook tem 2,2 mil milhões de utilizadores e o YouTube conta com 1,5 mil milhões.
Por outro lado, os meios de comunicação tradicionais têm perdido audiência, com os utilizadores a terem muito mais oportunidade de escolher o que querem e o que não querem ver. As receitas de publicidade (ou a falta delas) têm arrastado jornais e televisões para a falência, enquanto plataformas como o WordPress e o Netflix têm concentrado os olhos de milhões.
Mesmo os canais de publicidade que tinham sucesso até então, como a internet ou os cartazes, parecem estar já a fraquejar. Enquanto no primeiro campo, quase 30% dos utilizadores web usam aplicações para bloquear anúncios nas páginas, na vida real é o nosso próprio comportamento a bloquear os estímulos publicitários.
“Há uma probabilidade muito grande de alguém passar por um múpi e ir a olhar para o telemóvel, as pessoas andam na rua a olhar para o telemóvel, arriscam-se a conduzir a olhar para o telemóvel”, diz Sérgio da Cheese Me.
Já a Activate, uma das maiores agências de influenciadores do mundo, afirma na sua visão anual do mercado que o esforço dos criadores de conteúdo e a confiança dos consumidores vai fazer com que este mercado chegue a lugares nunca antes atingidos.
“O objetivo do marketing de influência não é apenas pagar a alguém para regurgitar a mensagem pré-embalada da marca”, pode ler-se no State of Influencer Marketing. Em vez disso, quer estabelecer relações bidirecionais com influenciadores, de forma a que a mensagem patrocinada atinja um nível que passe a ser storytelling“.
"Há uma probabilidade muito grande de alguém passar por um múpi e ir a olhar para o telemóvel, as pessoas andam na rua a olhar para o telemóvel, arriscam-se a conduzir a olhar para o telemóvel.”
As marcas estão então a abrir os cordões das bolsas reservadas à comunicação e marketing e a canalizar o dinheiro para estas novas plataformas, e vão cada vez abri-los mais, como apontam as previsões da Mediakix.
Previsão dos gastos das empresas com marketing de influência
Mas afinal, dá para viver das redes sociais?
Parece então a vida perfeita. Criar conteúdo, receber produtos e ainda ser pago para isso. Ainda assim, ser um influenciador não implica só publicar conteúdo, em especial quando se quer fazer da influência uma profissão. Segundo as agências, o segredo é a coesão e dedicação.
“Um influenciador tem de se identificar com as marcas para percorrerem juntos um caminho de credibilidade”, aponta ao ECO Sérgio Meireis, apontando que se um influenciador se quiser destacar numa área, tem de ser coerente. “Esta credibilidade só será alcançada se no decorrer as coisas sejam bem feitas, sem atalhos”.
Para além disto, os marketeers que estiveram à conversa com o ECO apontaram como futuro da área a especialização. “Vamos começar a seguir a pessoa dos sapatos, a pessoa das viagens, e a confiar nelas nesses assuntos”, diz-nos o responsável da Samyroad. Será a partir deste ponto que os influenciadores atingem uma monetização relevante — ou seja, receitas através da publicação de conteúdos.
E por fim, resta falar de números porque, para se viver de alguma atividade, tem de ser possível subsistir com os lucros dela retirados. Como agência de microinfluenciadores, a Youzz afirma que os seus agenciados recebem gratificações em produtos ou serviços, ou seja, o lucro não é substancial.
Na Cheese Me, cada caso é um caso, como explica Sérgio: “Podemos ter um influenciador que está a começar e vai receber menos por um post ou outro que tem já trabalhou com dezenas de marcas e tipicamente pratica valores de 300, 400, 500 euros por publicação“. Em comparação, as celebridades cobram, tipicamente cinco a oito vezes mais.
Já a Samyroad, tem a sua tabela fixada: “O valor que oferecemos tem a ver com o histórico das campanhas, mas também com o benchmark que aplicamos no mundo inteiro, e um rácio do valor aplicado à publicidade”. Contas feitas, a resposta não é conclusiva. Mas mesmo que agora muitos não possam fazer da influência vida, corre muito dinheiro nesta máquina cada vez mais bem oleada.
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