No mercado liberalizado, há que esperar que os comercializadores resolvam beneficiar os consumidores, por adquirirem a eletricidade a um preço mais baixo no mercado grossista", critica a Deco.
Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias. Foi por isso que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) decidiu avançar com uma rara revisão extraordinária da tarifa de energia aplicável ao mercado regulado. No espaço de 20 anos de existência do regulador, este mecanismo de revisão trimestral dos preços (seja ela para cima, ou para baixo) apenas foi usado meia dúzia de vezes.
A partir desta terça-feira, 7 de abril, cerca de 1,02 milhões de famílias que no final de fevereiro de 2020 ainda permaneciam no mercado regulado, abastecidas pelo comercializador de último recurso (SU Eletricidade, antiga EDP Serviço Universal) por aplicação das tarifas transitórias, vão ter um desconto de 3% na fatura da luz. Isto “graças” à pandemia de Covid-19, que está a afundar os preços da eletricidade nos mercados grossistas.
De acordo com o dados mais recente das APREN, em março registou-se uma redução no preço da eletricidade de 32% face ao início do ano, com preços mínimos registados a 31 de março (10,7 €/MWh). No acumulado do primeiro trimestre do ano foi registado um preço médio horário no Mercado Ibérico de Eletricidade (Mibel) em Portugal de 34,9 €/MWh (menos 37% face ao período homólogo). Em março registou-se um preço médio de 27,9 €/MWh.
As contas da ERSE para o mercado regulado mostram que a poupança mensal será de 2,92 euros para um casal com dois filhos, numa fatura média de 91,50 euros. Já para um casal sem filhos a redução será de 1,11 euros numa fatura de 37,62 euros. Um cenário aplaudido pela Deco: “Saudamos esta decisão, que revela preocupação e atenção aos consumidores, num momento difícil”, disse a Deco.
A quebra no preço da eletricidade produz efeitos já a partir desta terça-feira, mas o regulador avisa que os consumidores podem não sentir a redução imediatamente na sua fatura, devido à necessidade de atualização dos sistemas da SU Eletricidade (Grupo EDP). “A medida aplica-se aos clientes do mercado regulado, em particular os vulneráveis, assegurando que os consumidores beneficiam da redução dos preços nos mercados grossistas”, explica a ERSE.
De três em três meses, as tarifas reguladas definidas para o ano em vigor podem e devem, caso se justifique, ser revistas, mas este é um mecanismo, tal como o nome indica, extraordinário. Agora, foi preciso a pandemia global de Covid-19 fazer cair os preços da energia elétrica nos mercados grossistas quase 14 euros por MWh — de um valor de 58,45 euros/MWh, considerado para os cálculos da tarifa de 2020, para estimativas mais recentes de um preço médio de 44,77 euros/MWh — para a ERSE decidir tirar 5 euros por MWh às tarifas do mercado regulado. O regulador estima que esta situação se deverá manter face ao “momento excecional decorrente da pandemia provocada pelo Covid-19”.
Preços descem no regulado, mas mercado livre continua a ser mais barato
Fora destas descidas na conta da luz ficam para já os 5,3 milhões de consumidores do mercado liberalizado, com a ERSE a frisar, no entanto, que “dada a continuada tendência de descida dos preços no mercado grossista, é expectável que também os comercializadores do mercado liberalizado continuem a refletir essa redução nas suas ofertas comerciais, permitindo que os consumidores do mercado liberalizado também beneficiem de uma descida de preços”.
Até agora, apenas dois pequenos comercializadores de eletricidade — a Ylce, da Enforcesco, e a cooperativa de energias renováveis Coopérnico — se chegaram à frente com o lançamento de tarifários especiais, mais baratos, para este tempo de isolamento social e estado de emergência, em que as famílias estão a consumir pelo menos mais 20% de energia elétrica e a sua fatura poderá sofrer um aumento, no pior dos cenários, entre 44,5 e 69%.
A Ylce, marca lowcost da comercializadora Enforcesco, que conta com dez mil clientes no mercado livre, lançou recentemente o tarifário “Todos Juntos” (válido até ao final do ano), com “poupanças significativas que poderão chegar a 20% de desconto”. “Neste momento conturbado, que nos assola a todos, todas as reduções de custos fixos mensais, que todos temos que assumir, revestem-se de uma grande importância.”, sublinhou a empresa em comunicado, acrescentando ainda: “Nesta altura é particularmente importante que todos nós, enquanto consumidores de energia elétrica, enviemos as leituras do contador, evitando assim estimativas de consumos que possam aumentar o valor da fatura de energia elétrica”.
