Governo e oposição têm muitas divergências para discutir no Estado da Nação esta quinta-feira. Leia aqui alguns dos temas que deverão centrar as atenções do debate Parlamentar.
Temas económicos como o crescimento, o PRR e a habitação deverão dominar a análise ao Estado da Nação, esta quinta-feira no Parlamento. Num debate que se antecipa tenso, não faltarão, também, outros temas fraturantes como o novo aeroporto de Lisboa, a degradação dos serviços públicos em setores como a Saúde e a Educação e até as polémicas no Governo e os pedidos de remodelação pelos partidos da oposição (e até do Presidente). Eis o Estado da Nação.
Após um primeiro trimestre que superou a maioria das previsões, a economia portuguesa começa a mostrar alguns sinais de abrandamento. Ainda que o arranque do ano tenha dado um impulso, existem indicadores como as exportações (que recuaram 6,9% em maio) e a produção industrial (que caiu 4,5% em maio) que já denotam algum arrefecimento.
Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, também salienta ao ECO que, no que diz respeito aos números trimestrais, “é quase impossível não haver uma desaceleração” depois do crescimento excecional que se verificou no primeiro trimestre. Esse desempenho inesperado levou até à revisão em alta de várias estimativas do crescimento anual, atualizações que se devem “quase exclusivamente ao primeiro trimestre”, que “não se espera que venha a ter impacto nos trimestres seguintes”.
O próprio ministro das Finanças já sinalizou que as contas públicas no segundo trimestre serão “significativamente piores”. Até porque “muitas medidas só terão reflexo nas contas a partir do segundo trimestre”, como o IVA Zero, o aumento extraordinário dos salários da Função Pública e do subsídio de alimentação, o apoio às famílias mais vulneráveis e o aumento das pensões, explicou.
Susana Peralta, professora de Economia na Nova SBE, também aponta que “se a economia europeia esta a abrandar, mesmo se Portugal surpreender pela positiva é quase impossível que não se reflita na nossa economia”. Assim, ao fator de que como primeiro trimestre surpreendeu pela positiva, “é improvável que continue a surpreender”, junta-se o “abrandamento da economia europeia, com a alemã até em recessão técnica”, nota.
“Tudo aponta que não vamos ter tão boas notícias”, ainda que continue a ser ainda crescimento, apenas mais lento, ao invés de uma contração. “A expectativa é que a economia continue positiva, até pelo próprio ciclo sazonal do turismo”: “Seria improvável que não tivesse efeito mitigador dos ventos contrários”, nota.
Segundo os dados mais recentes, o setor do alojamento turístico contabilizou 2,8 milhões de hóspedes e 7,1 milhões de dormidas no quinto mês do ano, valores que traduzem aumentos de 12,1% e de 10%, respetivamente, em relação a maio de 2022.
Apesar do abrandamento que se perspetiva, várias instituições internacionais já reviram em alta as previsões económicas para o conjunto de 2023, para rondar os 2,5%. É um número mais otimista do que o estimado pelo Governo no Programa de Estabilidade, que apontava para um crescimento de 1,8%.
A subida das taxas de juro continua a ser uma grande dor de cabeça para as famílias com crédito da casa. Em muitos casos, a prestação da casa duplicou num curto espaço de tempo, obrigando os lares a um ajustamento financeiro difícil, dado que também têm de lidar com o aumento do custo geral de vida.
Não se espera que venham a ter a vida mais facilitada daqui para a frente. O Banco Central Europeu (BCE) deverá continuar a apertar as condições financeiras e manter a política monetária em níveis restritivos durante algum tempo, pelo menos até que a inflação ceda rumo ao seu objetivo de 2%. As Euribor, que servem de base para o cálculo da prestação, ainda vão subir até final do ano, devendo superar a fasquia dos 4% nos prazos a 3 meses e 6 meses, que contam para 70% dos contratos com taxa variável.
Para aliviar a pressão sobre as famílias, o Governo avançou no final do ano passado com uma série de medidas temporárias em relação aos empréstimos da casa, que estarão em vigor até final do ano.
