O setor da moda em Portugal enfrenta desafios jurídicos complexos. Para responder a estas necessidades e aproveitando a oportunidade de negócio, as firmas começaram a criar áreas especializadas.
O setor da moda tem forte tradição em Portugal, seja em termos de indústria, como a têxtil ou de calçado, seja em termos de design, sendo o país um grande exportador. Como um setor em forte expansão internacional, vários são os complexos desafios jurídicos que tanto os fornecedores, como as marcas e designers enfrentam, como a proteção da propriedade intelectual, a captação de investimento, os contratos de distribuição, franchising, comércio eletrónico, sustentabilidade e compliance regulatório.
As sociedades de advogados, cientes da oportunidade de negócio, apostam na especialização jurídica nesta área, respondendo assim às necessidades do setor. Exemplo disso, são firmas como a Abreu Advogados, Antas da Cunha Ecija e a Garrigues.
“A moda vive um momento de enorme transformação: sustentabilidade, universalidade, digitalização e novos modelos de consumo. Isto abre oportunidades no comércio eletrónico, na internacionalização das marcas e na utilização de tecnologias emergentes (IA, blockchain, NFTs)”, revela o sócio da Garrigues João Miranda de Sousa, que sublinha que a firma acompanha as empresas do setor nos respetivos processos de internacionalização.
Também Ricardo Cardoso, sócio da Antas da Cunha Ecija, admite que as oportunidades de negócio nesta área são “vastas” e refletem o dinamismo do setor. “A proteção de criações e marcas continua a ser central. O digital abriu espaço para marcas nativas de e-commerce, colaborações com influenciadores e modelos de negócio ligados à tecnologia (NFTs, inteligência artificial) que levantam novos desafios jurídicos. A sustentabilidade, alinhada com critérios ESG, é já um fator decisivo para consumidores e investidores. Acresce a internacionalização, que obriga a lidar com legislações distintas, e as operações de M&A, que acompanham o movimento de consolidação da indústria”, explica.
Mas o que levou estes escritórios a apostar nesta área de negócio? Por exemplo, no caso da Abreu Advogados, a aposta na área de prática de Fashion, Luxury & Lifestyle resultou da consciência de estarem perante um setor com “enorme relevância económica”, “disruptivo”, “criativo” e com “inúmeros desafios”, para além de ser um “grande empregador” e uma área em crescimento.
“Estes dados são confirmados por um estudo recente da Deloitte e da Google, revelando que a transformação digital do setor pode resultar numa expansão significativa do negócio da moda até 2030, com uma expectativa de que as vendas online atinjam os 233 mil milhões de dólares a nível global, um crescimento de 77% face aos números atuais”, revelam os sócios Carmo Sousa Machado e Ricardo Henriques.
Já no caso da Antas da Cunha e Ecija, quando criaram a área de Desporto, Moda e Entretenimento tinham a plena noção de que estavam a inovar não apenas na forma, mas também no conteúdo. “A inserção da moda nesta tríade acabou por se assumir estratégica: queremos estar lado a lado com os players do setor, ajudando-os a proteger o seu valor, reforçar a competitividade e expandir os seus negócios a nível global”, explica Ricardo Cardoso.

Uma área especializada que, nas três firmas, implica o envolvimento de outros departamentos dos escritórios, como propriedade intelectual, direito comercial e contratual, digital e tecnológico, fiscalidade, contencioso e também corporate/M&A.
“A moda é uma indústria transversal e as suas necessidades não se limitam à proteção da propriedade intelectual e industrial: requerem assessoria comercial em operações de M&A ou joint ventures, laboral na gestão de talento, fiscal na otimização internacional, imobiliário para a abertura de flagships ou corners em grandes armazéns, e proteção de dados para o comércio eletrónico”, nota João Miranda de Sousa.
O apoio aos clientes
Desde empresas, como marcas consolidadas e startups, a fornecedores, celebridades e distribuidores, vários são os clientes destas firmas de advogados que recorrem aos seus serviços.
“Trabalhamos com toda a cadeia de valor da indústria: desde grandes marcas internacionais a designers emergentes, passando por fabricantes, distribuidores, plataformas de e-commerce, empresas de cosmética, joalharia, relojoaria e agências de publicidade. É difícil encontrar uma área que não tenha alguma ligação, direta ou indireta, à indústria”, exemplifica o sócio da Garrigues.
Os sócios da Abreu Advogados revelaram que os principais problemas apresentados pelos clientes incidem na proteção das suas criações ab initio, aquando da criação do negócio, “por exemplo, através da obtenção de um registo de desenho ou modelo, e, numa fase posterior, em transações comerciais, existe uma particular preocupação em regular os limites e os modos de utilização das criações através de licenças que, por norma, se encontram integradas em contratos de distribuição comercial, como seja o contrato de franquia”.
