O economista portuense diz que a TAP é um assunto de Lisboa e que os outros contribuintes não deveriam ter de pagar. Sobre os apoios dados durante a crise, Daniel Bessa compreende as limitações.
Daniel Bessa fala com conhecimento de causa: durante uns meses foi ministro da Economia no Governo de António Costa. Agora, muito mais próximo do PSD, onde faz parte do conselho consultivo do Conselho Nacional Estratégico, o economista portuense não se inibe de criticar o Governo, mas reconhece que os apoios dados foram os “possíveis”, mas não os desejáveis.
“Tenho muita pena, mas se fosse eu a decidir provavelmente não gastaria mais“, confessa, em entrevista ao ECO, lembrando que a dívida pública continua a ser uma grande limitação às políticas públicas. Sobre o futuro, continua sem descartar uma espécie de austeridade, ainda que sem aumento de impostos ou corte de salários: o Executivo “terá de usar o acréscimo de receitas que o crescimento vai trazer para diminuir défice”, diz.
As críticas mais duras ao PS chegam quando se fala da sua ação no setor empresarial. Primeiro, no teletrabalho: “Este Governo tem uma tentação, que não chego a perceber bem, de se meter em tudo e mais alguma coisa“, atira. Mas é na TAP que a sua indignação vem mais ao de cima, argumentando que não consegue dissociar-se da sua condição de portuense: “Há um ponto em que podemos estar sossegados: a TAP perde quatro milhões por dia”, diz, com ironia.
Os apoios às empresas foram maiores do que em crises anteriores, mas foram suficientes?
Tinham de ser apoios maiores do que em crises anteriores. Nenhum português vivo terá passado por uma crise destas proporções. Em alguns setores atingiu níveis inimagináveis. Foram maiores do que nunca, assim tinha de ser e assim foi em todo o mundo. Dito isto, Portugal é um dos países que do ponto de vista financeiro parte para esta crise em pior situação: com uma dívida pública das maiores do mundo, que é uma ameaça enorme sobre o futuro da economia portuguesa e da sociedade portuguesa e do Estado português. Por força dessa situação de partida, o Estado português não estava em situação de ser particularmente generoso e não foi.
Foram os apoios possíveis?
Sim, as ajudas foram o que foram. Em comparação com os países que nos estão próximos, terão sido das mais baixas. Eu, que sou muitas vezes crítico do Governo e que digo coisas desagradáveis e que o Governo não gosta, afirmei publicamente que foram das mais baixas e compreendia porquê e estou de acordo. O Governo português ajudou pouco, mas não sei se podia ter ajudado mais. Presumo que não. Tenho muita pena, mas se fosse eu a decidir provavelmente não gastaria mais.
Disse-nos há um ano que a “austeridade já cá está à vista de toda a gente”. Continua a ter essa opinião?
O Estado português está hoje com um nível de défice que não me parece que possa ser superado por um mero efeito de crescimento. Mesmo que seja um efeito de crescimento a superar. O crescimento traz impostos e reduz o défice, mas continuo confrontado com o tema da austeridade. Normalmente se o crescimento traz impostos permitiria ao Estado gastar mais em algumas linhas de despesas e o Estado português terá de contrair, não sei se chegará ao ponto de contrair nominalmente, mas terá de usar o acréscimo de receitas que o crescimento vai trazer para diminuir défice.
Pode não ser a austeridade dos cortes, dos aumentos de impostos, mas no sentido em que não vai aproveitar o crescimento económico?
Existe uma enorme evolução com esta crise em comparação com a anterior. A crise anterior trouxe, de uma forma aberta, aumentos de impostos e redução de pensões. Não sei se nesta crise chegaremos a isso. No entanto, vai ter de existir uma travagem muito grande no aumento da despesa porque a receita que o crescimento pode proporcionar terá que ser usada para diminuir o défice.
E concorda com o desenho das medidas como o do lay-off?
O lay-off simplificado teve um aspeto muito positivo: o problema é de todos e portanto toda a gente tem, de uma forma ou de outra, de contribuir. Tenho muita dificuldade em olhar para uma sociedade em que, perante um problema destes, alguém se considere isento do dever de contribuir. Trabalhadores, empresas e Estado foram obrigados a contribuir quase que de uma forma equitativa.
O teletrabalho veio para ficar?
Houve uma aceleração enorme do teletrabalho e não se poderá falar de recuo no futuro. Houve empresas que decidiram que deixariam de ter 100% dos trabalhadores nos seus escritórios. É uma tendência que veio para ficar. A pandemia deixará de obrigar o teletrabalho do mesmo modo, mas não vai retroceder.
Mas devia ser o Governo a decidir ou as empresas?
Tenho alguma dificuldade que o Governo continue a envolver-se nessa matéria porque me parece que é mais um tema de empresas, quando muito de sindicatos e de associações empresariais.
Tem sido demasiado interventivo?
