"Uma das conclusões que podemos tirar desta pandemia é a necessidade de ter uma resposta estruturada de emergência para as famílias e hoje não temos", reconhece a secretária de Estado da Habitação.
Assumiu a Secretaria de Estado da Habitação no final de setembro, a meio de uma legislatura, substituindo Ana Pinho. Uma função que representa um “desafio”, mas “não uma dificuldade”. Marina Gonçalves tem em mãos o problema do acesso à habitação e, para o resolver, diz estar munida de várias ferramentas. Rendas acessíveis, apoios aos jovens, contratos de arrendamento vitalícios e, mais recentemente, apoios a arrendatários e senhorios. A isto somam-se ainda as centenas de milhares de euros que estão a caminho para a habitação. Naquela que foi a primeira entrevista como secretária de Estado da Habitação, o ECO abordou o que está a ser trabalhado nesta área.
O Governo arrancou em abril com os empréstimos para as rendas e, desde então, tem vindo a estender estes apoios. A notícia mais recente, dada esta sexta-feira pela secretária de Estado da Habitação no Parlamento, e reiterada nesta entrevista, é de que estes apoios vão manter-se também em 2021, com a possibilidade de parte do montante emprestado ser a fundo perdido. Com esta medida, o Governo acredita que o número de pedidos de apoio vai aumentar.
O que a vai distinguir da sua antecessora?
Não há nada que me faça distinguir. Sobretudo há um elemento importante que é a continuidade daquilo que era a política que estamos a prosseguir em matéria de habitação. Não há uma grande distinção. Há fases diferentes do processo em que estamos. No início da construção das políticas públicas de habitação na anterior legislatura, depois criou-se a secretaria de Estado, entretanto também mudou para o Ministério das Infraestruturas e da Habitação (MIH), mas isto nunca implicou em nenhum momento a mudança daquilo que era a política pública de habitação. Não há nada que nos distinga naquilo que são os objetivos do Governo. Nada mudou nesse aspeto. Simplesmente estamos em fases diferentes do processo.
Ter assumido esta pasta a meio de uma legislatura foi uma dificuldade?
É sempre um desafio e os objetivos que temos são sempre ambiciosos. A nossa maior dificuldade é essa: executar os compromissos que assumimos, os objetivos e a importância da política de habitação, para concretizar, efetivamente, este direito para as pessoas. Mas é um desafio, não representa uma dificuldade, pelo contrário. Há um trabalho feito que também me ajuda naquilo que é a execução das políticas públicas de habitação.
Quantos imóveis tem o Estado atualmente?
Não temos esse inventário feito. O decreto-lei 82/2020, de 2 de outubro, que foi já publicado comigo como secretária de Estado, mas foi feito anteriormente, prevê precisamente as ferramentas para inventariar todo o património do Estado. Infelizmente, e aqui temos de assumir todos a nossa responsabilidade, aquilo que é o património do Estado com apetência habitacional nunca esteve totalmente identificado.
Há um conjunto de imóveis que estão identificados, a maior parte em utilização para políticas públicas de habitação. Mas há outros conjuntos de imóveis que podem ter essa aptidão, ou que não tendo, isso pode ser alterado para tê-lo e que não estão identificados. E esse decreto-lei veio precisamente construir as ferramentas para poder fazer essa inventariação, que depois vai sendo atualizada. Aliás, o próprio decreto-lei já prevê alguns desses imóveis. Mas [a lista] vai ter de ser atualizada, em função também destes mecanismos de troca de dados e de informações que permitem chegar a esse conhecimento.
Infelizmente, e aqui temos de assumir todos a nossa responsabilidade, aquilo que é o património do Estado com apetência habitacional nunca esteve totalmente identificado.
Mas há algum número identificado até agora?
Ao nível de fogos do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), neste momento já estão afetos às políticas públicas de habitação mais de 12.000 fogos. Na bolsa de imóveis temos identificados 150. Mais uma vez, muitos destes imóveis não estão ainda com aptidão habitacional. Tem de se fazer o projeto e só aí é que podemos ser mais rigorosos na definição do número de fogos que podemos alcançar com estes imóveis.
Mas são processos muito complexos, porque a maior parte destes imóveis não era utilizada para habitação. Outros são, e carecem apenas de obras de reabilitação, e é mais fácil, mas na análise que foi feita inicialmente, aponta-se para, mais ou menos, 15.000 fogos. Mas é um número que não é rigoroso. É preciso fazer este levantamento e esperamos que com os novos imóveis possamos também acrescentar a este número.
