BES vs Operação Marquês : Quem ganha este duelo de mega processos?

Ricardo Salgado está presente em ambos os processos. No caso BES, é o principal arguido. Na Operação Marquês, é José Sócrates que tem o protagonismo. Veja aqui a radiografia aos dois processos.

O ano de 2020 protagonizou novos desenvolvimentos nos dois principais processos da justiça portuguesa: a Operação Marquês e o caso BES. Ambos são processos mediáticos e, ao mesmo tempo, com uma complexidade dificilmente comparável a outros.

Em março deste ano, começou o debate instrutório da Operação Marquês, que investiga factos que tiveram lugar entre 2006 e 2015 e coloca entre os arguidos o ex-primeiro-ministro socialista, José Sócrates. Segundo a acusação deste processo ficou indiciado que os arguidos que exerciam funções públicas ou equiparadas, tendo em vista a obtenção de vantagens, agiram em violação dos deveres funcionais. Branqueamento de capitais e corrupção são alguns dos crimes em causa.

Por outro lado, no passado mês de julho, foi a vez do caso BES, cuja investigação começou em 2014, ter desenvolvimentos, mesmo a bater com o início das férias judiciais. Em despacho, o Ministério Público deduziu acusação contra 25 arguidos, entre eles o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado. O inquérito deste processo visava o apuramento de um conjunto de alegadas perdas sofridas por clientes das unidades bancárias Espírito Santo.

Quantos arguidos? Quantos crimes? Quantas páginas têm os despachos de acusação? E quem são os principais arguidos? E juízes? O ECO/Advocatus traduziu estes dois processos mediáticos em números.

536 crimes

Os dois processos juntos somam mais de cinco centenas de crimes, mais concretamente 536. Mas no frente a frente, o caso BES vence com 348 crimes, face aos 188 da Operação Marquês.

Assim, no processo do Universo Espírito Santo, as 18 pessoas acusadas cometeram um total de 277 crimes e as sete empresas 71. Na lista de crimes estão burla qualificada, branqueamento de capitais, associação criminosa, falsificação de documentos, fraude no comércio internacional e desvio de fundos e corrupção ativa e passiva.

Já na Operação Marquês, dos 188 crimes, 159 dizem respeito às 19 pessoas singulares acusadas e 29 a empresas. Em causa estão crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, entre outros.

53 arguidos

No que respeita ao número de arguidos, os dois processos juntos possuem 53 arguidos. Mas desta vez, é na Operação Marquês que se encontra um maior número de acusados.

No caso que colocou do lado dos arguidos José Sócrates, o Ministério Público deduziu acusação contra 28 arguidos, 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas:

  • José Sócrates
  • Carlos Santos Silva
  • Ricardo Salgado
  • Bárbara Vara
  • Armando Vara
  • Zeinal Bava
  • Henrique Granadeiro
  • Sofia Fava
  • Rui Mão de Ferro
  • Joaquim Barroca Rodrigues
  • Hélder Bataglia
  • Rui Horta e Costa
  • José Diogo Gaspar Ferreira
  • Gonçalo Ferreira
  • Luís Ferreira da Silva Marques
  • José Luís Ribeiro dos Santos
  • José Paulo Pinto de Sousa
  • João Perna
  • Inês Rosário
  • Lena Engenharia e Construções, SA
  • Lena Engenharia e Construções, SGPS
  • Lena SGPS
  • Oceano Clube
  • Vale do Lobo Resort Turístico de luxo, SA
  • XLM – Sociedade de Estudos e Projectos, Lda
  • XMI – Management & Investments, SA
  • Pepelan – Consultoria e Gestão, Lda
  • RMF – Consulting, gestão e consultoria estratégica
Da esquerda para a direita: Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, Francisco Machado da Cruz, Manuel Fernando Espírito Santo e José Manuel Espírito Santo.

No caso BES, o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal deduziu acusação contra 25 arguidos, 18 pessoas singulares e sete pessoas coletivas, nacionais e estrangeiras. Eis os 25 acusados:

  • Ricardo Salgado
  • José Manuel Espírito Santo
  • Manuel Fernando Espírito Santo
  • Francisco Machado da Cruz
  • Amílcar Pires
  • Isabel Almeida
  • António Soares
  • Paulo Ferreira
  • Pedro Costa
  • Cláudia Faria
  • Pedro Serra
  • Nuno Escudeiro
  • Pedro Pinto
  • Alexandre Cadosch
  • Michel Creton
  • João Martins Pereira
  • João Alexandre Silva
  • Paulo Jorge
  • Espírito Santo International, SA
  • Rioforte Investments, SA
  • Eurofin – Private Investment Office SA
  • Espírito Santo Irmãos, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA
  • Espírito Santo Tourism Europe, SA
  • Espírito Santo Resources Limited
  • Espírito Santo Resources (Portugal), S.A

Despachos de acusação: 8.025 páginas

Os despachos de acusação são por norma documentos extensos e detalhados, mas os destes dois casos em concreto bateram quaisquer recordes em termos de extensão.

O despacho apresentado pelo Ministério Público, no âmbito do caso BES, conta com 4.117 páginas. Já o da Operação Marquês concretiza-se em 3.908 páginas.

Duas figuras centrais: Sócrates e Salgado

Quando se houve falar da Operação Marquês a primeira imagem que surge na cabeça é a de José Sócrates. O ex-primeiro ministro português é um dos arguidos do caso e chegou a estar preso preventivamente durante cerca de dez meses e depois 42 dias em prisão domiciliária.