Se estiver a falar do estado de emergência tenho de compreender que o Governo decrete que as pessoas devem ficar em casa sempre que possível. A partir do momento em que o estado de emergência cessa e que se aproxima algum estado de normalidade, tenho dificuldade em perceber o porquê de o Governo continuar a intervir, propondo-se a regular do ponto de vista legislativo. Este Governo tem uma tentação, que não chego a perceber bem, de se meter em tudo e mais alguma coisa. Talvez seja a vontade de mostrar serviço. Está a tentar que gostem muito dele. Parecer mais do que ser…
O Reino Unido decidiu retirar Portugal da lista verde. É “desastroso”, como disse a Confederação do Turismo?
Primeiro ficamos muito contentes por Portugal estar na lista verde do Reino Unido e isso foi considerado fantástico. Agora saímos da lista verde. Fui ver os países que estão na lista e são muito poucos. Portugal beneficiou de uma situação absolutamente ímpar porque todos os nossos concorrentes, como Itália, França, Espanha, Grécia, Turquia, não estavam na lista verde. As coisas não correram bem em Portugal e por isso foi posto em pé de igualdade com esses países. Tenho muita pena. Foi uma enorme oportunidade que se perdeu. Agora vou censurar os ingleses? Não sou capaz. Por mais que queiramos censurar o Reino Unido, houve aqui desacertos e deterioração das condições internas.
Mais uma vez fomos confrontados com a dependência da economia portuguesa do turismo. É um problema para si?
Isso é uma regra de ouro. Quanto mais alguém estiver dependente de um único cliente [Reino Unido], pior.
É uma dupla dependência: do turismo em si e do Reino Unido, que é o maior emitente de turistas…
Estamos muito dependentes do turismo por uma razão muito simples: não fomos capazes de criar valor e ganha quota noutros setores. Não acredito se for ao têxtil, ao calçado, à metalomecânica, saúde, educação, aos outros setores todos, não sei se do ponto de vista empresarial algum setor de atividade me dirá que não fez melhor por causa do turismo. Fez o que pôde, nuns casos melhor, noutros pior. Ainda bem que o turismo foi capaz de fazer mais. Resultado: estamos dependentes do turismo? Estamos, porque realmente o turismo teve um desempenho superior ao de outros setores. Era bom que não tivesse tido? Não me parece.
Salvar a TAP com dinheiro público pode ser justificado com esta dependência do turismo?
Já não é preciso alguém se meter com o PS para levar. Se alguém se meter com a TAP, leva, diga o que disser, desde que saia de um certo discurso… Já não é bem-vindo, já é suposto ter alguma intenção meia… Sobre a TAP gostaria de dizer o seguinte: não voo na TAP há muitos anos. Vivo no Porto, uso o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e não sei porquê — imagino porque a oferta não seja muita ou não seja a melhor — voo muito pouco pela TAP. Tenho a noção que a TAP perdeu peso neste aeroporto e isto foi agravado pela pandemia. As outras companhias mantiveram uma oferta que a TAP não manteve. Em tempos de pandemia, os aviões da TAP ficaram mais no chão do que outros. Tenho bem noção que o crescimento do aeroporto do Porto foi assegurado basicamente por outras companhias.
Ou seja, o Estado não deve salvar a TAP?
Que mais sei eu da TAP? Sei uma coisa terrível… É uma das companhias portuguesas mais estáveis: perdeu quatro milhões de euros por dia, tanto em 2020 como no primeiro trimestre de 2021. Há um ponto em que podemos estar sossegados: a TAP perde quatro milhões por dia. Posso não entrar nos aviões, posso ver que não tem grande peso no aeroporto de que me sirvo, mas sou chamado — eu e os meus concidadãos — a pagar os quatro milhões por dia.
Dizem-me que isto é estratégico. Se disser que não sou mal visto… Reconheço que para o aeroporto de Lisboa, a TAP é decisiva porque a conservação desse aeroporto como um hub do transporte aeronáutico tem muito que ver com a TAP. São as ligações intercontinentais da TAP que asseguram essa dimensão que consideraria estratégica do aeroporto de Lisboa. Não sou capaz de recusar isso.
Isso justifica as injeções?
Para mim não. Pelo menos ser eu [os contribuintes do Norte] a pagar.
Quem pagaria?
É um tema da Área Metropolitana de Lisboa, é um tema de Lisboa e Vale do Tejo… O prejuízo da CP estou pronto a pagá-lo. Não sei se os portugueses do interior deveriam ser muito chamados a pagar o prejuízo da CP porque há muito que deixou de servir a CP, mas como portuense sinto-me obrigado a pagar o prejuízo da CP… Não consigo libertar-me completamente da minha condição. Tenho alguma dificuldade em perceber o porquê de ter de pagar o prejuízo de uma companhia que é vital para o maior aeroporto do país, mas que não é para a minha região.
Se a TAP reforçar o seu peso no aeroporto do Porto, a sua opinião seria outra?
Não sei se para algum portuense a TAP é tema. Não ouço ninguém falar da TAP.
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“Já não é preciso alguém meter-se com o PS para levar. Se alguém se meter com a TAP, leva”, diz Daniel Bessa
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