Francisco Proença de Carvalho em entrevista: “Nunca vi um procurador ou juiz a pedir desculpa”, assegurou o sócio da Uría Menéndez-Proença de Carvalho, coordenador do RnL que é já 6ª feira, no Kais.
O advogado do mês é sócio do departamento de contencioso, penal e arbitragem da Uría Menéndez – Proença de Carvalho (UM-PC). Com quase uma década ao serviço da sociedade ibérica, o advogado de Ricardo Salgado e coordenador do Rock ‘n’ Law esteve ainda nos casos BCP, BPP, CTT, no caso das Secretas e defendeu o economista canadiano Peter Boone num caso de manipulação da dívida pública portuguesa.
Recentemente premiado pela Iberian Lawyer, como um dos melhores advogados de Portugal e Espanha com menos de 40 anos, revelou os detalhes da próxima edição do Rock ‘n’ Law, que é já dia 22, no Kais, em Lisboa.
Em 2003 licenciou-se em direito na Universidade Católica Portuguesa. Porquê direito?
Não sou daqueles que quando era mais novo via filmes e despertava o sonho de ser advogado. Fui fazendo o meu caminho tranquilamente. Primeiro tive um trauma com a matemática, portanto aboli-a logo no liceu e fui para humanidades. Contra a vontade da minha mãe que queria muito que fosse para economia ou gestão, chegando a inscrever-me mesmo sem eu saber, o que é uma coisa extraordinária… (risos) Depois, terminado o 12.º ano, comecei a perceber que o que gostava era de escrever e quando se vai para esta área, o Direito acaba por dar aquela bagagem maior e uma grande possibilidade de opções profissionais que outros cursos não dão. Ainda pensei em comunicação social, mas entendi que era demasiado redutor. Quando terminei o curso já estava perfeitamente convicto que queria ser advogado e assim foi. Não estou arrependido.
Está quase a comemorar os 10 anos na UM-PC. Como descreve esta década?
Perdi a memória de como era antes (risos). O que acaba por ser um sinal que nos adaptámos muito bem. Ganhei muitas experiências pessoais, no sentido que tenho conhecido imensas pessoas extraordinárias. Do ponto de vista profissional deu-nos mais facilidade em estar presentes nos grandes casos, nas grandes operações. Temos equipas muito bem preparadas e um escritório que me parece muito bem organizado. São 10 anos de absoluto sucesso. Diria que foi a fusão perfeita, em que juntámos duas realidades completamente diferentes e fizemos um escritório muito bem enquadrado no mercado português, numa posição excelente e portanto também sinto a minha pequena dose de orgulho nesta construção.
Por um lado a clientela é diferente do que a que teve há 10 anos. Por outro lado o facto de estar numa estrutura aumenta o conflito de interesses e provavelmente o fecho de portas a outro tipo de clientes…
É verdade… Quando estamos numa realidade tão grande e tão institucional o “eu” deixa de existir e passa a existir o “nós” e o interesse comum. Isso é algo que é bom, pois temos mais força como conjunto. É uma perspetiva obviamente de uma advocacia mais organizada, mais empresarial, mas também mais burocrática. Isso faz parte das regras. Depende de cada um, mas continuo a sentir-me livre. Dito isto, entendo que uma das coisas boas da advocacia é a possibilidade de nos organizarmos em diferentes modelos. Desde a mais livre prática individual até grandes sociedades de advogados. Todas são muito meritórias e creio que seria capaz de me adaptar a qualquer delas.
Em quem votou nas últimas eleições?
Em tempos colaborei com o Gabinete de Estudos do PSD, mas não sou filiado em nenhum partido. Nada contra quem é, mas tenho um lado profundamente livre e fui educado muito neste sentimento de liberdade em que a nossa liberdade de pensamento e a liberdade de um advogado são coisas absolutamente essenciais. Portanto, tudo o que de alguma forma nos possa condicionar um pouco é uma coisa que tento evitar. Não vou, obviamente, dizer em que votei, mas gosto muito de política e de ir dando a minha opinião sobre os diferentes temas.
Define-se politicamente pragmático. Porquê?