Por exemplo, reforçou o acompanhamento do risco de incumprimento, suspendeu temporariamente a comissão de reembolso antecipado, permitiu o resgate antecipado dos PPR sem penalização e criou apoios no pagamento das rendas ou da prestação.
“Mas estas medidas podem ser insuficientes, em especial para famílias com rendimentos mais baixos ou com taxas de esforço elevadas”, alerta Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, onde tem chegado cada vez mais casos de famílias em situação de dificuldade em pagar a casa ao banco.
Apesar das dificuldades, “a maioria das famílias, ainda, não está numa situação de incumprimento”, destaca a responsável, ainda que relate situações de famílias que colocaram as suas habitações à venda com a intenção de posteriormente adquirirem outra de menor valor.
Os dados do Banco de Portugal dão uma dimensão mais exata sobre este problema: dos 40 mil contratos renegociados no ano passado, em mais de 6.000 já havia incumprimento do mutuário. Mas 2023 poderá mostrar uma realidade mais difícil, com o aperto dos juros a atingir cada vez mais lares.
A crise da habitação tem várias membranas, mas, no geral, assenta em dois pontos basilares: baixa oferta de casas para a elevada procura que se tem sentido nos últimos anos, e baixos rendimentos das famílias para comprarem ou arrendarem casa.
Ao nível do mercado de construção, os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, nos últimos 10 anos, foram colocados no mercado cerca de 12,3 mil fogos para habitação residencial por ano, menos de um quarto do ritmo de construção que se assistiu na década anterior. Houve assim menos 44,5 mil alojamentos a entrarem no mercado por ano entre 2013 e 2022 face ao período 2003-2012.
A somar ao estrangulamento da oferta dos últimos anos, registou-se também um aumento do número de transações. O INE revela que entre 2013 e 2022 foram feitas, em média, cerca de 117 mil negócios escrituras de residências familiares, que se traduziram num ritmo de crescimento de negócios de 8,1% ao ano.
Estas duas dinâmicas explicam muito da subida dos preços da habitação que, só nos últimos quatro anos, se espelhou num aumento médio anual de 10% do preço mediano da habitação entre o primeiro trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2023.
É por isso que Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), afirma que para corrigir o problema da habitação é “fundamental aumentar a oferta”. No entanto, destaca que “é importante que esta oferta aumente nos segmentos intervencionados pelo Estado”, referindo-se, por exemplo, ao mercado de rendas acessíveis, onde considera que o Estado “pode e deve intervir através da disponibilização de terrenos ou contribuindo no financiamento do custo de construção, por exemplo.”
Para Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), a solução terá de passar um pouco mais que isso. “É necessário agilizar os licenciamentos urbanísticos e realizar um verdadeiro choque fiscal com redução do IVA da construção, eliminação do adicional ao IMI e dos impostos que incidem sobre as transações de imóveis – como o IMT e o Imposto do Selo.”
Do lado da procura, o problema coloca-se com uma economia que ainda assenta em baixos salários. Segundo dados da Autoridade Tributária, mais de 53% dos agregados familiares vivem atualmente com menos de 964 euros por mês e mais de um terço das famílias vive com menos de 714 euros por mês.
É muito pouco. Basta pensar que uma casa com 65 metros quadrados custa, em média, 100 mil euros (1.565 euros o metro quadrado, segundo dados do INE), e que através de um crédito à habitação a 30 anos com um spread e 1% se reflete numa prestação de 526 euros. Um imóvel com as mesmas características no mercado de arrendamento exige uma renda média 475 euros na área metropolitana do Porto e de 670 euros na área metropolitana de Lisboa.
“Os jovens que hoje entram no mercado de trabalho não encontram uma casa para arrendar compatível para os seus rendimentos”, refere Paulo Caiado. E neste ponto o Estado também podia contribuir, refere o presidente da APEMIP, através da disponibilização de grande parte o património público que permanece devoluto e abandonado há vários anos.
É disso exemplo o edifício do Ministério da Edução da Avenida 24 de Julho, em Lisboa, que depois de em 2018 ter sido anunciado pelo Governo que se tornaria numa residência universitária, continua à espera do arranque das obras. O mesmo sucede com o terreno de 4,4 hectares que outrora abrigava o Hospital Miguel Bombarda, que permanece fechado desde 2008.
