UGT (ainda) admite suspender greve geral, se houver nova proposta laboral. “Greve não é vingança contra Governo”

Mário Mourão acredita que ainda é possível chegar a acordo na Concertação sobre a lei laboral. Mesmo que não haja entendimento, exige que propostas do Governo evoluam antes de chegar ao Parlamento.

12 anos que CGTP e UGT não se juntavam numa greve geral. Face às mais de 100 mudanças que o Governo pretende fazer à lei do trabalho e à falta de evolução das negociações na Concertação Social, marcaram agora uma paralisação conjunta para 11 de dezembro. Em entrevista ao ECO, o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, garante que essa greve não serve como vingança contra o Governo, nem para o fazer cair, mas para exigir que as propostas evoluam.

“O que pretendemos é que o documento que entre na Assembleia da República seja diferente daquele que foi apresentado em julho”, sublinha o sindicalista, que assegura que, apesar da paralisação anunciada, a UGT continuará aberta a negociar com o Governo.

Aliás, ao ECO, Mário Mourão adianta que ainda acredita que seja possível um acordo na Concertação Social. “Mas não sei se tem de haver um acordo”, atira o secretário-geral, lembrando que a Agenda do Trabalho Digno (pacote de mudanças à lei do trabalho levado a cabo pelo último Governo de António Costa) também não gerou um entendimento na Concertação Social, mas refletiu os contributos dos parceiros sociais.

Mário Mourão afirma, por outro lado, que a UGT está “sempre aberta a suspender a greve“, desde que o Governo altere a metodologia da negociação e apresente uma nova proposta. “As propostas que a UGT fez e relativamente às quais o Governo se aproximou têm de ser vertidas num documento, porque isso é que conta“, declara.

Explica ainda que a UGT avança agora para a greve geral, porque está preocupada que “o Governo estivesse a empalear a negociação” só para chegar ao dia seguinte à aprovação final do Orçamento do Estado para 2026 dar por terminadas as negociações na Concertação Social, entregando uma proposta de lei no Parlamento, onde dependerá do Chega a viabilização das muitas alterações pretendidas.

Quando nos foi entregue o anteprojeto em julho, logo na reunião da Comissão Permanente da Concertação Social, aquilo que dissemos é que não era o momento para se apresentar um projeto desta natureza.

Em julho, quando o Governo apresentou o anteprojeto de reforma da lei do trabalho, a UGT deu um “rotundo não”, mas aceitou negociar. Esse processo negocial ainda está em curso, mas, entretanto, a UGT decidiu juntar-se à CGTP numa greve geral. Porquê agora? O que vos leva à paralisação?

Não nos juntamos à CGTP. Marcámos um dia consensual para a greve. Quando nos foi entregue o anteprojeto em julho, logo na reunião da Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS), aquilo que dissemos é que não era o momento para se apresentar um projeto desta natureza. Se as empresas estão a funcionar, a economia funciona, a produtividade vem aumentando em vários setores… Noutros setores, se não aumenta, tem que ver com a organização das próprias empresas, porque não estão modernizadas. Temos uma economia muito assente em pequenas e microempresas. Temos um problema de escala. O que dissemos ao Governo foi: porque não lançamos medidas para ajudar essas empresas a associarem-se e a criarem escala? Não somos contra as empresas. Se não há empresas, não há trabalhadores.

E o que é que lhe responderam, nessa altura?

Sabe, o mais fácil é reduzir custos com o pessoal. O mais fácil é tornar os vínculos laborais frágeis e precários. Aí, sim, os patrões sentem-se realizados e com poder. Isso é mais fácil do que tomar medidas sérias, reestruturar empresas, chamar os jovens qualificados para contribuir para o desenvolvimento da empresa. Mas dissemos ao primeiro-ministro que a UGT, apesar de tudo, iria negociar [a reforma da lei laboral]. Não iríamos sair da mesa, daríamos os nossos contributos, o que fizemos durante todo este tempo. Quando fizemos a análise à proposta, o que verificámos é que aquilo que constava era flexibilizar despedimentos, a [possibilidade de afastar a] reintegração dos trabalhadores após despedimentos ilícitos, [o fim do travão ao] outsourcing, era o banco de horas individual que precariza. Este anteprojeto tinha um objetivo que era individualizar os vínculos laborais.

Ainda assim, em julho, tinha a expectativa de que se poderia evoluir na proposta, apesar de todas as falhas?

Tivemos. A UGT tem 47 anos e já assinou acordos com Governos dos vários partidos que estiveram no poder. Assinou acordos já com o atual primeiro-ministro.