José SócratesJosé Sena Goulão / Lusa

Acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada, num total de 38 crimes, José Sócrates é acusado de receber cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e ter acordado com Carlos Santos Silva negócios para favorecer empresas do grupo Lena através de obras do projeto Parque Escolar.

No caso BES a figura principal é Ricardo Salgado, acusado por 65 crimes, entre estes o de associação criminosa, corrupção ativa e passiva no setor privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento de capitais e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e coletivas.

Ricardo SalgadoPaula Nunes/ECO

Segundo o despacho de acusação, a que o ECO teve acesso, em 4.117 páginas foram várias as razões para imputar ao ex-presidente executivo do BES e administrador de várias sociedades do GES a responsabilidade ao nível de uma rede organizada de crimes económicos que acabou a resultar na queda e colapso do GES, no verão de 2014.

Entre elas, está o argumento que Ricardo Salgado foi o responsável por uma estrutura de governo da parte financeira do GES “assente em conflito de interesses, em que o seu prevaleceu, e com organismos de controlo inoperantes, quer externos quer internos, a quem sonegou informação elementar sobre o modo como organizou o negócio bancário, e nele recrutou, a soldo, um conjunto de funcionários que foram posicionados para os seus desígnios criminosos”.

Início: 2013 e 2014

Do início da Operação Marquês ao do caso BES estão apenas um ano e poucos dias. Ambos os processos iniciaram-se nos tribunais portugueses no verão, sendo que o primeiro em 2013 e o segundo em 2014.

A Operação Marquês teve o seu início marcado a 19 de julho de 2013, mas o processo teve origem numa outra investigação iniciada em 2011 e que visava o amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva, também arguido na Operação Marquês. Foi também enviada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal e à Unidade de Informação Financeira da PJ uma informação da Caixa Geral de Depósitos relativa a avultadas transferências bancárias.

3 de agosto de 2014 foi a data de início do caso BES. O inquérito teve origem numa notícia divulgada em agosto do mesmo ano sobre a medida de resolução do BES e pretendia apurar um conjunto de alegadas perdas sofridas por clientes das unidades bancárias Espírito Santo. “Com base neste conjunto de conhecimentos, o inquérito teve por objeto a investigação de dados patrimoniais de um conjunto de empresas do Grupo em questão, incluindo unidades com licenças públicas para o exercício de atividade bancária e de intermediação financeira”, explica a PGR.

Valor apurado até ao momento: 11.824 milhões de euros

Apesar de ainda não terem conclusão nem dados finais, já foram avançados alguns valores envolvidos nestes dois casos mediáticos portugueses.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, a investigação levada a cabo no caso BES apurou um valor superior a 11, 8 mil milhões de euros, em “consequência dos factos indiciados, valor que integra o produto de crimes e prejuízos com eles relacionados”.

Já na Operação Marquês, de acordo com o Ministério Público, foi acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 24 milhões de euros, com origem nos grupos LENA, Espírito Santo e Vale de Lobo. Este valor é alegadamente reunido por Carlos Santos Silva, o testa-de-ferro de Sócrates. Esse dinheiro terá sido fruto de “luvas” pagas por três partes: o grupo Lena, os acionistas do empreendimento de Vale de Lobo e o Grupo Espírito Santo.

Milhões de documentos, testemunhas e buscas

Em casos complexos como a Operação Marquês e BES, o volume de testemunhas, apreensões, audições e documentos é avultado. Só em ficheiros informáticos apreendidos o número ultrapassa os 113 milhões, somando ambos os processos.

No caso BES a buscas levaram à apreensão de 100 milhões de ficheiros informáticos relativos a sistemas operativos bancários, sistemas de contabilidade, contratos, documentos contabilísticos, documentos de natureza bancária e transmissão escrita de comunicações entre, designadamente, Portugal, Suíça, Luxemburgo, Panamá, Dubai, Espanha, e redigidos em inglês, francês e espanhol. Já na Operação Marquês foram apreendidos cerca de 13 milhões.

Segundo o último balanço feito pela Procuradoria-Geral da República, em março de 2019, foram realizadas 199 audições, 22 das quais nos Estados Unidos, Suíça e Espanha, tendo sido realizadas 111 buscas em Portugal, Espanha, Macau e Suíça, no âmbito do caso BES. Na Operação Marquês foram efetuadas 260 buscas.

No concerne ao leque de testemunhas, até ao momento ambos os casos somam 348. O processo Marquês conta com 200 e o caso BES com 148, sendo Fernando Ulrich um dos visados.

O processo principal do BES agrega ainda 242 inquéritos que foram sendo apensados, abrangendo queixas deduzidas por mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.

No que concerne à Operação Marquês, foram feitas 2.600 escutas, 500 contas foram alvo de recolha de dados bancários, nove cartas rogatórias, 452 apensos e 3.000 documentos.

Dois juízes

Carlos Alexandre. Ivo Rosa. São os nomes dos dois juízes de instrução que já tomaram as rédeas destes processos. O primeiro esteve envolvido tanto no BES como no Marquês, já o segundo apenas no processo em que Sócrates é arguido.

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Ivo Rosa (lado esquerdo) e Carlos Alexandre (lado direito)Fotomontagem: Lídia Leão / ECO

Na Operação Marquês coube a Carlos Alexandre conduzir a fase de inquérito do processo, sendo que acabou por ser o seu colega de profissão, Ivo Rosa, a ser sorteado eletronicamente para assumir a fase de instrução. E desde então está em exclusividade. A decisão da instrução é esperada para final deste ano.

No caso BES, o juiz Carlos Alexandre liderou a instrução com uma equipa mista de procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e de investigadores da Policia Judiciária.

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