Os cidadãos comunitários estão incertos sobre o que poderá acontecer com os seus direitos. A Advocatus foi saber junto dos especialistas que implicações o Brexit poderá ter juntos dos emigrantes.
O processo do Brexit foi moroso, estendendo-se por quatro anos, e as consequências que podem advir após a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) ainda são uma incógnita. Dos cerca de 400 mil portugueses a viver em território britânico, estimados pelo Governo, a Advocatus conta-lhe as histórias de dois portugueses que aguardaram com expectativa a saída que se efetivou a 31 de janeiro.
Luísa Sousa, designer da BBC, encontra-se a viver no Reino Unido há sete anos, e as “boas oportunidades de trabalho”, o interesse pela cidade de Londres e a “dinâmica e facilidade de comunicação” foram algumas das razões que levaram-na a escolher o país.
“No dia do resultado do referendo estava em Barcelona e não queria acreditar. Nunca achei que o Leave fosse ganhar…”, explica a designer. Para Luísa Sousa, os primeiros dias após este referendo foram tristes e causaram algum desconforto, “mas no dia-a-dia nunca mudou nada”. “O processo foi confuso, sempre sem decisões concretas e por isso nunca senti qualquer impacto a não ser muita saturação com estes quatro anos de um processo que parece tão pouco útil”, acrescenta.
O processo foi confuso, sempre sem decisões concretas e por isso nunca senti qualquer impacto a não ser muita saturação com estes quatro anos de um processo que parece tão pouco útil.
Por outro lado, João Filipe Pereira, SEO Manager no TripAdvisor, decidiu voar até Londres em janeiro de 2015 em “busca de um futuro profissional melhor” e desde aí que continua a viver lá. “Fui sem emprego, completamente à aventura. Para melhorar o meu inglês e para procurar uma oportunidade em marketing”, confidencia à Advocatus.
Sobre a situação instável da saída do Reino Unido da UE, João Filipe Pereira afirma viver com “tranquilidade”, apesar de ter certos cuidados, como comprar reservas a mais de comida e produtos de higiene para o filho de 18 meses.
“É uma situação instável do ponto de vista político, mas até ao momento não tem afetado muito o dia-a-dia”, assegura. Ainda assim, o SEO garante que já existem empresas a sair de Londres, que os preços das casas estão a cair e que se nota alguns sintomas de uma possível recessão económica.
É uma situação instável do ponto de vista político, mas até ao momento não tem afetado muito o dia-a-dia.
Luísa Sousa e João Filipe Pereira não estão sós. Como eles milhares de cidadãos comunitários a viver no Reino Unido vivem com as mesmas preocupações e incertos se os seus direitos laborais vão ser assegurados.
Três anos e sete meses depois, o Parlamento Europeu votou favoravelmente ao Acordo de Saída do Reino Unido da UE. Este acordo tem um período de transição até 31 de dezembro de 2020 e no qual o direito comunitário continua a ser aplicável.
“Decorrido que seja o período de transição, a posição do Governo britânico sobre os direitos laborais de cidadãos de outros Estados-Membros não é clara, mas os sinais têm sido interpretados de forma negativa, nomeadamente pelo facto de Boris Johnson ter retirado da última versão do Withdrawal Agreement a secção em que o Reino Unido prometia respeitar os direitos laborais adquiridos sob a governança da UE”, nota Rogério Fernandes Ferreira, sócio e fundador da RFF & Associados.
Para os advogados da Morais Leitão, Dzhamil Oda e Pedro de Gouveia e Melo, após a entrada em vigor do acordo de saída os “direitos laborais dos emigrantes atuais no Reino Unido decorrem diretamente desse acordo e são garantidos por ele, sem prejuízo de, em termos operacionais, o Reino Unido dever aprovar legislação nacional que dê execução ao acordo”.
“Face às disposições constantes do acordo e face à aprovação verificada por parte do Parlamento Britânico, não é necessária uma lei adicional que proteja os trabalhadores emigrantes. É sim necessário, com vista à efetivação de tal proteção, a aprovação por parte da Câmara dos Lordes e por parte da Rainha”, reiteram Susana Afonso e Henrique Peyssonneau Nunes, advogados da CMS Rui Pena & Arnaut.
Settled status é a solução possível
Atualmente os cidadãos comunitários devem registar-se através do sistema settled status que permite aos emigrantes europeus candidatarem-se à atribuição do estatuto de residente permanente, que é obrigatório. Este estatuto permite que os cidadãos possam continuar a residir legalmente em território britânico.
“Quem reside de forma contínua no Reino Unido há mais de cinco anos tem um estatuto de residente permanente e a quem não perfizer cinco anos de residência até ao dia 31 de dezembro de 2020 terá atribuído um estatuto de residente provisório [pre-settled status]”, explica Rogério Fernandes Ferreira. O sócio da RFF referiu ainda que com este estatuto os cidadãos podem “continuar a trabalhar no Reino Unido, utilizar o serviço nacional de saúde, matricular-se no sistema de ensino ou continuar a estudar, aceder a prestações sociais e pensões e entrar e sair do país”.