O acordo tripartido sobre valorização salarial assinado em outubro de 2024.

Portanto, relativamente às declarações que o primeiro-ministro fez, a UGT está à vontade.

O primeiro-ministro diz que esta greve geral serve os interesses políticos do PCP e do PS.

Acho que ele nem se lembrou que há sociais-democratas também na UGT, e que são uma forte tendência. Não foi muito feliz ao fazer essas declarações.

Mário Mourão, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Mas, entretanto, perdeu a confiança de que será possível fazer essa evolução no anteprojeto para um ponto mais razoável?

Não, não perdi a confiança. A confiança mantém-se de que é possível entendermo-nos e melhorar isto. Não assinámos a Agenda do Trabalho Digno com o Governo socialista, mas não deixámos de dar os nossos contributos. E não temos dúvidas que os contributos que a UGT deu atenuou muito aquilo que eram efeitos menos positivos para os trabalhadores. Fizemos um caminho com os nossos contributos.

Portanto, ainda acredita num acordo na Concertação Social sobre a revisão do Código do Trabalho?

Acredito. Acho que ainda é possível fazer um acordo. Às vezes, durante o processo negocial, temos de dar sinais de que não estamos satisfeitos.

Esta greve é esse sinal?

Sim. Embora não haja uma rutura total, há um desconforto total relativamente à atitude que o Governo até hoje tem tomado. Negociámos, fizemos reuniões bilaterais com o Governo, fizemos reuniões com os parceiros patronais, fizemos reuniões do plenário da CPCS. Mas, até ao dia em que anunciámos que íamos mudar de vida, não houve nenhuma evolução.

O que nos fez perceber: será que há aqui uma manobra no sentido de ir à exaustão e, depois, no momento dizer que não há acordo e vamos para a Assembleia da República como está?

Mas houve algum momento no processo negocial que tivesse levado a essa mudança? Alguma declaração do Governo, alguma atitude?

Na última reunião, o que nos levou a tomar atitudes de luta… Numa negociação há sempre. As greves são para isso. A senhora ministra dizer que esperava que a UGT assinasse um acordo ou, então, a proposta iria assim para a Assembleia da República. O que percebemos é que, provavelmente, o que o Governo queria era levar esta proposta à Assembleia da República, dada a situação parlamentar que hoje existe, e dadas as suspeitas que iam surgindo de que o Governo estaria confortável com o Chega a aprovar esta legislação. Portanto, entendemos dessa afirmação que foi um aviso à UGT ou uma ameaça. Não víamos este processo a ir ao encontro de um entendimento: fazíamos propostas, o Governo dizia que esta proposta até é razoável e até é aceitável, mas não víamos a proposta a evoluir. O que nos fez perceber: será que há aqui uma manobra no sentido de ir à exaustão e, depois, no momento dizer que não há acordo e vamos para a Assembleia da República como está?

Portanto, entenderam que o momento para a greve é agora, antes de a revisão da lei do trabalho chegar ao Parlamento e já ser tarde demais.

Claro. Vamos supor que há um acordo relativamente à proposta, e vai para o Parlamento. Não vamos baixar os braços, porque no Parlamento estão partidos que defendem o contrário do que nós. Vamos desenvolver ações no sentido de que os partidos possam ainda melhorar a proposta.

A ministra do Trabalho não tardou a dizer que o anúncio de greve da parte da UGT é extemporâneo. Que lhe responde?

Neste processo, tenho desvalorizado muitas declarações, porque, se fosse levar a sério as declarações que se vão produzindo, incluindo as do primeiro-ministro, provavelmente a UGT já tinha aqui um problema, tinha uma rutura difícil. É preferível, por vezes, ignorar e não entrarmos nessas disputas de declarações. Sabemos que, às vezes, elas são produzidas em momentos difíceis, de pressão. Não ficámos confortáveis com as declarações do primeiro-ministro.

Disse que, ainda assim, continua a acreditar na possibilidade de um acordo. O que é que o Governo tem de fazer para que a UGT desconvoque a greve geral?

Vamos supor que o Governo diz que vamos começar de novo o processo, ver o que está aqui e ver as propostas da UGT. Se o Governo tivesse essa disponibilidade, desconvocaríamos a greve. Nem há dúvidas disso. Não queremos greves partidárias, nem andamos nisso.

Mário Mourão, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Portanto, se o Governo vos enviar um anteprojeto já com algumas propostas da UGT, ou seja, com um sinal de que está finalmente aberto a negociar, aí desconvocam uma greve?

