A vice-governadora do Banco de Portugal, Elisa Ferreira, esteve no ECO24. Falou da venda do Novo Banco, da estabilização do Montepio e da confiança dos portugueses no sistema financeiro.
A vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), Elisa Ferreira, que é também a voz portuguesa no Mecanismo Único de Supervisão, considerou que o Novo Banco ainda tem “fragilidades”, mas que a venda ao fundo Lone Star representou “o fim de uma primeira etapa” da “consolidação progressiva da banca portuguesa“. A responsável pela supervisão bancária do BdP foi a convidada desta quarta-feira do programa ECO24, do ECO e da TVI24, naquela que foi a primeira entrevista de um responsável do BdP depois da venda de um banco totalmente autopsiado “em vida” aos norte-americanos.
Sobre o negócio, pelo qual o Lone Star ficou com 75% do Novo Banco após um investimento de mil milhões de euros (e o Fundo de Resolução com o remanescente), Elisa Ferreira recordou que o banco que resultou da resolução do BES em 2014 sai do estatuto de banco de transição para passar “a ser um banco normal”. “É um banco com fragilidades, não podemos ignorar, esconder. Mas, pouco a pouco, a banca portuguesa começa a entrar num regime de maior estabilidade”, apontou.
Elisa Ferreira descartou a hipótese de que sejam os contribuintes a dar a garantia de 3,8 mil milhões de euros ao negócio, condição do Lone Star para efetivar a compra da instituição. “O Fundo de Resolução é um mecanismo que evita entradas diretas dos contribuintes no capital dos bancos. É financiado pelo sistema bancário português. No fundo, aquilo que há são empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução, que são remunerados. O empréstimo que o Estado fez a esse fundo é pago ao longo dos anos e o Estado recebe um juro pelo empréstimo que está a fazer”, lembrou a vice-governadora, apontando: “Acredita-se que o dinheiro [dos contribuintes] já lá está dentro. Não. O que queremos é fazer o melhor possível no que diz respeito à gestão dessa carteira e também ao resto da carteira.”
Ainda assim, questionada sobre se a resolução do BES foi um erro, face à desvalorização continuada do Novo Banco, Elisa Ferreira considerou que ainda é cedo para se tirar “conclusões desse género”. Voltando à venda, deixou garantias de que houve “uma supervisão conjunta” de Portugal e da Europa sobre a instituição. “O Novo Banco foi, desde o fim de 2014, analisado no Mecanismo Único de Supervisão em mais de 20 sessões, cada uma delas com cerca de uma hora de discussão intensa”, disse. Foi totalmente autopsiado? “Em vida, graças da Deus”, retorquiu Elisa Ferreira.
"[O Novo Banco] é um banco com fragilidades, não podemos ignorar, esconder. Mas, pouco a pouco, a banca portuguesa começa a entrar num regime de maior estabilidade.”
Queixas do BCP? “Não me vou pronunciar”
Outro dos temas quentes da entrevista a Elisa Ferreira foi o do processo intentado pelo Banco Comercial Português (BCP) contra o Fundo de Resolução e contra o Banco de Portugal, que se queixa de que o regulador da banca estará a “distorcer a concorrência”. Ora, a vice-governadora do BdP preferiu não comentar diretamente o caso: “Não me vou pronunciar sobre essa questão.” De qualquer forma, recordou que a venda ao Lone Star, nos termos em que se realizou, foi confirmada pelo regulador europeu da concorrência. “O crivo das eventuais violações de concorrência foi muito fortemente trabalhado desse ponto de vista”, indicou.
“A negociação foi feita de maneira que o valor que o Lone Star oferece, mil milhões, por 75% do banco. O Fundo de Resolução, que era até agora o dono do banco, fica com 25%. Isto não foi com uma entrada de capital adicional. O Lone Star exigiu 75% por mil milhões. Se daqui a cinco, seis, sete, vender a sua cota, nada impede os 25% de irem junto”, atirou ainda a administradora, apontando que “não são beneméritos”, mas que “há uma hipótese de se vir a reembolsar, na mesma linha, a quota de 25% do Estado português” no Novo Banco.
Por fim, dentro deste tema, confrontada com o facto de o conselho de supervisão do Novo Banco apenas ter nomes estrangeiros e nenhum da parte do Estado português, Elisa Ferreira reconheceu: “O Fundo de Resolução tem algum controlo. Gostávamos que fosse mais.” E acrescentou: “No contrato, há algum poder, é até substancial, entregue nas mãos do Fundo de Resolução. Nesses ativos, e até na venda dos outros, há uma possibilidade de o fundo intervir para recuperar esses 3,8 mil milhões”, disse.