Para Hugo Ferreira, a solução para ajudar os jovens a ter a primeira casa pode e deve passar pela “colocação de habitação nova no mercado é o buit-to-rent, construir para arrendar, neste caso a preços acessíveis.” E também aqui o presidente da APPII refere que “o Estado pode ter um papel preponderante para que este veículo muito utilizado na Europa possa ser uma realidade em Portugal.”
A inflação tem vindo a abrandar, mas continua ainda elevada — em junho situou-se nos 3,4%, ainda longe da meta do BCE de 2%. O Governo tem avançado com alguns apoios e medidas, nomeadamente o IVA Zero, mas há quem peça mais, até porque ainda não se sentiu todo o impacto das subidas de juros determinadas pelo BCE.
As organizações internacionais têm feito apelos para os Governos retirarem os apoios, nomeadamente aqueles destinados à energia, onde os preços já abrandaram, para não perturbar a luta contra a inflação. António Costa já determinou a retirada de alguns, como a taxa de carbono, que tem sido progressivamente descongelada, mas ainda se mantêm outros.
Há assim um debate sobre o equilíbrio entre as políticas orçamentais e monetárias, que deverá surgir neste Estado da Nação. Para a economista Susana Peralta, o Governo tem de “ser muito generoso a ajudar pessoas mais pobres porque são as que têm menos almofada para o aumento de preços, a maior parte do consumo está concentrado em energia, habitação, alimentação”. Devia-se assim “concentrar apoios nessas pessoas e retirar aqueles across the board como o IVA zero e apoios a combustíveis e não mexer em preços”, defende.
Assim, vai ao encontro das recomendações para apoios mais direcionados, que diz ainda que devem ser dados “de maneira mais generosa e constante no tempo”. Isto já que algo que é necessário para as pessoas é a “previsibilidade nos orçamentos e dar margem de ajustamento”. Quanto aos apoios às rendas, defende que aqueles com base nas taxas de esforço “fazem todo o sentido”, mas alerta para os efeitos negativos de “despachos que retiram apoios”.
Por outro lado, critica medidas como “subsídios a consumo de gasolina e o IVA Zero”, porque “subsidia mais quem mais consome, marcas mais caras e quem compra em supermercados mais caros”.
Na Função Pública, e apesar dos aumentos intercalares das carreiras gerais, o setor da Educação e da Saúde têm sido dos mais contestados, pela falta de ímpeto reformista. No que toca ao setor da educação, o “braço de ferro” entre Governo e Ministério da Educação foi bastante visível durante este ano, com várias greves, manifestações e rondas negociais sobre o novo modelo de concursos, bem como sobre o diploma que visa corrigir as assimetrias decorrentes dos dois períodos de congelamento das carreiras, pelo que estes temas não deverão fugir do “radar” dos deputados. Este último diploma não foi ainda promulgado pelo Presidente da República, que enviou questões ao Governo.
Mas um dos grandes problemas do setor diz respeito à falta de professores, em consequência da pouca atratividade da carreira, bem como do envelhecimento da classe. “A falta de professores era previsível, porque o envelhecimento docente é infelizmente um processo irreversível”, aponta Paulo Guinote, ao ECO, lembrando que o Governo ” está em funções há quase 8 anos” e “apostou sempre em remendos ou soluções de recurso, atrasando a vinculação dos docentes ou criando condições muito pouco atrativas”.
Já no que toca aos cuidados de saúde, a falta de resposta do SNS, com os problemas das urgências, longas listas de espera para consultas e cirurgias, bem como o facto de haver cerca de 1,6 milhão de portugueses sem médico de família atribuído deverão ser algum dos temas abordados pelos deputados.
“Neste momento, há uma incapacidade do serviço de urgência de dar uma resposta adequada a quem se dirige a ele. (..)E não tem havido a coragem do poder político assumir que algumas respostas não podem ser dadas. Tem que se concentrar recursos e só abrir nos sítios onde efetivamente há capacidade para o fazer. Se não incorremos em situações de insegurança”, alerta o bastonário da Ordem dos Médicos, ao ECO.