“Somos a empresa fornecedora de energia com um dos preços mais baixo do mercado”, afirma João Nuno Serra, CEO e fundador da Enforcesco. A lutar pelo pódio da luz mais barata estão também as comercializadoras Goldenergy e Coopérnico. Esta última lançou o tarifário especial #FiqueEmCasa e reduziu dez euros por mês na fatura dos clientes.
“Numa altura de contenção para famílias e empresas, a Coopérnico pretende apoiar os membros e clientes com uma redução de tarifário que também se aplica aos novos clientes. Com a redução dos preços, vai também partilhar com os seus clientes as poupanças que está a obter no mercado grossista de energia, onde os preços sofreram uma baixa no valor. De acordo com o simulador da ERSE para a eletricidade, o tarifário #FiqueEmCasa está já entre os mais baratos do mercado e será revisto no final de junho”, explicou a elétrica em comunicado. O novo tarifário promocional estará em vigor entre 1 de abril e 30 de junho de 2020.
Também a Goldenergy, empresa portuguesa do grupo Suiço Axpo, que comercializa eletricidade 100% verde, lançou recentemente o novo “Tarifário Sustentável” que, de acordo com a elétrica, “gera poupanças que chegam aos 250 euros por ano em comparação com o mercado regulado”. De acordo com Miguel Checa, Diretor Geral da Goldenergy, esta é mais uma medida para ajudar a minimizar os impactos da crise que os portugueses atravessam devido à pandemia de Covid-9, depois do lançamento de um fundo de 300 mil euros criado para ajudar clientes da Goldenergy, que cumpram uma série de critérios em relação a impactos económicos que estejam a sentir, sobretudo quebra de rendimentos.
Uma consulta rápida ao simulador de preços da ERSE mostra que, neste momento, para uma família que gasta 1900 kWh/ano (contagem simples, como é recomendado para esta fase) e tem 3,45 kVA de potência contratada o melhor preço mensal é precisamente o do tarifário Sustentável da Goldenergy (33,57 euros, disponível desde meados de março e válido até ao final do ano), seguindo-se o #FiqueEmCasa da Coopérnico (33,58 euros) e o Todos Juntos da Ylce (33,83 euros).
Já o valor da tarifa regulada pré-desconto está muito acima destes valores (38,45 euros). No entanto, com a descida agora anunciada pela ERSE, esta família passará a pagar 37,69 euros no mercado regulado, calcula a Deco.
Para um agregado familiar com a mesma contagem simples mas um consumo superior (5000 kWh/ano) e uma potência contratada de 6,9kVA, a Ylce tem o valor mensal mais baixo (80,94 euros), seguida da Goldenergy (81,69 euros) e da Coopérnico (81,70 euros).
Quanto à EDP, que mantém a liderança no segmento de clientes domésticos do mercado livre, com uma quota de mercado de 72,8%, a elétrica não desceu ainda o preço da energia que vende, mas optou por aumentar os descontos aplicados a alguns tarifários específicos, como por exemplo os Packs Living EDP, nos quais os abates à fatura passaram de 4 a 8% para reduções na conta da luz um pouco superiores, entre 6 e 10%. Esta oferta é válida até 30 de junho de 2020 mas é “condicionada”, ou seja, exige o pagamento de um valor mensal (durante 12 meses, de 4,90 a 12,90 euros) para ter acesso a serviços adicionais e ao respetivo desconto na fatura de energia.
Deco recomenda regresso ao mercado regulado
“Os mais de cinco milhões que mudaram para o mercado liberalizado terão de esperar que os comercializadores resolvam beneficiar os consumidores, por adquirirem a eletricidade a um preço mais baixo no mercado grossista“, critica a Deco, num dossiê técnico assinado pelo especialista em energia Pedro Silva.
A defesa do consumidor garante que “os comercializadores com valores abaixo da tarifa transitória também podem estar a refletir, parcialmente, a descida no mercado grossista”, mas ponta o dedo às grande elétricas.
“Já a EDP Comercial e a GALP, que têm mais de 83% dos clientes do mercado liberalizado, tardam em refletir a baixa no custo da energia. Excluímos as parcerias da Galp com o Continente, porque o desconto não incide na fatura a pagar, da Goldenergy com o ACP, porque apenas se dirige aos sócios do último, e o desconto de amigo da EDP Comercial, que só se aplica a quem recomendar um novo cliente”, frisa a Deco, lançando o alerta: “Se estiver acomodado a uma tarifa no mercado liberalizado, consulte, pelo menos, as linhas finais que aparecem na sua fatura. Irá encontrar quanto está a pagar a mais ou a menos face à opção pela tarifa regulada. Não é um indicador absoluto, dado que não contabiliza os custos com eventuais serviços adicionais contratados (assistência em casa, reparação de eletrodomésticos ou seguro de saúde), mas é um indicador para a sua situação.