Já numa perspetiva laboral, Carmo Sousa Machado e Ricardo Henriques explicaram que existe uma grande preocupação com o dever de sigilo e com a não concorrência, mesmo após a cessão dos contratos de trabalho.
Por outro lado, João Miranda de Sousa alertou que os maiores desafios das empresas de moda advêm hoje da “complexidade do ecossistema digital”. “A relação com os marketplaces e o cumprimento da legislação de consumo nas vendas online são questões que exigem assessoria constante”, acrescenta.
O sócio da Garrigues referiu ainda que são também frequentes os conflitos relacionados com publicidade digital, colaborações com influencers ou exploração de direitos de imagem. “A tudo isto soma-se o combate à contrafação, que continua a ser um desafio relevante tanto em canais físicos como online”, sublinha.
Dos desafios ao futuro da moda
Num dos setores da indústria global com maior expressão económica, vários são os desafios, nomeadamente jurídicos, como o “modo de obtenção de proteção sobre criações de moda face à crescente cultura de pirataria e de contrafação a que se assiste nas plataformas digitais e que, nos dias de hoje, geraram um verdadeiro mercado paralelo, causando prejuízos às empresas deste setor”, exemplificam os sócios da Abreu.
Já Ricardo Cardoso divide os desafios em três eixos: proteção de marcas e designs, sustentabilidade e digitalização/e-commerce. “A internacionalização impõe adaptação a diferentes mercados, acrescendo, ainda, desafios fiscais e aduaneiros, bem como todo o impacto da inteligência artificial (IA)”, nota.
Por outro lado, João Miranda de Sousa aponta que o maior desafio é acompanhar e gerir a mudança constante dos modelos de negócio e dos hábitos de consumo. “A transição para a sustentabilidade, a pressão pela rapidez das vendas online, a proteção da reputação nas redes sociais e a entrada da IA no design ou na personalização do consumo colocam questões jurídicas inéditas”, alerta, acrescentando que a isto se junta o impacto da geopolítica, como as alterações tarifárias, tensões comerciais ou conflitos internacionais que afetam diretamente as cadeias de abastecimento e a estratégia de internacionalização das marcas.
Uma coisa é certa, pelos menos para Carmo Sousa Machado e Ricardo Henriques: tendo em conta o rápido desenvolvimento tecnológico a que se assiste, torna-se difícil precisar sobre a evolução da advocacia nesta área. Ainda assim, alertam que a advocacia tem de estar “preparada” e “adaptada” a um contexto cada mais tecnológico por forma a saber responder mais adequadamente às necessidades dos clientes.
“Depois de anos de enorme crescimento deste setor de atividade assistimos a alguma estagnação, com algumas marcas de renome a alterarem as suas estratégias de produção e comercial, fruto da pressão dos consumidores, cada vez mais preocupados com a sustentabilidade, com as boas práticas e com o desperdício”, explicam os sócios da Abreu Advogados.
Também João Miranda de Sousa prevê que a advocacia na área da Moda nos próximos anos será marcada pela tecnologia e pela necessidade de dar respostas em tempo real num mundo cada vez mais interligado. “A IA, a automatização de processos e a análise de dados vão transformar a forma como os advogados trabalham, libertando tempo para acrescentar valor: critério estratégico e visão global. Ao mesmo tempo, a crescente internacionalização das marcas obrigará os profissionais a ter uma consciência mais ampla, capazes de antecipar o impacto das decisões jurídicas em diferentes mercados e culturas”, afirma.

Para o sócio da Garrigues, o advogado do futuro não será “apenas” um especialista em moda e luxo, mas um “intermediário entre disciplinas, com sensibilidade criativa, formação transversal e capacidade para guiar as marcas num ambiente global complexo, tecnológico e em constante mudança”. “E, além disso, deverá compreender que a sociedade e, em particular, as novas gerações — os futuros consumidores do setor — estão cada vez mais sensibilizadas para a sustentabilidade e o respeito pelo ambiente”, acrescenta.
Sendo a IA um tema que “está em cima da mesa” de todos os setores e indústrias, o sócio da Antas da Cunha Ecija considera que este será determinante e ganhará relevância juridicamente. “O uso de IA no design levanta questões de autoria, propriedade intelectual e responsabilidade. A gestão de cadeias de fornecimento ou personalização do consumo através de algoritmos exigirá regras claras de proteção de dados e ética. Em paralelo, a sustentabilidade e a rastreabilidade continuarão a ser centrais, mas será a tecnologia — em especial a IA — a definir a agenda jurídica da moda nos próximos anos”, assume.
“Os temas jurídicos que poderão ganhar relevância, além da proteção de marcas no Metaverso, que nos dias de hoje se afigura possível através da classe 9 da Classificação Internacional de Nice, respeita à possibilidade de proteção de designs virtuais e ao uso de ferramentas de inteligência artificial no processo criativo”, alertam os sócios da Abreu.
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Firmas de advogados “desfilam” na passadeira da moda
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