Neste âmbito, Carlos Cortes reitera que o “SNS está a perder a sua capacidade de captar fixar médicos”, chamando a atenção de que é necessária uma restruturação da carreira médica. Por outro lado, a questão salarial, que é uma das matérias que consta do processo negocial com os sindicatos que arrancou há mais de um ano, é outro dos entraves. “É incompreensível que após mais de um ano não se chegue ainda a nenhum resultado”, atira, fazendo alusão ainda às condições para formação de profissionais e de investigação.
Por outro lado, os deputados deverão ainda questionar o primeiro-ministro sobre o atraso na publicação dos estatutos da Direção Executiva do SNS, que entrou em plenitude de funções há mais de sete meses, mas ainda não viu os seus estatutos serem aprovados o que tem condicionado a sua atividade.
O ministro da Economia já reconheceu que os pagamentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão atrasados. O Banco de Portugal antecipa uma execução da bazuca inferior à do Governo. E o Presidente da República não se cansa de repetir que Portugal não pode desperdiçar a oportunidade que representa um volume de fundos europeus tão elevado.
“O volume de fundos europeus que Portugal tem é apenas comparado com o fluxo do ouro vindo do Brasil” no tempo dos Descobrimentos, diz o economista da Nova SBE, Pedro Brinca.
A previsão de crescimento de 2,7%, em 2023, do Banco de Portugal assenta no pressuposto de que o investimento vai aumentar 3%. Mas se não fossem os fundos europeus, a progressão seria de 1,7%. Ou seja, quaisquer atrasos na execução dos fundos europeus podem comprometer o desempenho da economia.
Portugal tem de acabar de executar o Portugal 2020 (no final de maio faltavam executar 2,9 mil milhões), os 23 mil milhões do novo quadro comunitário, cujos primeiros concursos já foram lançados, e ainda executar até 2026 o PRR. Os 16,6 mil milhões de euros vão “engordar” para 22,2 mil milhões após a reprogramação – caso receba luz verde de Bruxelas — e até aos primeiros dias de julho ainda só foram transferidos para os beneficiários finais 2.116 mil milhões de euros.
“A má execução dos fundos vai afetar o crescimento. O investimento está comprometido”, diz João Duque, sublinhando que o desempenho da economia “será diferente no segundo semestre”, “os efeitos da política monetária já estão a arrefecer os países para onde Portugal exporta” e os “investidores estão a retrair-se”. Pedro Brinca complementa recordando que a revisão em alta do crescimento, por parte do Banco de Portugal, estava alavancada no desempenho das exportações e do investimento. “Mas esta é uma narrativa fraca porque quando os dados do segundo trimestre forem conhecidos vão revelar um forte abrandamento”, antecipa o professor da Nova SBE.
João Duque questiona o que está a atrasar a execução dos fundos. “Está tudo aprovado, mas os pagamentos não avançam”, nem nas empresas, apesar do aumento dos adiantamentos, nem mesmo nas entidades da Administração Pública. “A pergunta pertinente é porque não andam? É a ditadura dos técnicos burocratas?”, ironiza o economista e professor do ISEG.
“O maior constrangimento é a falta de pessoas com capacidade para avaliar os projetos”, diz Pedro Brinca, um constrangimento que resulta da “limitação na contração pública”. E nem medidas como o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares parecem resultar numa aceleração da execução dos fundos, sublinha o economista que critica o facto de o “Governo ter usado o PRR para fazer consolidação orçamental ao substituir o Orçamento do Estado a assegurar o investimento público”.
O verão volta a mostrar a necessidade de reforçar a capacidade aeroportuária da região de Lisboa, mas até isso acontecer será necessário esperar mais de uma década. O tráfego continua, ainda assim, a crescer. O aeroporto de Lisboa movimentou 12,9 milhões entre janeiro e maio, crescendo 36,9% face ao mesmo período do ano passado e 10,1% face a igual período de 2019.