O mercado regulado tinha já os dias contados, para terminar a 31 de dezembro de 2020, mas o Orçamento do Estado para 2020 prolongou a sua existência por mais cinco anos, até ao final de 2025. O mesmo foi decidido pelo Governo para o gás natural.
Apesar dos apelos da Deco, os números da ERSE mostram que há mais pessoas a mudar do regulado para o livre (70 vezes mais), do que em sentido oposto. “Decorrendo da possibilidade dos consumidores domésticos de eletricidade optarem pelo regime equiparado ao das tarifas transitórias ou reguladas, até final de fevereiro regressaram ao mercado regulado 2026 clientes“, revelou o regulador. Pelo contrário, no espaço de apenas um mês (de janeiro para fevereiro de 2020) o mercado livre somou mais 10,8 mil clientes. Num ano, desde fevereiro de 2019, o número de consumidores no mercado livre cresceu 2,8% (uma subida de mais de 142 mil clientes em 12 meses).
Ainda assim, a defesa do consumidor insiste em alertar para “as reduzidas vantagens na fatura de quem transitou para o mercado liberalizado”. “A liberalização do mercado da eletricidade pressupõem que haja uma sã concorrência entre empresas. Estas devem apresentar aos consumidores as melhores ofertas e competir por maiores quotas de mercado. Tal implica que não arrecadem as margens obtidas quando os preços grossistas caem. Nunca fomos apologistas de um mercado liberalizado à custa do consumidor”, refere o mesmo dossiê técnico da Dedo Proteste.
Recomendado é também, durante este período de confinamento, avaliar se é preferível passar da tarifa bi-horária para a tarifa simples. “A alteração de hábitos nesta fase pode levar a um desequilíbrio no perfil de consumo, aumentando os gastos nos horários em que os preços da eletricidade são mais elevados. Quando este período extraordinário terminar, pode retomar a tarifa bi-horária e adequar novamente os seus hábitos de consumo”.
Preços regulados descem também no gás?
A par do que foi decidido para a eletricidade, a Deco quer ver as tarifas reguladas a descer também no gás natural. “As razões invocadas pela ERSE também se aplicam ao gás natural. O preço no mercado grossista tem estado em queda e, embora a ERSE tenha apresentado a sua proposta de revisão anual com uma redução de cerca de 3% nas tarifas domésticas, as alterações só vigorarão a partir de outubro de 2020”, diz a Deco, lembrando que as novas medidas do regulador “deveriam contemplar uma revisão imediata das tarifas reguladas de gás natural”.
“Mais uma vez, questionamos a reação tardia das empresas comercializadoras do mercado livre, sobretudo quando as opções vantajosas de tarifários de gás natural são quase inexistentes. Há muito que reivindicamos que se crie o regime de tarifas equiparadas às reguladas, tal como existe para a eletricidade. Chegou a altura de o fazer, bem como alargar a possibilidade de regresso às tarifas reguladas no gás natural, como já foi feito para a eletricidade. Também a indicação de quanto pagaria caso tivesse tarifa regulada deveria constar das faturas de quem já se encontra no mercado liberalizado”, remata a Deco. No gás, a defesa do consumidor diz que as empresas mais caras são a EDP Comercial e a Galp que, em conjunto, detêm uma quota de mercado de quase 80% de clientes.
Resta ainda o gás engarrafado, usado por dois terços das famílias portuguesas, sendo que o preço das botijas tem permanecido inalterado, “embora o mercado petrolífero esteja, neste momento, com preços muito baixos e o indicador do preço de referência (que integra aquela componente) registe uma acentuada redução desde janeiro”.
Uma garrafa de butano de 13 Kg continua a custar cerca de 26 euros, aponta a Deco: “Nesta altura de crise, em que existe um aumento do consumo devido à permanência no domicílio, mais refeições e banhos, a estabilidade deste preço é difícil de justificar. Sendo os operadores livres de definir os preços num mercado liberalizado, cabe ao Estado proteger os cidadãos de práticas lesivas no acesso económico a serviços públicos essenciais, como o gás engarrafado. O problema é que, neste mercado, não existem empresas “reguladas” que pratiquem tarifas definidas pelo regulador e as tarifas sociais são uma miragem, ainda no papel”.
(Notícia atualizada)
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Preço da luz baixa 3% no mercado regulado. No liberalizado os descontos ainda são poucos
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