Nos três dias de debate do Orçamento, Paulo Trigo Pereira apresentou 20 declarações de voto. Dos professores aos touros, o ECO põe debaixo da lupa as explicações do deputado "mais desalinhado".
“Oiço castanholas. Deve ser o senhor deputado Paulo Trigo Pereira”, atirou a presidente da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administração. “Quero dar um bocadinho de música à sessão para não ser tão monótona”, respondeu-lhe esse mesmo parlamentar, confirmando-lhe as suspeitas. Queria anunciar que ia apresentar duas declarações de voto sobre as propostas que os deputados acabavam de votar. As primeiras duas daquelas que haveriam de ser duas dezenas, nos três dias de debate e votações na especialidade do Orçamento do Estado para 2019.
De segunda a quinta-feira, o Parlamento passou a pente fino o plano apresentado por Mário Centeno e as quase mil propostas avançadas por todas as bancadas parlamentares. Foram quatro longos dias de trabalho, que ficaram marcados por maiorias “alternativas”, chumbos custosos aos cofres do Estado e apartes como este das “castanholas” que, por duas vezes, na primeira tarde de votações, assinalaram a entrega de explicações por parte de Paulo Trigo Pereira. Nos restantes dias, a entrega das declarações em causa foi feita já sem música, mas sem falhar.
Não fosse este deputado submetido a disciplina de voto na segunda bancada mais robusta do Parlamento, a posição que teria tomado, em diversas ocasiões, teria sido bem diferente. Entre estes temas que lhe asseguram, mais uma vez, o título de “deputado mais desalinhado” (as estatísticas divulgadas pelo Hemiciclo já tinham apontado essa sua característica), estão a contabilização do tempo de serviço dos professores, a redução do IVA dos eventos tauromáquicos, a baixa do teto máximo das propinas do ensino superior e até a tributação do leite com chocolate.
Importa sublinhar que os sindicatos reivindicam retroativos relativamente a todos os anos que as carreiras estiveram congeladas. Em nosso entender, o descongelamento já é um progresso.
“Integrando o grupo parlamentar do Partido Socialista (GPPS), cumpro a disciplina de voto relativamente a matérias cruciais como seja o Orçamento do Estado. Importa, porém, assinalar algumas matérias que, tendo votado de forma idêntica ao GPPS, necessitam a meu ver de fundamentação, ou que na inexistência dessa disciplina votaria de forma diversa“, lê-se na cabeça do agrupamento diário das declarações de votos feitas pelo deputado e enviadas à imprensa.
A primeira medida a figurar nesse guião é a contabilização do tempo de serviço dos professores, uma matéria em que Paulo Trigo Pereira acompanha o sentido de voto do PS (isto é, é contra as propostas apresentadas pelo CDS, PSD, BE e PCP), mas julga ser necessário apresentar justificações. Recorde-se que as duas primeiras propostas foram aprovadas, levando o Executivo de António Costa a regressar às negociações com os sindicatos, apesar de o Conselho de Ministros já ter dado “luz verde” à contabilização de apenas dois anos, nove meses e 18 dias do tempo de serviço destes profissionais.
“Importa sublinhar que os sindicatos reivindicam retroativos relativamente a todos os anos que as carreiras estiveram congeladas. Em nosso entender, o descongelamento já é um progresso, sendo que a verdade é que a questão dos retroativos não consta do programa do PS ou do programa do Governo, sendo algo injusto relativamente a outras carreiras atendendo, designadamente, ao facto de a progressão dos professores ser mais rápida que a existente no plano das carreiras gerais”, nota o deputado, na sua declaração de voto.
Na opinião de Trigo Pereira, “adiar despesa pública com promessas para o futuro” é um “erro” que, diz, o país não deve repetir.
De maneira nenhuma poderia apoiar a baixa do IVA nas touradas, equiparando-a a esses espetáculos. Não é uma questão de gosto, é uma questão de processo civilizacional.
Da polémica contabilização do tempo de serviço dos professores para os touros que tanta tinta têm feito correr, Paulo Trigo Pereira diz ter opinião contrária à da bancada que integra e garante que votaria contra qualquer descida do IVA dos eventos tauromáquicos (uma medida que acabou por ser aprovada).
“Deve, sim, haver uma progressiva sensibilização social para as condições em que se realizam as touradas”, defende o deputado. “Não equiparo as touradas a espetáculos de canto, dança, música e teatro, pela simples razão que destes espetáculos as touradas são o único que inflige sofrimento aos animais “, reforça o político, referindo que não está em causa uma questão de gosto, mas de processo civilizacional.
Outra matéria em que, a não haver disciplina de voto, Paulo Trigo Pereira posicionar-se-ia de modo diferente é a da redução do teto máximo das propinas do ensino superior. “Trata-se de uma proposta com a qual discordo veementemente, pois não se adequa em nada aos seus alegados objetivos”, começa por explicar o deputado.
O político defende que esta medida representa uma “interferência na autonomia das instituições do ensino superior” e tem um “efeito regressivo na distribuição de rendimento”, porque os principais custos dos estudantes, diz, não são as propinas mas as despesas de alojamento e alimentação, o que significa que esta redução beneficia mais as famílias com rendimentos superiores do que as mais necessitadas.
Não deixa de ser curioso, e paradoxal, que os partidos da esquerda aprovem uma proposta de direita e que os partidos de direita aprovem uma proposta de esquerda. A política, definitivamente, já não é o que era.
“Se o Estado considera que a administração central deve e pode abdicar de receitas públicas, melhor faria se não abdicasse dessas receitas e aumentasse a despesa nesse montante dirigida à ação social escolar apenas para os estudantes que dela necessitam“, enfatiza ainda o parlamentar. Esta foi, de resto, uma das principais críticas dirigida pela direita ao Governo e aos seus parceiros, neste ponto.
Daí que Trigo Pereira note: “Não deixa de ser curioso, e paradoxal, que os partidos da esquerda aprovem uma proposta de direita e que os partidos de direita aprovem uma proposta de esquerda. A política, definitivamente, já não é o que era”. O deputado refere-se às propostas apresentadas pela direita para eliminar o artigo da proposta de Orçamento que baixa o limite máximo de propina.
Além disso, Paulo Trigo Pereira esclarece que daria “luz verde” à proposta do PAN para retirar as isenções aplicadas ao leite achocolatado ou aromatizado, tributando-o como qualquer outra bebida não alcoólica.
“A introdução do imposto sobre o açúcar nas bebidas, nesta legislatura, fez já com que a indústria se adaptasse rapidamente e colocasse no mercado produtos com menor teor de açúcar, com benefícios para a saúde pública. O mesmo poderá e deverá suceder quanto às bebidas achocolatadas com elevados teores de açúcar”, ressalva o deputado.
Esta é uma medida particularmente importante atendendo, também, ao facto de o leite achocolatado ser um produto consumido principalmente por crianças e jovens, uma faixa etária marcada por elevados níveis de obesidade e excesso de peso.
Apesar de apoiar a medida (que acabou por ser chumbada pelos deputados), Paulo Trigo Pereira critica a ausência de uma proposta relativa à tributação das bebidas à base de soja, que “também têm níveis de açúcar demasiado elevados”.
Nesta declaração de voto, o parlamentar aproveita ainda para deixar uma tabela comparativa do teor de açúcar de um conjunto de bebidas não alcoólicas, do Ice Tea ao leite achocolatado, invocando a própria intervenção de André Silva, que levou ao plenário dois pacotes dessas bebidas como adereços… que não falharam em chamar a atenção.
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Dos touros aos professores. O Orçamento pelos olhos do deputado mais desalinhado
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