O Governo criou no ano passado uma Comissão Técnica Independente para realizar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que vai estudar nove opções para a localização da infraestrutura. Foram divulgados recentemente os fatores críticos de decisão para avaliar a melhor solução para o novo aeroporto, que vão estar em consulta pública até 4 de agosto. As opções em cima da mesa para o reforço da capacidade aeroportuária da região de Lisboa são: Portela + Montijo, Montijo + Portela, Campo de Tiro de Alcochete, Portela + Campo de Tiro de Alcochete, Santarém, Portela + Santarém, Vendas Novas, Portela + Vendas Novas e Rio Frio + Poceirão.
A coordenadora, Rosário Partidário, afirmou a semana passada que os trabalhos estão com “dois a três meses de atraso” devido a dificuldades burocráticas. Que o Governo entretanto já parece ter resolvido ao permite ao LNEC que realize ajustes diretos na contratação dos estudos em falta. O relatório final da AAE só será entregue em dezembro ou mesmo janeiro do próximo ano. O ministro das Infraestruturas, João Galamba, apontou uma decisão política para o primeiro semestre de 2024.
“Em condições normais de trabalho da Comissão Técnica Independente e de todo o processo vamos ter aeroporto da Portela tal como está durante 12 a 14 anos“, estima Sérgio Palma Brito, analista sénior de transporte aéreo. “O aeroporto vai recusar rotas a companhias aéreas que são fundamentais para o nosso desenvolvimento económico, nomeadamente da Ásia”, afirma, dando como exemplo a Korean Air.
Para Sérgio Palma Brito, “o interesse nacional impõe que haja uma solução de transição, que é Portela + Montijo. É um investimento de 1.600 milhões de euros a cargo da ANA, que permite ir até 50 milhões de passageiros. Pode estar pronto em três anos assim o queira o primeiro-ministro e o líder da oposição (têm de atuar já)”, argumenta.
A CTI vai também estudar soluções para responder aos constrangimentos de curto prazo no Humberto Delgado. Rosário Partidário afirmou que a análise ainda não está finalizada, mas irá incidir apenas sobre “a melhoria da gestão operacional. Não há localizações e novos aeroportos. Quando muito utilizar as bases aéreas disponíveis”, referiu.
Terminada a comissão parlamentar de inquérito à TAP, as atenções viram-se agora para a privatização da companhia aérea, um processo decisivo para o seu futuro. “A TAP está a viver o momento de verdade mais crucial da sua existência. Se a privatização não tiver sucesso, durante dez anos a companhia não poderá ter outro auxílio de Estado”, assinala Sérgio Palma Brito, analista sénior de transporte aéreo.
O Governo lançou o processo em abril, mandatando a Parpública para contratar duas entidades para avaliar a transportadora. Foram selecionadas a consultora EY e o Banco Finantia, que só deverão entregar as avaliações na segunda quinzena de agosto. Só depois disso avançará o decreto-lei que determinará as condições da privatização.
O ministro das Finanças disse na semana passada que o processo só ficará fechado no próximo ano. “Este é um processo de enorme importância, de grande sensibilidade e de grande importância estratégica, e, por isso, vai correr dentro do seu tempo e dos seus moldes”, afirmou Fernando Medina. “Não estará, certamente, concluído dentro do ano de 2023. Nunca esteve, aliás, isso nos planos do Governo”, acrescentou.
O primeiro-ministro deixou claro no Parlamento que o Governo pretende que o Estado mantenha uma participação na TAP, de forma a assegurar a “estratégia adequada”. Um caminho com que Sérgio Palma Brito discorda. “Se o Governo mantiver uma reserva pública estratégica vai cometer o mesmo erro de 2016, quando a empresa ficou com uma estratégia pública mas uma gestão privada”, diz, referindo-se à recompra de 50% do capital pelo Estado.
“A comissão parlamentar de inquérito mostrou que há duas lógicas inconciliáveis. A TAP opera num dos mercados mais competitivos do mundo. As regras da ciência e da técnica da gestão são incompatíveis com os critérios político-partidários que se quer impor na TAP“, argumenta, defendendo que a transportadora “deve ser privatizada a 100%”.
