A reforma do Código de Processo Civil no final da legislatura

  • Carla Góis Coelho
  • 30 Setembro 2019

Necessário é formar juízes e funcionários judiciais e, sobretudo, dotar as salas de audiência dos meios necessários para que o processo digital possa ser trabalhado por todos de forma funcional.

Na reta final de legislatura foram aprovadas alterações importantes ao Código de Processo Civil.

Na Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, destaca-se a alteração em matéria de recurso de revisão. A Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado faz depender a responsabilidade do Estado por erro judiciário da prévia revogação da decisão errada, o que, se interpretado sem mais, poderá implicar a irresponsabilidade do Estado quando o erro foi cometido em última instância. A jurisprudência dispensa este requisito quando o erro consista na violação de direito da União Europeia, mas tem divergido quando tem por base uma violação de direito nacional. A alteração agora aprovada permite a interposição de recurso de revisão com vista à revogação da decisão errada.

Contudo, sem a alteração simultânea da Lei da Responsabilidade do Estado, poderá questionar-se se a interposição de tal recurso (e a sua decisão favorável) é imprescindível, ou apenas uma forma de facilitar a responsabilização do Estado, e também qual o efetivo conteúdo útil desta possibilidade de revogação considerando que a mesma será suscitada perante o mesmo Tribunal que incorreu no suposto erro judiciário, cabendo necessariamente a este decidir o reconhecimento e ressarcimento de tal erro. Embora visando a aplicação plena do princípio de responsabilidade do Estado por erro judiciário, esta alteração corre, assim, o risco de tornar ainda mais tortuoso o ressarcimento de um erro judiciário.

Já o Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho, visa consolidar a tramitação eletrónica dos processos judiciais e entrou em vigor no passado dia 16 de setembro, não obstante a promessa (no seu artigo 5.º) de publicação, em data prévia, da regulamentação necessária à sua execução.

Mas não basta conformar a letra da lei para alcançar em toda a linha o intento deste diploma. Necessário é formar juízes e funcionários judiciais e, sobretudo, dotar as salas de audiência dos meios necessários para que o processo digital possa ser trabalhado por todos de forma funcional, permitindo por exemplo a confrontação de testemunhas com documentos através do computador do Tribunal ou mesmo – melhor – através da projeção do documento.

Este diploma prevê ainda a possibilidade de as testemunhas serem ouvidas por videoconferência a partir das instalações de uma autarquia local ou de um serviço público da sua área de residência. É uma medida importante para aproximar a justiça dos cidadãos (evitando que uma testemunha tenha que deslocar-se para fora do seu município se neste não estiver instalado um Tribunal). Implica, contudo, que os espaços públicos em causa estejam dotados da tecnologia necessária para o efeito e implica igualmente conciliar a agenda do juiz e dos advogados com a agenda do espaço público e de um seu funcionário, que deverá acompanhar in loco a inquirição, o que poderá introduzir um condicionalismo extra, com custos de celeridade (que a inquirição por skype facilmente ultrapassa). Foi, na minha opinião, uma oportunidade perdida para regulamentar o skype enquanto forma de produção de prova, sendo este um meio que tão bem tem sido acolhido por alguns juízes, com ganho relevante de celeridade e eficiência, conquanto a parte que arrole a testemunha tenha contacto com a mesma e disponibilize os meios técnicos necessários.

É também fulcral prever, para os processos de natureza urgente, uma distribuição extraordinária (com sancionamento grave das partes que injustificadamente a acionem), que possibilite a adjudicação dos mesmos a um juiz e a sua decisão em tempo útil: não raras vezes uma providência cautelar, mesmo que instaurada uma hora depois do facto que a justifica, é frustrada pela distribuição bidiária que à data existe.

Notas práticas que talvez possam ser úteis para, na próxima legislatura, progredir na obtenção de uma justiça eficiente e célere.

*Carla Góis Coelho é associada coordenadora na área de Contencioso da PLMJ.

  • Carla Góis Coelho
  • Sócia na área de Resolução de Litígios da PLMJ

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