Ser politicamente pragmático significa um pouco o que referi. Ou seja, não estar preso a complexos ideológicos. Não voto como se estivesse a votar num clube. Voto com essa liberdade de pensamento de que todas as ideologias equilibradas, não extremistas, têm coisas boas e é preciso aproveitá-las. Um exemplo simples: a saúde. Eu acho que a maior parte das pessoas concordam com um regime tendencialmente gratuito, ou seja, que as pessoas que não podem pagar devem ter direito à saúde e isso é uma grande conquista de Portugal. Mas depois há outra parte, quem tem complexos ideológicos. Porque tem de ser o público a prestar esses serviços e não pode ser o privado? Porque não fazemos uma análise objetiva das PPP´s na saúde? Se fizermos essa análise sem complexos ideológicos, percebemos muito bem o mérito do papel dos privados na promoção da qualidade dos serviços de saúde em Portugal.
Qual foi o caso mais complexo que teve? E porquê?
Acho que é óbvio. Não gosto de classificar os casos, mas é óbvio que todos os casos relacionados com o universo Espírito Santo e que há cinco anos temos estado a tratar são casos extraordinariamente complexos, por múltiplas razões. Porque são tecnicamente complexos e têm uma dimensão processual tremenda. Porque asseguramos a defesa jurídica do Dr. Ricardo Salgado, que teve um papel muito importante na economia e na banca portuguesa durante muitos anos e que depois sofreu uma alteração revolucionária da sua vida. Nós estamos ao lado dessa pessoa com muita confiança e com muita convicção. Defender alguém num momento complicado da vida, é algo que nos deve orgulhar como advogados. No entanto, há uma tensão mediática tremenda e normalmente no sentido de culpabilidade, sem critério e cega, e portanto exige ao advogado uma capacidade de resistência, de objetividade e de análise muito importante. Acho que realmente estamos a falar não do meu caso mais complexo, mas provavelmente do caso ou dos casos mais complexos que a história democrática da justiça portuguesa conheceu.
Acho que realmente estamos a falar não do meu caso mais complexo [BES], mas provavelmente do caso ou dos casos mais complexos que a história democrática da justiça portuguesa conheceu.
No seu currículo consta já a defesa do ex-administrador do BCP Christopher de Beck, do presidente da Ongoing, Nuno Vasconcellos, de Horta e Costa no caso dos CTT, e ainda de Ricardo Salgado. Como é lidar com casos com grande exposição pública?
É como começar um jogo de futebol a perder por três a zero. Só que é uma coisa muito mais importante que um mero jogo. É a vida das pessoas. E depois temos que tentar compensar essa desvantagem, porque hoje estamos a criar um “justiceirismo” na sociedade, muito promovido por tabloides, pelas próprias redes sociais e com alguma utilização política também. De certa forma, é uma espécie de “nova justiça medieval”. Não entramos de igual para igual. É uma tarefa muito difícil porque é um mito acharmos que todo este enredo mediático à volta destes casos não condiciona a justiça. A justiça é feita de pessoas e todos nós somos sugestionados pelo que vemos e ouvimos no espaço mediático. Acho que condiciona e é uma “arma” precisamente utilizada por quem tem interesse na pré-condenação, sem julgamento, sem regras. É um combate muito desigual. Somos nós contra o mundo…Mas é também isso que, muitas vezes, me dá orgulho em ser advogado. Nós advogados somos fundamentais no combate por uma Justiça mais equilibrada e digna para todos.
Mas também têm as limitações do estatuto da Ordem dos Advogados…
Temos as limitações do estatuto da Ordem dos Advogados, por exemplo, para falar publicamente sobre os casos. Por muito que queiram fazer justiça na praça pública tenho muito mais confiança na justiça dentro dos tribunais, com regras e com um processo mais justo, do que entrar neste jogo da praça pública. Reconheço que aí estamos numa posição muito mais difícil, porque as pessoas nem sempre, pelo menos ao início, estão disponíveis para ouvir a nossa versão de uma forma descomprometida porque já foram totalmente contaminadas.
Sente-se de mãos atadas nesse contexto?
Não, de mãos atadas não. Sinto-me com uma responsabilidade acrescida e com força. Sentimo-nos com mais vontade de lutar no local certo. Como advogado, pelo menos no sistema em que vivo, não o posso fazer na praça pública sem lei nem roque. Devo fazer nos tribunais. Mas digo sinceramente, felizmente temos exemplos históricos de Juízes que demonstram uma coragem tremenda em “enfrentar” as marés da opinião pública. Isso é um conforto muito grande para um advogado.