A companhia portuguesa despertou o interesse dos três grandes grupos da aviação europeia: Lufthansa, Air France – KLM e o IAG, dono da British Airways e da Iberia. Este último tem sido o mais debatido, devido ao receio de canibalização do aeroporto de Madrid. É também o que está visivelmente mais ativo. O presidente executivo do grupo IAG esteve em Lisboa a 19 de junho numa operação de charme para preparar a corrida à operação de reprivatização da TAP, como noticiou o ECO. Luis Gallego reuniu com responsáveis de várias entidades, como o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e o presidente da Confederação do Turismo de Portugal, Francisco Calheiros.
O negócio da TAP continua a correr bem, com a empresa a registar um aumento de 30% nos passageiros transportados no primeiro semestre, com destaque para os voos intercontinentais, onde superou em 15% o nível pré-pandemia. Falta saber como é que os dados operacionais se traduziram em resultados financeiros.
O objetivo do Executivo era concluir a reprivatização da Efacec até ao final de julho. Mas antes é necessário que o fundo alemão Mutares chegue a acordo com bancos e obrigacionistas sobre o perdão de dívida e falta ainda luz verde da Comissão Europeia e do Tribunal de Contas, uma condição precedente à realização do negócio.
Em cima da mesa está uma redução de 50% no reembolso de um empréstimo de 58 milhões de euros que a Efacec contraiu em 2019. Mas a Maxyield, uma associação de pequenos obrigacionistas, aconselha-os a chumbar o corte de 50% da dívida que será discutido na próxima assembleia geral agendada para 7 de agosto. Outra possibilidade é dilatar o prazo de pagamento do empréstimo a cinco anos e que deverá ser reembolsado em 2024. Já aos bancos está a ser proposto um corte de 80% da dívida, uma sugestão que não é rejeitada à partida pela banca, desde que os obrigacionistas também sofram um corte.
O Ministério da Economia insiste no lema de que o segredo é a alma do negócio. “O silêncio é de ouro a bem do país e da solução para a Efacec”, disse Costa Silva no Parlamento, onde, apesar da insistência dos deputados, não deu quaisquer números sobre o negócio: qual o investimento e capitalização propostos pela Mutares; o Estado vai ou não perder dinheiro na Efacec; haverá perdão de dívida por parte do estado, qual o plano de reestruturação que a Parpública se comprometeu a aplicar na empresa, qual o papel do Banco de Fomento no negócio.
A Maxyield diz que a Mutares só vai investir 15 milhões de euros na Efacec, “o que é manifestamente insuficiente para a viabilizar” e considera que a gestão da Parpública, nos últimos três anos, foi “verdadeiramente desastrosa, com a situação líquida da empresa a cair de 277 milhões de euros em dezembro de 2019 para -74 milhões de euros em abril deste ano, segundo dados da própria empresa”.
António Costa Silva garante que “a Mutares foi a melhor resposta” que o Governo encontrou no mercado, sublinhando o facto de a empresa já estar em Portugal, nomeadamente através da negociação de compra da Jayme da Costa. No entanto, os contactos estão suspensos desde que a Mutares foi escolhida para ficar com a Efacec. Não é falta de interesse, garantiram fontes próximas ao ECO, mas o negócio está condicionado ao resultado da reprivatização da Efacec.
Três anos depois da nacionalização que tirou a empresa das mãos de Isabel dos Santos, mais de 200 milhões de euros injetados na empresa, o Estado tenta pela segunda vez (a primeira opção com a DST ficou pelo caminho) reprivatizar a empresa. Uma empresa que lidera dois consórcios das agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência.
Em tempos de seca, potenciado pelo aumento de temperaturas e fraca precipitação, o risco de incêndio tende a aumentar. Em Portugal, tanto o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e a Agência para Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) registaram uma quebra nas ocorrências nos últimos anos. Segundo a AGIF, verificou-se uma redução para metade do número de incêndios rurais (incluindo nos dias de pior meteorologia) a área ardida caiu para um terço da média histórica, e não se registaram vítimas mortais diretas em incêndios.
Apesar do diagnóstico positivo, ainda assim é deixado um apelo: “o país estará cada vez melhor preparado, quanto mais apostar na prevenção. Esse é o grande trunfo que podemos ter para evitar os incêndios rurais”, sublinha fonte oficial da AGIF.
