Governo tem dinheiro para gastar com o vírus? “Há folga”, defendem economistas

Perante a pandemia do novo coronavírus, economistas contactados pelo ECO defendem que a possibilidade de um país registar um défice existe para estas alturas. Tudo dependerá das escolhas políticas.

O novo coronavírus já chegou a Portugal e são mais de 60 os casos confirmados até agora. O vírus está a ter impacto na economia mundial e muitos países anunciaram pacotes de estímulo para fazer face à pandemia. Portugal tem dinheiro para aplicar no controlo do surto? Os economistas contactados pelo ECO defendem que a possibilidade de um país registar um défice existe para estas alturas. Mas onde se vão buscar as verbas para mitigar os efeitos dependerá de escolhas políticas. Ainda assim, o impacto deverá ser “temporário”.

O primeiro-ministro garantiu que não está previsto nenhum Orçamento retificativo, esta terça-feira. Mesmo assim, o PSD já se mostrou disponível para aprovar um, caso fosse necessário. O economista João César das Neves considera que, “com o Orçamento em vias de equilíbrio, o Governo tem uma grande folga”. O próprio ministro das Finanças já admitiu a possibilidade de o país já ter registado um excedente das contas públicas em 2019, isto porque a atividade económica acabou por se revelar mais robusta no quarto trimestre do ano — o PIB cresceu 0,7% no quarto trimestre, mais do que o dobro do ritmo de expansão nos três meses anteriores — com impacto positivo nas receitas fiscais. A previsão do Executivo apontava para um défice de 0,1% do PIB, mas o Conselho das Finanças Públicas já alvitrava a possibilidade de um excedente.

José Reis também considera que o Governo tem alguma folga. “Sobretudo porque estamos numa altura em que só a ação pública é que pode de alguma forma ajudar a sociedade e a economia a encontrar caminhos de alguma sustentabilidade“, explica o professor de Economia da Universidade de Coimbra, até porque a Comissão Europeia já demonstrou flexibilidade para que a despesa usada para mitigar os efeitos do Covid-19 não venham a ser contabilizados no défice, para que até os países a braços com o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade possam avançar medidas de fôlego para evitar o contágio nas pessoas e na economia.

Para Luís Aguiar-Conraria, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, “a folga é para combater o vírus não é tanto para garantir que a economia cresce“. Até porque, como recorda João Loureiro, professor da Faculdade de Economia do Porto, “atendendo ao processo de ajustamento orçamental que ainda está a ocorrer, depois de vários anos de défices orçamentais crónicos e que culminaram com o pedido de assistência financeira internacional, a atual margem de manobra do Governo português é relativamente limitada”. Para este ano, o Executivo antecipa um excedente de 0,2%, com a economia a crescer 2%, mas o primeiro-ministro já anunciou que vai rever as previsões económicas em abril, por altura da apresentação do Programa de Estabilidade. “No Programa de Estabilidade vamos ter ocasião para proceder à atualização das previsões de crescimento económico que serão afetadas pela situação que estamos a viver”, reiterou esta terça-feira António Costa, depois de já ter anunciado esta revisão no debate quinzenal. “As previsões não vão ficar imunes à realidade”, frisou.

O Executivo já anunciou o lançamento de uma linha de tesouraria para apoiar as empresas afetadas pelo surto de coronavírus, no âmbito do programa Capitalizar. O valor era de 100 milhões de euros, mas entretanto o Governo decidiu duplicar este montante, tendo também avançado com uma simplificação do lay-off, com o alargamento dos prazos de pagamento dos impostos e a flexibilização de algumas medidas ao nível dos fundos comunitários. Mas para João César das Neves o Estado “devia aliviar impostos e endividar-se para fazer as despesas que o país necessite nestas circunstâncias”.

Défices são “para emergências destas”

Quanto ao impacto destas medidas no Orçamento, o professor da Católica aponta que “é para emergências destas que existe a possibilidade de ter défices”. João César das Neves acrescenta ainda que não se pode “pôr o interesse político-contabilístico acima do interesse nacional”, numa referência aos dividendos políticos que o Executivo pretende retirar com o facto de ser responsável pelo primeiro excedente orçamental em democracia, em Portugal, mas também ao “brilharete” que o ministro das Finanças quer ter no seu palmarés, num momento em que é quase tida como certa a sua saída da pasta para rumar ao Banco de Portugal.

Luís Aguiar-Conraria também defende que as preocupações em seguir uma estratégia de consolidação orçamental são também para que nestas situações de emergência este poder ser usado. O economista aponta que a derrapagem do défice dependerá se este é um choque temporário ou permanente. E tudo aponta para que seja limitado no tempo, até porque o professor da Universidade do Minho, acredita que, mais à frente, será encontrada uma vacina. Assim, o investimento que vier a ser feito é “datado no tempo”. Se o défice for, por exemplo, de 4%, no próximo ano não é preciso voltar ao zero, porque “são despesas que não são repetíveis”, diz Luís Aguiar-Conraria. Para o economista “não é muito grave se o défice for elevado porque é fácil corrigi-lo”. Ainda assim, admite que este choque, a ter um efeito mais prolongado, é no turismo.

João César das Neves é perentório: o deslize é “até onde for preciso e ainda ninguém sabe até onde será preciso”.

Para José Reis, previsões de derrapagem do défice são ainda prematuras. “Neste momento estamos no meio de uma profunda incerteza, quer da economia mundial, europeia e nacional”. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) já reviu em baixa a previsão para o crescimento global por causa dos coronavírus. Em vez dos 2,9% antecipados em novembro, o mundo só deverá crescer 2,4% este ano e a Zona Euro deverá crescer menos de 1%.

“A crise económica que, muito provavelmente, vai decorrer do problema de saúde pública global vai, por si só, ter impacto negativo sobre as contas públicas por via da menor recolha de impostos e pelo provável aumento da despesa com saúde e com transferências sociais”, aponta João Loureiro. O economista indica ainda que, para além desse efeito, “eventuais aumentos de despesa em resposta à crise estarão dependente daquilo que vierem a ser decisões ao nível da União Europeia para todos os Estados-membros”. Esta terça-feira, o Conselho Europeu decidiu um conjunto de quatro “medidas muito fortes” a adotar. Será criado um novo programa Juncker, serão adotados mais apoios para as Pequenas e Médias Empresas (PME) e será dada mais flexibilidade no PEC e na política de concorrência.

Onde se vai buscar o dinheiro?

Para responder ao surto do novo coronavírus, o Governo pode usar a dotação provisional, a reserva orçamental, “e muito mais”, exemplifica João César das Neves. Luís Aguiar Conraria também considera que onde se vão buscar as verbas são escolhas políticas, mas na sua opinião a prioridade deve ser equipar os hospitais, nomeadamente garantindo que há ventiladores suficientes.

O economista relembra que foi anunciado um aumento no orçamento da Saúde, sendo que o reforço poderia ser focado neste assunto em concreto durante este ano, e em 2021 então realizar as melhorias programadas.

De facto, a ministra da Saúde já adiantou, esta quarta-feira no Parlamento, que as medidas aplicadas para conter a epidemia já tiveram um impacto de dez milhões de euros no Orçamento da Saúde.

Existem vários instrumentos e mecanismos para esta situação, e “o importante é que a riqueza existente no país seja posta à disposição da recuperação da sociedade”, conclui José Reis.

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