Em que ponto é que está a bolsa pública de imóveis?
A bolsa, que está anexa ao decreto-lei, já identifica cerca de 150 imóveis, num número redondo. Depois há este tal passo que carece de uma troca de dados e de um conjunto de protocolos que está praticamente a ser concluído, que vai permitir identificar mais imóveis para esta lista.
Portanto, neste momento temos 150, estamos a trabalhar também em paralelo com outros ministérios, e em função das ferramentas que o decreto-lei nos dá, para identificar mais imóveis. Sem prejuízo do inventário, estamos também a trabalhar nesse sentido. E, se tudo correr bem, no início do próximo ano, no primeiro semestre, teremos mais imóveis identificados em paralelo com o inventário. Mas, para já, o número realista é o que consta do decreto-lei, e que tem, aliás, os imóveis identificados um a um. Mas estamos a trabalhar e esperamos no próximo ano ter já identificados mais imóveis.
Mas o objetivo é chegar aos 15.000 imóveis identificados?
Temos um objetivo inicial que é passar de 2% para 5% o parque habitacional público. Este é um objetivo que está, obviamente, afeto ao decreto-lei, sem esquecer também a atividade que estamos a fazer no Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), que tem incluído um conjunto de fogos numa via paralela, mas também para políticas públicas de habitação. Não queria dizer que este é um objetivo e quando chegarmos a esse objetivo ficamos satisfeitos. É um objetivo ambicioso, mas não nos basta.
Se este “objetivo ambicioso” for alcançado, quantas famílias podem ser beneficiadas?
Não posso dar esse número neste momento porque estaria a ser pouco rigorosa nos dados que temos. Um imóvel que não tenha sequer aptidão neste momento para habitação tem de ter um projeto, tem de se perceber o que dá para ser uma habitação digna. Não vamos fazer soluções habitacionais que não tenham as regras básicas para uma habitação. Portanto, não estaria a ser rigorosa se avançasse agora com um número daquilo que pode ser o número de famílias abrangidas. Obviamente que estamos a falar de imóveis com uma dimensão considerável, e estamos sempre a falar nos imóveis maiores, com uma dimensão de 30/40 fogos por imóvel.
Sendo certo que vamos apresentar mais uma vez o Plano Nacional de Habitação, não há um atraso na sua apresentação, porque também não decorre da Lei de Bases da Habitação um prazo para a sua regulamentação, e também não há aqui uma falta de transparência.
Pedro Nuno Santos disse que o Plano Nacional de Habitação, que está consagrado na Lei de Bases da Habitação, só deverá ser publicado em 2021. Porquê esta demora, tendo em conta que a Lei de Bases foi aprovada em 2019?
Se ler a Lei de Bases da Habitação (LBH) — e não achando que o programa é indiferente –, é importante aprovar esse programa e levar esse programa ao Parlamento. Mas a LBH não define um prazo. Define que é preciso apresentar o programa — que tem uma duração de seis meses –, e esse programa visa definir objetivos, instrumentos e aquilo que são as metas e a orçamentação das principais medidas.
Se formos ver, esquecemos um bocado o que vem de trás. A LBH foi aprovada em 2019, mas antes foi aprovada uma Nova Geração de Políticas de Habitação que previa precisamente estes compromissos: objetivos, prioridades, instrumentos e o orçamento das políticas públicas de habitação. Portanto, não há aqui uma falta de transparência ou uma falta de objetivos e de metas definidas pelo Governo. Pelo contrário. Esse documento estava feito e é um documento que tem sido escrutinado, discutido e também votado no Parlamento, quanto mais não seja com aquilo que são os orçamentos que anualmente apresentamos no Parlamento e que diz especificamente para cada programa é cada verba.
Sendo certo que vamos apresentar mais uma vez esse programa, não há um atraso na sua apresentação, porque também não decorre da LBH um prazo para a sua regulamentação, e também não há aqui uma falta de transparência naquilo que é a aplicação do financiamento na habitação, porque é escrutinado anualmente e decorre da Nova Geração de Políticas de Habitação que tem precisamente esses objetivos, instrumentos e metas.
Como vão ser aplicados os 100,8 milhões e os 154 milhões previstos no OE2021?
Os 100 milhões de euros que estão previstos no OE2021 são para o arrendamento acessível e estão previstos também 154 milhões de euros para o 1.º Direito. Essas são as duas grandes componentes. Essa é a verba que está prevista para 2021. Não temos uma estimativa rigorosa porque, mais uma vez, não temos esse inventário que permita perceber qual é o investimento. Mas estamos a falar de muitas centenas de milhões de euros para o arrendamento acessível, tendo em conta também a complexidade das obras que têm sido feitas. E no caso do 1.º Direito, havia uma estimativa inicial de 700 milhões de euros até 2024, mas que claramente vai ser superior, e por isso é que também estamos a apostar por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em reforçar esse financiamento, precisamente para dar resposta à totalidade das necessidades.