Quem reside de forma contínua no Reino Unido há mais de cinco anos tem um estatuto de residente permanente e a quem não perfizer cinco anos de residência até ao dia 31 de dezembro de 2020 terá atribuído um estatuto de residente provisório [pre-settled status].
Ainda assim, os advogados da Morais Leitão indicam que a implementação prática é que irá ditar se o settled status é a melhor solução, nomeadamente “a simplicidade da candidatura, celeridade, limitação da burocracia associada e a discricionariedade associada à aprovação desse estatuto verificados que estejam os requisitos definidos para o efeito”.
Segundo os últimos dados do ministério do interior britânico, até dezembro de 2019, foram pedidos 231.100 pedidos de estatuto de residência no Reino Unido por cidadãos portugueses. De acordo com o relatório publicado, até agora 58% dos candidatos receberam o título permanente e 41% o título provisório e apenas seis candidaturas foram recusadas devido à elegibilidade, nomeadamente por terem cometido crimes graves.
“Já procedi ao registo através do aplicativo do telemóvel. Foi um processo que demorou cinco minutos e a resposta – positiva – chegou ao fim de duas semanas, por e-mail”, refere João Filipe Pereira sobre a sua experiência ao solicitar o estatuto. Também Luísa Sousa teve aprovado o seu estatuto de residência e considerou o processo “simples” e “fácil”.
Apesar da solução apresentada, o settled status tem levantado várias críticas por parte dos emigrantes e até das comunidades que afirmam que este estatuto não garante automaticamente os direitos de todos os cidadãos comunitários. “Não é perfeita [a solução], uma vez que não há nenhuma confirmação em papel, mas é o que há”, nota o SEO do TripAdvisor.
Sobre a possibilidade de este mecanismo salvaguardar todos os direitos dos trabalhadores, o sócio da RFF admite que inicialmente era essa a ideia, mas que atualmente não é claro. “O que pode afirmar-se com segurança é que o settled status salvaguarda a possibilidade de os cidadãos da UE poderem continuar a viver e a trabalhar no Reino Unido”.
O que é certo é que com a saída do Reino Unido da UE, tanto Luísa Sousa como João Filipe Pereira não pretendem abandonar o país. “Neste momento Londres é a minha casa e é onde a minha vida está centrada e a não ser que aconteça alguma coisa significativa planeio continuar a viver e a trabalhar aqui após o Brexit”, afirma a designer da BBC.
E as empresas como devem reagir?
O Brexit poderá afetar não só os cidadãos, mas também as empresas nacionais com presença no Reino Unido. Como refere Rogério Fernandes Ferreira, o período de transição de um ano é “extremamente curto” e “gera um clima de enorme incerteza para as empresas”.
“É possível também equacionar a possibilidade de o Reino Unido, após o termo do período de transição, deixar de beneficiar do desenvolvimento a ocorrer no direito fiscal da União Europeia no sentido da falada diretiva relativa ao Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB), que permitirá às empresas um quadro legal comum para calcular os lucros e as perdas entre os Estados-Membros da União Europeia e, eventualmente, os Estados-Membros da EFTA/EEA, permitindo a transferência de lucros e perdas que as empresas têm em diferentes Estados-Membros”, acrescenta.
Dzhamil Oda e Pedro de Gouveia e Melo por outro lado consideram que as empresas nacionais não devem ser afetadas “pelo simples facto de terem uma presença física no Reino Unido, através de uma forma societária prevista e admissível ao abrigo do Reino Unido”. Ainda assim, os advogados deixam o reparo que, caso a saída tivesse sido feita sem acordo, as empresas nacionais que “vendam mercadorias ou prestem serviços” para o Reino Unido, que “comprem ou recebam serviços” daquele país ou ainda que transportem mercadorias através do Reino Unido iriam ser afetadas.
Para os advogados da Morais Leitão a “antecipação” e a “prevenção” são conselhos para as empresas que mantêm relações comerciais com o Reino Unido. “Será também relevante realizar uma avaliação da sua capacidade humana, técnica e financeira para fazer face às potenciais implicações que um Brexit sem acordo terá, nomeadamente em matéria aduaneira”, concluem.
Por outro lado, Rogério Fernandes Ferreira, da sociedade RFF, aconselha as empresas a esperarem o melhor e a prepararem-se para o pior.
“Quanto a trabalhadores portugueses, ou de outros Estados-Membros, que pretendam entrar no Reino Unido para trabalhar e/ou residir após 31 de dezembro de 2020, os respetivos direitos dependerão do acordo que vier a ser celebrado entre a UE e o Reino Unido”, aconselham os advogados da Morais Leitão.
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Reino Unido saiu da União Europeia. E os emigrantes como ficam?
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