Sim. As melhores greves são aquelas que não se fazem, porque não há prejuízo para o trabalhador, que tem que descontar no dia de greve. Um dia de greve é sempre penoso para o trabalhador. Quando marcamos a greve, não queremos fazer a greve, a não ser que nos empurrem para ela. Foi isso que aconteceu. Estamos sempre abertos para suspender a greve. A partir do momento em que o Governo encontre uma nova metodologia de negociação, que não foi aquela que usou até agora, estaremos abertos à discussão.

Não receia que este anúncio de uma greve geral provoque o efeito oposto, ou seja, que o Governo endureça ainda mais a sua posição e dê por terminada a negociação e siga logo para o Parlamento?

Se o Governo o fizer, é porque já tinha intenções disso e andou a brincar à Concertação Social. A UGT, quando começou a negociar, não pôs linhas vermelhas, porque sabia que, se o fizesse, estaria a limitar o diálogo e a negociação. Se todos tiverem linhas vermelhas, não vamos chegar a nenhum acordo.

Hoje, já têm linhas vermelhas, como o banco de horas individual.

A partir do momento que o Governo põe as traves mestras, já temos as nossas linhas vermelhas. Na altura, não pusemos isso para não perturbar o processo negocial, que queríamos que se iniciasse.

A ministra, em várias reuniões, disse que, na questão da amamentação e parentalidade, está disponível. Mas isso não é o pior do que está neste anteprojeto.

O Governo já vos contactou formalmente depois do anúncio da greve geral?

Continuamos a falar. Tive uma reunião com o Governo esta terça-feira, que já estava prevista. Não rompemos o processo negocial. Até ao dia da greve, vamos continuar disponíveis. Se não funcionar até lá, fazemos a greve, mas continuaremos, no dia seguinte, a estar disponíveis para sentarmos à mesa. Isso é que é a negociação.

Mas perante a greve já sentiu da parte do Governo maior flexibilidade ou maior abertura para conversar?

Sentimos uma diferença, que é positiva. Não foi uma reunião, foi uma conversa que tivemos para saber se devemos ou não continuar com as próximas reuniões marcadas, e se o Governo estava disponível para alterar aquilo que tem sido a sua postura nas reuniões que tem havido de não apresentar um novo documento. A ministra, em várias reuniões, disse que, na questão da amamentação e parentalidade, está disponível. Mas isso não é o pior do que está neste anteprojeto.

Diz que sentiu uma diferença. Em quê, em específico?

O próprio Governo já nos disse que quer continuar a negociar e também dissemos que queremos continuar, desde que essas negociações sejam eficazes. Significa que tem de haver uma nova proposta. Não é a proposta inicial. Se houve disposição para aceitar [algumas propostas], então é preciso pôr isso no papel. A proposta que temos é mesmo de julho, que é aquela a que a UGT já disse não.

Mário Mourão, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Estará o Governo à espera de terminar o processo do Orçamento do Estado para apresentar essa contraproposta, de modo a não misturar os temas, uma vez que o PS exigiu que a lei laboral ficasse fora da discussão?

Não têm de estar todos os ministros a fazer Orçamento, porque agora está na discussão da especialidade com os partidos. O Governo pode continuar a trabalhar e, portanto, não precisa de esperar. A nossa preocupação é que o Governo estivesse a empalear esta negociação para chegar ao dia seguinte ao dia 27 de novembro [data da votação final global do Orçamento do Estado para 20256] e apresentar na Assembleia da República o anteprojeto inicial.

Da conversa de terça-feira resultou algum compromisso da parte do Governo?

O governo perguntou-nos se a UGT, face este anúncio da greve geral, vai ou não continuar disponível. Totalmente disponível, foi aquilo que respondemos. Mas não no mesmo registo. Temos de começar a avançar. As propostas que a UGT fez e relativamente às quais o Governo se aproximou têm de ser vertidas num documento, porque isso é que conta. Para que, no dia 28, o Governo não diga que não houve acordo e está aqui o anteprojeto no Parlamento. Estivemos a trabalhar, estivemos a dar contributos.

Diz que é possível um acordo, mas para haver um entendimento teria de cair o banco de horas individual, a não reintegração após despedimentos ilícitos, a simplificação dos despedimentos por justa causa. Ou haveria uma maneira de modular essas medidas?

Não sei se tem de haver um acordo. Podemos acordar nalgumas coisas e em relação a outras dizer que não houve acordo, portanto agora a Assembleia da República é que vai decidir. O que pretendemos é que o documento que entre na Assembleia da República seja diferente daquele que foi apresentado em julho. Foi assim que fizemos com a Agenda do Trabalho Digno. Não nos demos mal, não houve acordo. Os patrões ameaçaram sair da Concertação.