Mas na perspetiva da comunicação social, já houve um frenesim maior em relação à justiça no palco mediático…
As pessoas já se habituaram, de alguma maneira… Banalizou-se um bocado a justiça. Banalizou-se a violação do segredo de justiça. Banalizou-se tudo isto e portanto as pessoas às vezes não dão importância, com tanta informação atrás de informação. Deixam de saber onde está a verdade.
O segredo de justiça, na forma como está, deveria pura e simplesmente desaparecer?
O segredo de justiça da forma como está é utilizado à la carte. Em canais específicos do sistema de justiça para jornalistas específicos que todos conhecemos e que vai sendo violado ao sabor de interesses. Vivemos num momento em que isto acentua a desigualdade de armas, porque o segredo de justiça deve ser respeitado por todos, incluindo jornalistas. As leis devem aplicar-se a todos …
Mas a impunidade até se revela mais a quem fornece as notícias do que aos jornalistas …
Se calhar acentua a injustiça, mas também não tenho provas de quem fornece… Só suspeitas. A minha preocupação não é ser punido ou não ser. Não é punido regra geral, mas não é isso que me preocupa. O que me preocupa é a saúde do sistema e não pode estar saudável quando, aparentemente, aqueles que devem garantir o cumprimento das regras, são os primeiros a violá-las. Ou há segredo de justiça ou não há segredo de justiça. Se não houver então vamos todos para a batalha e fazêmo-la em todo o lado, mas com igualdade de armas. Nos Estados Unidos as pessoas fazem julgamentos televisionados, os advogados já estão habituados e o sistema é assim. Em Portugal o sistema não é assim. Ou temos um sistema ou temos outro. Não podemos é ter um sistema que é conforme a conveniência de quem deixa uma fuga de informação e isso tem criado enormes injustiças e desequilíbrios no sistema.
Quando podemos esperar por uma conclusão do caso da Operação Marquês?
Nunca tinha visto e nem sei se haverá no mundo mais alguma acusação criminal com mais de quatro mil páginas, com milhares de documentos e milhões de ficheiros informáticos. Portanto, quando se constroem processos com esta dimensão, tornam-se quase ingeríveis. Acho que é natural que se nós queremos todos fazer um trabalho sério, procuradores, advogados e juízes, que demore bastante tempo, porque a dimensão e a complexidade são impressionantes. Em relação à pergunta que me faz, depende. Depende, desde logo, do resultado desta instrução, que pode ter uma decisão de não pronúncia, e nesse caso será um processo mais curto. Se tiver todas as fases, parece-me evidente ser impossível não demorar vários anos.
É candidato ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados pela lista de António Jaime Martins. O que o levou a aceitar o desafio?
É a primeira vez que me candidato a um cargo na Ordem dos Advogados. Só considerei porque fui convidado pelo António Jaime Martins, pessoa que reconheço capacidades de liderança relevantes e princípios corretos. Ou seja, é uma pessoa que claramente pretende colocar a Ordem naquele lugar que sempre deve estar, na defesa intransigente e ativa do estado de direito. Por exemplo, no âmbito de penal, ao contrário do que as pessoas dizem, todas as reformas têm sido no sentido de retirar direitos aos cidadãos. Enfim, um conjunto de medidas sempre nesse sentido e nós, advogados, regra geral, somos os parceiros dos privados nesta tensão permanente que há com o Estado e com a sua autoridade. Portanto, a Ordem tem de ter um papel interventivo nesse aspeto e resistir a um certo populismo judiciário que se começa a notar.
Outro ponto que me parece relevante, é que estamos a viver a era da digitalização também na advocacia. E se nos grandes escritórios de advogados já se começou a falar disso há algum tempo e há algum investimento nisso, é importante que a Ordem tente apoiar os advogados menos institucionalizados em práticas deste género, dando-lhes serviços que permitam ter uma prática mais eficiente na era digital. Acho que o nosso programa nesse ponto de vista é muito forte. Há também a questão, verdadeiramente escandalosa, das custas judiciais. Uma pessoa de classe média tem muita dificuldade em aceder à justiça e é preciso uma ordem mais assertiva nesse aspeto. Mas esta lista tem muitas outras propostas que visam beneficiar a dignidade da advocacia e a saúde do Estado de Direito.
Em relação à magistratura: já foi uma voz crítica em relação a alguns magistrados. Mas, para si, qual é um dos grande defeitos da nossa justiça?