Desde que o Direito Real de Habitação Duradoura (DHD) — contratos vitalícios de habitação — foi aprovado, a 10 de janeiro, houve algum contrato assinado neste âmbito?
Não temos forma de saber o número de contratos que foram assinados no âmbito deste DHD. É um direito real e, portanto, esses dados não nos são remetidos, não temos forma de saber. Podemos é analisar — e isso é outra das coisas que estamos a fazer, tendo em conta as ferramentas que temos — de que forma é que podemos promover mais, como todos os novos instrumentos que criamos, em que há aqui uma primeira fase de dar a conhecer as funcionalidades e as vantagens deste tipo de instrumento. Mas não temos forma de saber os números.
Não temos mesmo maneira de saber esses números e saber se está a ter adesão. Obviamente que, sendo realista, não achamos que, nesta fase, muita gente conheça sequer o DHD. Portanto, esse esforço de informação é aquele que temos estado a fazer e que temos de continuar a fazer, mas não temos mesmo como dar esse número.
No âmbito da pandemia, quantos empréstimos é que já foram concedidos pelo IHRU?
Temos mais de 700 empréstimos dados até agora. O Orçamento do Estado já prevê a prorrogação do regime para 2021, portanto, vamos prorrogar os empréstimos para 2021 e, tendencialmente, este número vai aumentar. Porque considerando a quebra de rendimentos, não estamos numa fase de retoma, e tendencialmente vai aumentar, mas neste momento são cerca de 720 contratos.
Os últimos dados mostram um número de aprovações bastante baixo comparado com o número de pedidos recebidos. Porquê?
Em números redondos, são 2.000 e tal pedidos. E sobre isso, é importante que se clarifique o porquê de haver tantos pedidos não aprovados. Há aqui duas realidades. Mesmo no número total de pedidos há um número reduzido de pedidos de apoio ao IHRU e, muitas vezes, as pessoas, tendo rendimentos, optam por não onerar o seu rendimento e pagar a renda. Creio que o facto de haver pouca gente a aceder ao apoio tem a ver com isso. Dos que acedem, o número alargado de indeferimentos que há, é uma realidade, efetivamente. Isto decorre, sobretudo, de dois fatores.
O principal é a quebra de rendimentos, ou seja, não há uma prova da quebra de rendimentos, mesmo com o processo que criámos para facilitar o acesso ao apoio, permitindo comprovar essa quebra nos 60 dias seguintes [a submeter o pedido]. O que se verifica é que a maior parte das pessoas não tem a quebra de rendimentos de 20%, portanto, isso é uma condição para entrar no regime.
E há, ainda assim, uma percentagem elevada de pessoas que não comprova que existe um contrato de arrendamento. E isso é um problema da informalidade do arrendamento urbano. O IHRU atribui o apoio de acordo com os dados que são dados. Não se pede o contrato de arrendamento, até porque ele não tem de ter forma escrita, mas o recibo de renda é necessário para provar que há contrato de arrendamento. E, em muitos casos, esse comprovativo não é dado. Estes são os dois grandes fatores para não aceder ao apoio.
Houve um problema inicial de resposta por parte do IHRU. E esse problema foi assumido. Foram contratadas pessoas especificamente para tratar deste apoio.
O número de funcionários do IHRU tem sido um dos temas em cima da mesa. Isso pode contribuir para uma demora na resposta?
Houve um problema inicial de resposta por parte do IHRU. E esse problema foi assumido. Daí a tal alteração que falava, que foi posta no Orçamento Suplementar, que permitia o diferimento liminar de pedidos, ou seja, [os arrendatários] só tinham de entregar o recibo de renda e nos 60 dias seguintes à atribuição do apoio é que teria de provar a quebra de rendimentos. A maior parte das pessoas opta por entregar tudo inicialmente, para não ficar com este risco de depois não haver quebra de rendimentos e ter de devolver valores. Portanto, esta foi a primeira ferramenta, e fez com que algumas pessoas fossem por aquele regime, e facilitou a aprovação dos apoios, que também por si só são complexos, porque obviamente tem de se fazer a análise dos elementos que são enviados.
