O secretário-geral da CGTP sublinha que este é o momento certo para fazer aumentos salariais na Função Pública. Ao ECO, Arménio Carlos deixa também algumas notas sobre os professores e os enfermeiros.
Para Arménio Carlos, já não há argumentos que justifiquem a ausência de aumentos remuneratórios na Função Pública. No dia em que os trabalhadores do Estado fazem greve a nível nacional, o dirigente da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) defende que este é o momento certo para se proceder a essa valorização salarial generalizada, tão reivindicada e igualmente tão adiada (o último aumento deste tipo aconteceu em 2009).
Ao ECO, Arménio Carlos deixa ainda umas notas sobre o impasse negocial vivido pelos professores sobre a contabilização do tempo de serviço congelado, reforçando que cada dia que passa contribuiu para a “radicalização” das posições.
E sobre a luta dos enfermeiros, o secretário-geral da CGTP lança críticas fortes ao Governo, mas também não deixa de colocar em dúvida o processo de crowdfunding utilizado por estes trabalhadores para sustentarem as suas paralisações. “É um bom negócio para o gestor do fundo”, atira o sindicalista.
Temos um surto de greves muito significativo após a aprovação do Orçamento do Estado. Os trabalhadores não aceitam que, ao mesmo tempo que se diz que não há disponibilidade financeira do Estado para responder às suas reivindicações, sejam confrontados com a disponibilização de verbas ao setor financeiro.
Esta semana, os funcionários públicos fazem greve. Esta onda de contestação tão forte acontece por estarmos em ano de eleições?
Esta greve não resulta do facto de haver eleições este ano. Ela decorre do facto de não haver resposta positiva a uma série de reivindicações dos trabalhadores por parte do Governo. Há dez anos que não há aumentos salariais, continuamos com o processo das carreiras bloqueado (os professores, os enfermeiros, os técnicos de diagnóstico), continuamos a verificar que é necessário reforçar os serviços públicos para dar resposta às populações. São estas as razões que estão na génese do descontentamento que se verifica e das greves que têm lugar. Pela primeira vez nos últimos anos, temos um surto de greves muito significativo após a aprovação do Orçamento do Estado. Isto quer dizer que os trabalhadores não compreendem e não aceitam que, ao mesmo tempo que se diz que não há disponibilidade financeira do Estado para responder às suas reivindicações, sejam confrontados com a disponibilização de verbas ao setor financeiro, como aconteceu na semana passada. Em apoio ao Novo Banco, o Fundo de Resolução vai ter de pagar mais de mil milhões de euros.
Esta greve acontece num momento particularmente atribulado ao nível da contestação. A concentração de tantas greves pode acabar por provocar ruído e minar as possibilidades de sucesso dessas causas?
Não. A partir do momento em que os trabalhadores se disponibilizam para lutar, estão mais próximos do sucesso do que do insucesso. As pessoas quando lutam fazem-no por duas razões. Primeiro, é porque não estão satisfeitas e sentem necessidade de valorizar o seu trabalho. A segunda é porque entendem que as suas reivindicações são possíveis de realizar, queira o Governo assim corresponder. A abertura que temos para negociar é a mesma que temos para que através da contestação se encontrem outras soluções. Nós acreditamos que só com a luta que consegue obter resultados. Aliás, como se provou no passado. Ao fim de quatro anos, havia quem dizia que não era possível retirar a direita do poder e foi a luta dos trabalhadores que ajudou em larga escala a que a direita perdesse a sua base eleitoral e que ficasse em minoria na Assembleia da República, o que levou a esta solução [governativa]. Foram quatro anos muito duros, mas a luta resultou.
Não seria de esperar que os partidos à esquerda fossem agora mais vocais nestas lutas dos trabalhadores?
Eu creio que os partidos à esquerda do PS, no essencial, têm estado solidários com as lutas dos trabalhadores. Estes partidos têm tido uma posição de cooperação e de solidariedade. O país neste momento tem condições para ir muito mais longe, corresponder às reivindicações dos trabalhadores.
Mas pensa que a geringonça enquanto solução governativa fez a esquerda ser mais tímida no seu apoio? Ou não sente essa diferença?
Creio que não há nenhuma condicionante para [a esquerda] apoiar a luta dos trabalhadores. Aliás, é a partir daí que [esses partidos] podem marcar a diferença em relação do Governo socialista.
Anteriormente, a desculpa para a não atualização dos salários era a recessão económica. Posteriormente, a estagnação. E agora como se justifica? Com o crescimento da economia, é caso para perguntar: Se não for agora, quando será? Na nossa opinião, é agora. Pode e deve ser.
Um dos principais motivos para a paralisação desta semana é a atualização da base remuneratória da Função Pública sem a subida geral dos salários. Fazendo uma avaliação da economia nacional, acha que este é o momento certo para pedir esse aumento remuneratório? Há meios para o cumprir?
Há. Em primeiro lugar, porque há dez anos que os trabalhadores do Estado não têm qualquer tipo de aumento salarial. Depois, porque anteriormente a desculpa para a não atualização era a recessão económica. Posteriormente, a estagnação. E agora como se justifica? Com o crescimento da economia, é caso para perguntar: Se não for agora, quando será? Na nossa opinião, é agora. Pode e deve ser.
O primeiro-ministro admitiu proceder a esses aumentos, em 2020. Que avaliação faz dessas declarações?
Aquilo que foi dito é que se admita a hipótese de aumentar os salários, se a economia permitir. O que quer dizer que isto dá para tudo, inclusivamente para não haver resposta no próximo ano. O que nós dizemos é que mais do que estar a admitir a hipótese no próximo ano, nós queremos a certeza este ano. Há outro dado que eu acrescento. Não é pelo aumento dos salários que a economia tem problemas. O aumento dos salários vai animar e dar força a economia, porque vai aumentar a procura interna e a que ajudar a que haja mais emprego. Num país em que 95% das empresas trabalham para o mercado interno, se nós apostarmos no lado da procura vamos estimular a economia. Todos ganham.