Não vou individualizar. Quando o faço, faço no processo, diretamente. Mas acho que, se posso resumir numa frase, aquilo que é um dos principais defeitos do nosso sistema e dos seus intervenientes, é a falta de sentido de auto-crítica. Ou seja: nós temos dificuldade em assumir erros e, portanto, por maioria de razão, raramente os corrigimos. Se repararmos, a justiça é das áreas em que estamos menos bem cotados em termos de credibilidade. A Educação e Saúde tiveram uma evolução tremenda. Mas as pessoas, regra geral, não confiam na Justiça. Mas se falarmos internamente no setor, com advogados e não só, ainda somos capazes de reconhecer que há alguma morosidade da Justiça, mas raramente tocamos na qualidade das decisões e da fiscalização do nosso sistema, no espírito democrático do nosso sistema, temos imensa dificuldade em ter sentido de auto-crítica. Já vi tantas pessoas pedirem desculpa mas nunca vi um decisor – seja ele juiz ou procurador – que em algum momento da sua vida só pode ter cometido uma injustiça como todos nós já cometemos, a pedir desculpa. Aliás, são conhecidos casos de pessoas que estiveram anos e anos com o carimbo de culpado na testa, com a sua vida destruída, e depois foram absolvidos. E nunca vi ninguém na justiça pedir desculpa por ter destruído a vida de alguém por a ter perseguido criminalmente, pelos vistos sem provas. A dizer “enganei-me, errei!”.
Falta então explicar porque se decidiu assim ou assado?
Falta sobretudo transparência e maior escrutínio. Eu não estou à espera que cada juiz comunique numa conferência de imprensa à sociedade porque é que decidiu de uma determinada maneira. Espero é que dentro do sistema de justiça, exista efetivamente um sistema de fiscalização não corporativo. Porque ao lado de um juiz extraordinário, pode estar um juiz menos bom, ou mesmo medíocre. E a não ser que esse juiz faça uma coisa absolutamente escandalosa, estão todos lado a lado na carreira e isso no setor privado dificilmente acontece. Dada esta ausência de auto-crítica que temos, os colegas têm maior dificuldade em avaliarem-se uns aos outros. A tendência é sempre para preservar o status quo e isso nem sempre é bom. Há um sentido de protecionismo no meio que não favorece a qualidade do sistema.
Rock ‘n’ Law (RnL) está de volta. Expectativas para a edição deste ano?
A expectativa é que se mantenha o sucesso dos dez anos anteriores, dentro da média. O ano passado foi uma edição especial, uma causa especial, comemoração de uma década. Este ano volta a ser uma edição mais tradicional, mas como sempre muito animada. Estamos confiantes que voltará a ser um sucesso e que poderemos – com a ajuda de todos – dar um contributo muito relevante à Associação beneficiária.
Os patrocinadores estão a correr bem?
Sim, tudo a correr dentro da normalidade. O mais importante agora é que todos estejamos lá, na noite de 22 de novembro, no Kais, em Lisboa. Com o apoio da Advocatus. Mas estamos muito entusiasmados. Já angariamos cerca de 640 mil euros para projetos de solidariedade social, com um festival de rock de bandas de advogados. É obra!
Os ensaios estão a correr bem?
Nós começámos recentemente. Esperamos estar em forma no dia 22. Mas é uma dinâmica interessante porque conseguimos juntar na nossa banda desde um estagiário ao sócio presidente. Dos 23 anos aos 78 anos. Temos uma fadista, eu nos meus tempos livres sou baterista, o Daniel Proença de Carvalho toca guitarra e baixo. O nosso sonho se calhar era sermos estrelas de rock e não advogados (risos).
As bandas vão ser as mesmas?
Este ano teremos a Lisbon Film Orchestra a abrir o evento e acredito que vão dar um excelente espetáculo. No ano passado tivemos uma banda de juízes (os Audiência Prévia) e devo reconhecer que deram uma lição musical aos advogados (risos). Foi também uma prova que nos damos muito bem. E isto leva-nos de novo à reflexão de há bocado. Acho que nesta área da justiça é suposto sermos críticos. Podemos criticar-nos como fazemos muitas vezes nas peças processuais e em intervenções públicas, mas de uma forma fair. Não somos inimigos uns dos outros. E como músicos damo-nos todos bem, não só entre advogados, como também entre todas as profissões do setor.
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Francisco Proença de Carvalho: “Falta auto-crítica na Justiça. Nunca vi um procurador ou juiz pedirem desculpa”
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