Mas aquilo que foram os atrasos iniciais, hoje já não se verificam. Os atrasos iniciais decorreram de uma ferramenta que é criada em duas ou três semanas, numa situação complexa como a que vivemos. Foram contratadas pessoas especificamente para tratar deste apoio, não sei dizer o número de cor, mas são contratações temporárias que, no fundo, estão centrados só nesta realidade. Mas estes problemas foram totalmente ultrapassados. Passada essa fase inicial de conhecer o processo, é muito mais fácil e hoje não temos problemas de fundo. Há alguns atrasos, mas que não decorrem da falta de resposta do IHRU, mas muitas vezes deste pedido de informação que não é remetido e da avaliação da informação por parte do IHRU.
Acredita que haverá um aumento do número de pedidos de empréstimo?
Tendo em conta aquilo que são os efeitos da pandemia na economia, estimamos que possa haver aqui um aumento do número de pessoas a aceder ao apoio, mas é uma perceção nossa.
E o IHRU vai continuar a ter capacidade de resposta?
Vai ter de ter resposta. Do nosso lado temos de garantir que a resposta é dada. Essa parte é essencial. O IHRU está com um processo de contratação em curso e, como qualquer processo de contratação, a resposta não é imediata. Mas poderá reforçar também os recursos humanos do IHRU, dado que estes contratos temporários foram prorrogados e, portanto, não vejo porque é que a resposta se atrasará.
No âmbito do 1.º Direito, quantos contratos já foram assinados com as autarquias? Quantas habitações e que investimento representam?
No âmbito do 1.º Direito temos nove contratos de colaboração assinados, nomeadamente com Lisboa e Porto, que faz com que aumente bastante o número de abrangidos. Estes acordos equivalem a 530 milhões de euros de investimento, não todo a fundo perdido. Estamos a falar de 11.300 habitações, em todos os contratos que já estão assinados.
Para 2021 há outros acordos previstos para serem assinados?
Neste momento temos uma noção do que já está no IHRU para avaliação e, em números redondos, temos mais sete que estão praticamente concluídos. No espaço de um ou dois meses estarão em condições de ser aprovados. Aliás, até ao final do ano ainda aprovaremos alguns acordos de colaboração. Estamos numa fase em que muitos municípios estão já a tratar das suas estratégias locais de habitação, portanto, este número tende a aumentar para 2021, e bem, porque temos muitos municípios em fase de elaboração. Em alguns deles já em fase de conclusão. Mas não conseguimos neste momento avançar um número porque depende do que será apresentado e da validação final das estruturas habitacionais.
A adesão das autarquias ao 1.º Direito está a superar as expectativas?
Sim. Temos feito um trabalho junto das autarquias para promover o 1.º Direito e dar a conhecer. Temos também algumas alterações que vêm de majorações de financiamento e temos feito esse trabalho em conjunto com os municípios para permitir que se acelerem as estratégias locais de habitação. De todos os contactos que temos feito, salvo raras exceções, todos os municípios estão a trabalhar nas suas estratégias. Obviamente que alguns já tinham um trabalho prévio que permitiu avançar com mais rápido.
Esses 1.251 milhões de euros são precisamente o reforço do 1.º Direito para permitir dar uma resposta mais estruturada até 2025 a todo o país. A verba já foi pedida. Agora é preciso haver consenso europeu para podermos ter acesso a esse financiamento.
O primeiro-ministro referiu que o Governo vai pedir um empréstimo de 1.251 milhões de euros à Comissão Europeia para habitação social. Quando é que se pretende pedir este empréstimo e onde é que se vai aplicar esta verba?
Estes valores estão incluídos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), portanto, uma das componentes e uma das prioridades definidas pelo Governo foi precisamente a habitação. Esses 1.251 milhões de euros são precisamente o reforço do 1.º Direito para permitir dar uma resposta mais estruturada até 2025 a todo o país, reforçando aquele que era o objetivo inicial de 700 milhões de euros. Este valor é, sobretudo, para isto.
Depois há uma segunda componente que também esta prevista no PRR, que é para o alojamento urgente e temporário. E uma das grandes conclusões que podemos tirar desta pandemia é a necessidade de ter uma resposta estruturada de emergência para as famílias e hoje não temos — temos algumas respostas desagregadas e protocolos com o IHRU. E vamos ter ainda uma verba — foi apresentado esse pedido — de 186 milhões de euros para esta realidade. A verba já foi pedida. Agora é preciso haver consenso europeu para podermos ter acesso a esse financiamento.
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“Número de pedidos vai aumentar” com prolongamento dos apoios às rendas em 2021, antecipa secretária de Estado da Habitação
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