Diz que as palavras de António Costa dão “para tudo”. Acha, portanto, que talvez tenha sido mais uma promessa de campanha eleitoral do que propriamente um anúncio?
Não. [As declarações do primeiro-ministro foram] uma forma de fugir à resposta que tem de ser dada agora. Há falta de argumentos, deixa no ar um qualquer compromisso para o ano que vem. E o que nós achamos é que as respostas são para ser dadas agora, porque nós não sabemos o que acontecerá amanhã.
Esta luta, que supostamente já estava perdida há muito tempo, está longe de ser perdida; neste momento até está a ser ganha. Nunca houve uma unidade e uma coesão tão grande dos professores em torno das suas estruturas sindicais como agora se está a verificar.
Ainda estão por retomar as negociações com os professores. O Governo está a empurrar este assunto para o próximo Executivo?
Nós entendemos que se há um problema nada melhor do que tomar medidas agora para o resolver. Cada dia que passa sem resposta é mais um dia que leva à radicalização das posições. Nós entendemos que devem ser criadas condições para a aproximação de posições. Portanto, a CGTP considera que é importante que o Governo convoque os sindicatos dos professores e com eles discuta as soluções para ultrapassar esta matéria.
Esta não será já uma luta perdida? O Governo vai acabar por concordar em contar os nove anos, quatro meses e dois dias?
As lutas só são perdidas quando se perdem. E que eu saiba, até agora, esta luta, que supostamente já estava perdida há muito tempo, está longe de ser perdida; neste momento até está a ser ganha. Nunca houve uma unidade e uma coesão tão grande dos professores em torno das suas estruturas sindicais como agora se está a verificar.
Faço-lhe esta pergunta porque o primeiro-ministro já garantiu que o processo só será reaberto quando estiverem novas propostas em cima da mesa. Como é que se pode renovar a vitalidade desta questão? O processo ganharia com a mudança das vozes, talvez um novo ministro ou mesmo novos representantes sindicais?
Mais do que mudar pessoas, é necessário acertar políticas para resolver os problemas. O Governo tem de cumprir com aquilo que foi acordado na Assembleia da República, ou seja, a contabilização de todo o tempo de serviço deve ser assumida e agora o que é preciso é planificar a forma como se vai concretizar isso.
A requisição civil [dos enfermeiros] não resolve problema nenhum. Pelo contrário, agrava os problemas que já existem e afasta as partes de uma solução que é desejável.
No que diz respeito aos enfermeiros, o Governo não tinha mesmo outra opção que não a de aprovar a requisição civil?
Se o Governo tivesse há mais tempo tido em consideração as reivindicações dos enfermeiros, provavelmente não estaríamos na situação que hoje estamos. A requisição civil não resolve problema nenhum. Pelo contrário, agrava os problemas que já existem e afasta as partes de uma solução que é desejável para se responder aos problemas de acesso aos serviços. Se há algo importante a preservar, para além dos direitos dos enfermeiros, é o acesso à saúde. O Governo tem duas obrigações. Enquanto entidade patronal, tem de resolver o problema dos enfermeiros. Enquanto entidade que representa o Estado, tem de assegurar que as pessoas têm acesso ao Sistema Nacional de Saúde.
Como é que este assunto deveria estar a ser tratado pelo Governo para que se chegue a bom porto?
O Governo deve convocar os respetivos sindicatos e deve retomar as negociações para procurar pontos de aproximação. Pode, neste processo, não se resolver tudo de imediato, mas a partir do momento em que o Governo dê sinais de responder a algumas das posições que estão expostas, pode criar condições para depois prosseguir a discussão sobre as matérias mais complexas.
Ainda sobre os enfermeiros e quanto ao crowdfunding, está ou não em causa a violação da lei?
A CGTP tem um método que é muito eficaz e transparente. Quando se agenda uma greve, os trabalhadores já sabem à partida que ao fazê-la não vão receber, no final do mês, a respetiva retribuição correspondente às horas da paralisação. Isto é importante porque confirma que os trabalhadores não vão para a greve pela greve, só vão para a greve em última instância, o que tem consequências do ponto de vista da sua remuneração. Também clarifica junto da entidade patronal que não se faz a greve pela greve, mas que essa luta é socialmente responsável e tem por base a exigência de respostas aos problemas dos trabalhadores. Em terceiro lugar, é um sinal de transparência para a sociedade e de que não há nada a esconder.
Quantos aos outros métodos usados por outros [como crowdfunding], é muito estranho que uma parte do dinheiro que alguns enfermeiros estão a descontar para esse fundo em solidariedade com a greve dos colegas não vá para eles, vai diretamente para o gestor de fundo que recebe cerca de 7,5% do valor total. A última vez que se deram números, deu-se conta de 400 mil euros recolhidos. Isso quer dizer que o gestor do fundo, só nesta segunda parte, recebeu cerca de 30 mil euros. É caso para dizer que é um bom negócio para o gestor do fundo.
Que impacto pode ter o prolongamento dessas lutas na opinião pública. Os enfermeiros, por exemplo, arriscam perder a simpatia dos portugueses?
Isso é discutível. A questão de fundo é identificar as razões pelas quais os enfermeiros estão em greve e se o Governo fez tudo ou não que estava ao seu alcance. É evidente que uma greve com este prolongamento pode suscitar dúvidas na população, mas tão importante como discutir os impactos é identificar as causas da greve.
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“Desculpa para não haver aumentos antes era a recessão e depois a estagnação. E agora?”, pergunta Arménio Carlos
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