Suspenderam a participação na Concertação Social.

Nós não suspendemos. Disse à senhora ministra que fique descansada que não vamos fazer como aqueles senhores fizeram. Aliás, eles diziam muito que tinha de haver alguma estabilidade na lei laboral. Mas, na primeira oportunidade, vêm com um ajuste de contas à Agenda do Trabalho Digno. Isto é um ajuste de contas.

Não sentimos da parte do Governo muito essa disponibilidade [para subir salário mínimo acima do acordo], sem que fosse um pacote. Não trocámos o dinheiro por direitos.

Referiu o acordo do tripartido de valorização salarial. Esse acordo foi assinado ainda com o primeiro governo de Luís Montenegro. Entretanto, houve eleições, o quadro político mudou significativamente. A segunda força política agora é o Chega. Já no salário mínimo, por exemplo, a UGT queria rever este ano o que estava nesse acordo, mas o Governo não dá sinal nesse sentido. Este segundo Governo de Luís Montenegro é mais intransigente na negociação na Concertação Social?

Sentimos a diferença logo que o primeiro-ministro foi à primeira reunião de Concertação Social. Hoje tem mais espaço para encontrar entendimentos de direita, e, portanto, o discurso foi diferente.

Provavelmente, a negociação da lei laboral teria sido diferente com o primeiro Governo de Luís Montenegro?

Não tenho dúvidas disso.

Não havendo um acordo ou uma evolução na lei laboral, e não havendo uma revisão do salário mínimo, 2026 será um ano de forte contestação social?

Perguntei ao Governo se não iria fazer um reforço do acordo que tínhamos assinado, tal como todos os outros Governos anteriores. Todos. Quer em função do que o ministro das Finanças disse na Concertação Social, quer em função dos indicadores que tínhamos, era possível fazer um novo ajustamento àquilo que estava acordado. Mas não podia ser moeda de troca para a lei laboral. Não sentimos da parte do Governo muito essa disponibilidade, sem que fosse um pacote. Não trocámos o dinheiro por direitos.

2026 será um ano difícil para o país, e provavelmente o Governo terá que justificar junto a outras instâncias internacionais, nomeadamente da Europa, como é que um país, que está a fazer um percurso ótimo na recuperação dos salários e no crescimento da economia, introduz uma situação que vem terminar com a paz social.

Insisto: prevê um cenário de forte contestação social no próximo ano?

Julgo que sim. Se o Governo não aceitar os contributos que a gente quer, e se esta proposta não tiver alterações significativas, não tenho dúvidas que será. Será um ano difícil para o país, e provavelmente o Governo terá que justificar junto a outras instâncias internacionais, nomeadamente da Europa, como é que um país, que está a fazer um percurso ótimo na recuperação dos salários e no crescimento da economia, introduz uma situação que vem criar instabilidade social e terminar com a paz social.

Portanto, admite novas greves, nomeadamente quando esta revisão da lei do trabalho estiver no Parlamento?

Se esta proposta não tiver acolhido contributos que a possam atenuar do impacto negativo que possam ter nos trabalhadores.

A UGT ratifica esta quinta-feira a greve geral de 11 de dezembro. Que previsão têm, em termos de dimensão da paralisação? Será uma repetição das grandes greves que aconteceram durante o período da troika?

Razões para isso há. Não estamos na situação em que o país estava no tempo da Troika, mas há aqui [no anteprojeto] coisas que vêm a acrescentar à Troika. Portanto, razões para isso [grandes greves] há, vamos ver se os trabalhadores correspondem a esta chamada. Este é um momento decisivo, face àquilo que é hoje a situação na Assembleia da República, nomeadamente no que vem dizendo o senhor dos três Salarazes [André Ventura], que está disposto a aprovar das propostas mais graves que estão aqui.

A CGTP já fala numa grande greve. Partilha dessa perspetiva?

Os trabalhadores sentem um descontentamento relativamente à forma como o Governo está a lidar com esta questão. A nossa expectativa é que a greve seja um êxito e sirva o objetivo. Não queremos fazer uma greve para nos vingarmos do Governo ou fazer cair o Governo. Mas para atingir aquilo que é benéfico para aqueles que representamos, que são os trabalhadores. Esperemos que esta greve, ao ter sucesso, faça com que toda a gente que se sente à mesa com uma predisposição para negociar e dialogar.

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