O Lone Star exigiu 75% [do Novo Banco] por mil milhões. Se daqui a cinco, seis, sete, vender a sua cota, nada impede os 25% [do Fundo de Resolução] de irem junto.
“Há uma grande manifestação de interesse relativamente ao Montepio”
Sobre o Montepio, o banco que Elisa Ferreira outrora considerou ser dos que ainda era preciso estabilizar, a vice-governadora evitou dizer algo “concreto”. Ainda assim, sobre a entrada de novos acionistas no capital do banco, Elisa Ferreira garantiu que existe “uma grande manifestação de interesse”. “Há muito interesse. Há uma grande manifestação de interesse, que apareceu por vários operadores de mercado, relativamente ao Montepio. A Misericórdia de Lisboa estará a avaliar e outras misericórdias estarão a avaliar também”, admitiu Elisa Ferreira.
De qualquer modo, a vice-governadora disse que o BdP vê com bons olhos a entrada de novos acionistas para além da Associação Mutualista Montepio Geral, uma vez que, defendeu, “se o banco só tem aquele acionista e se este está totalmente ligado ao banco, uma eventual fragilidade do acionista fragiliza logo o banco”. Desta forma, a mudança de estatuto do Montepio para sociedade anónima é algo positivo aos olhos do regulador: “Quando um banco X precisa de aumentar o seu capital para cobrir deficiências do seu modelo de negócio ou exposições, se só tem aquele acionista e se este está totalmente ligado ao banco, uma eventual fragilidade do acionista fragiliza logo o banco. Havendo um novo estatuto, permite maior transparência”, referiu.
Sobre a estabilização do Montepio, Elisa Ferreira admitiu que “estão a ser ultrapassadas fragilidades” e, distanciando-se do caso concreto português, criticou “a ideia de que os bancos são entidades que nunca têm problemas e que nunca vão à falência”. “Estas instituições têm de perceber que não são uma empresa normal. Quando há um problema num banco, tem normalmente impactos sistémicos”, alertou. Questionada se a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa será um bom acionista para a Caixa Económica Montepio Geral, Elisa Ferreira disse: “Um supervisor dirá sempre que um banco mais capitalizado e um banco com acionistas robustos é um banco mais sólido. Se houver um problema, há mais hipótese de um acionista o ir ajudar.”
"Se o banco só tem aquele acionista e se este está totalmente ligado ao banco, uma eventual fragilidade do acionista fragiliza logo o banco.”
Mal-estar com o ministro Centeno? “Tenho andado demasiado ocupada”
A vice-governadora do BdP descartou ainda que existam fricções entre a instituição e o ministério das Finanças. “Tenho andado demasiado ocupada com estas questões dos bancos. As relações institucionais medem-se em momentos concretos e não pelo que a imprensa”, atirou. E acrescentou: “Este processo do Novo Banco foi um processo pesadíssimo. A colaboração entre BdP e Ministério das Finanças foi total. Foi um grande sucesso, porque a alternativa seria ter um problema sistémico enorme no sistema financeiro português. Estivemos a trabalhar lado a lado. Isto só pôde operar com o ministério das Finanças.”
Acerca da plataforma para o malparado, uma iniciativa conjunta de três grandes bancos, cujo objetivo é limpar os milhares de milhões de euros de malparado da banca nacional, Elisa Ferreira considerou ser “um dos vários remédios que estão em curso”. “Há aqui uma conjugação de esforços que têm de partir dos bancos. Saudamos e apoiamos a ideia de que sejam os vários bancos a solucionar os problemas. Nada melhor do que serem eles a tratar”, referiu. Elisa Ferreira avançou ainda que, dos cerca de 50 mil milhões de euros de imparidades existentes na banca, o valor bruto já foi reduzido em oito mil milhões de euros. É por isso que diz: “O trabalho que a banca está a fazer é muitíssimo meritório.”
Face aos problemas registados na banca ao longo dos últimos anos, Elisa Ferreira foi questionada se os portugueses têm agora receio de confiar nos bancos. A vice-governadora acredita, contudo, que essa confiança está a ser restabelecida: “O cidadão comum está, neste momento, a recuperar a confiança no setor bancário. Os portugueses percebem que os bancos estão neste momento num processo de estabilização”, indicou. Mas sem excluir que possam surgir outros problemas.
Elisa Ferreira concluiu a entrevista considerando como “muito importante a recuperação progressiva da economia portuguesa”. “A recuperação do rating da República é muitíssimo importante, até para os bancos portugueses. É importante termos centros de decisão em Portugal”, indicou. Sobre se a recuperação da economia assenta em fatores sustentáveis, a convidada do ECO24 preferiu não comentar.
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Elisa Ferreira: O Novo Banco foi totalmente autopsiado? “Em vida, graças a Deus”
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