A entidade, que integra o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), reporta ao Capital Verde que este ano o país “tem o maior dispositivo de combate a incêndios de sempre”. Com mais 1.500 agentes no terreno (13.500 agentes em 2022), 67 meios aéreos (mais sete face a 2022), e 3.000 veículos em terra, o país está preparado para prevenir contra um maior risco de incêndio. Este reforço no combate traduziu-se num investimento de 529 milhões de euros, em 2022, fazendo desse ano o primeiro em que foi investido um montante superior em prevenção face ao investido no combate.
“Não tem paralelo com o passado a dimensão das ações de prevenção desenvolvidas desde 2017 pelo conjunto das entidades públicas e privadas, bem como pelos cidadãos, o que se tem refletido nos resultados já alcançados”, considera o ICNF ao Capital Verde.
Mas mesmo com os recursos de combate reunidos, é importante não baixar a guarda. Segundo o IPMA, o mês de junho foi o quinto mais quente desde 1931, em Portugal continental, e embora as previsões sugiram que Portugal vai ter temperaturas abaixo da média, até ao final de julho, os níveis de seca severa deverão aumentar na região centro e sul do país. Nestas localidades, as medidas de prevenção decretadas pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática irão manter-se, nomeadamente, as restrições para abastecimento humano e agricultura a sul em albufeiras selecionadas e a interdição de novas instalações de culturas permanentes e de estufas.
“Embora as temperaturas não estejam tão altas, o facto de estarmos a atravessar um período de seca cumulativa torna-a muito preocupante”, alerta o professor João de Quinhones Levy Professor do Instituto Superior Técnico e CEO da Ecoserviços. Segundo o responsável, o país está a atravessar “um período muito assustador” face aos níveis baixos das barragens e aos terrenos secos, sendo por isso necessário acautelar todos os eventuais riscos.
O tema era mencionado quase diariamente: tanto a oposição como até alguns dentro do PS apelavam à remodelação do Governo, que apesar de ter pouco mais de um ano já dava sinais de desgaste.
No entanto, o primeiro-ministro decidiu segurar os seus ministros, em particular João Galamba, e não avançar para um “refrescamento” como até sugeriu o próprio presidente do partido, Carlos César. Não esquecer ainda a divergência com o Presidente da República, que fez saber que discordava da decisão de manter Galamba no cargo e avisou que iria estar mais alerta.
Ainda assim, nas notícias e por fontes surgiram três momentos possíveis para uma remodelação, o primeiro dos quais após a discussão do Orçamento do Estado. Outras alturas possíveis seriam ainda antes do congresso do PS, no próximo ano, e depois das eleições europeias.
Apesar de António Costa atirar para a frente estas mudanças no seu Executivo, é provável que a oposição o confronte com este tema, até porque a Comissão de Inquérito à TAP revelou várias polémicas que não ficaram resolvidas por completo.
“A continuar como está vai ser um dos assuntos do Estado da Nação porque há uma serie de disfuncionalidades e incongruências na ação política do Governo, na mensagem e comunicação que é emitida por alguns dos seus membros mas particularmente assuntos que não estão bem resolvidos ainda”, indica Paula Espírito Santo, professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, ao ECO.
Já avançou, por exemplo, o “relatório final da CPI” à TAP, sendo que “o assunto vai ser um dos assuntos centrais da discussão do debate porque é um dos aspetos que marcou o último ano de governação”.
Entre os casos ainda por resolver encontra-se a situação de João Galamba, onde “de certa forma houve branqueamento, secundarização do episódio e da falta de capacidade de articulação interna a nível do ministério”, indica a politóloga. “A imagem pública que fica é de desgaste e incapacidade política e membros do Governo fragilizados e continuam no ativo”, acrescenta.
Mantém-se também a discordância com o Presidente, que prometeu uma monitorização mais ativa mas “do ponto de vista público não se nota que tenha havido o distanciamento que estava a ser perspetivado”, diz a investigadora. Esta questão pode ser também levantada durante o debate, ainda que o foco seja na “atuação do primeiro-ministro e como está a gerir inconsistências públicas e algumas explicações pouco consistentes e sem fundamento”.
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Do aeroporto às taxas de juro, eis o Estado da Nação
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