África, o capítulo final
Depois da viagem que custa 50 euros/dia/casal, organiza-se o manual para a felicidade: para cada país, um objetivo diferente.
Além de ser o único país do mundo com todas as vogais no nome, Moçambique é um paraíso do caraças. Agora que já foram confirmar as vogais, preparem-se para a última crónica africana que fará o balanço da minha desequilibrada aventura e contará com outros factos igualmente inúteis (mas ótimos para fazer conversa na fila das Finanças).
Há quatro meses decidi juntar toda a roupa caqui que tinha e alguma ousadia e fui fazer um bocadinho do continente mais excitante do planeta. O plano era ir da ponta de Moçambique até ao Quénia, atravessando o Malawi e a Tanzânia, de transportes públicos.
Péssima ideia! Afinal, o pior destes países não são as guerrilhas nem as doenças. Nem malária, nem maldade. O pior é a condução. Ou, neste caso, a falta de noção, coordenação e vergonha na cara!
Depois de 120 dias em carripanas do inferno posso aconselhar-vos a pagarem mais para ir ao lado do condutor. Assim, quando baterem de frente com um camião de gasolina, passam logo para a próxima reencarnação onde serão o feliz caniche de uma velha milionária. Qualquer outra opção implica demência e não há seguro de saúde que vos valha a quilómetros cúbicos de qualquer tenda hospitalar.
Tirando isso, levem tampões para os ouvidos. Há música por todo o lado e geralmente é pior que numa boîte colombiana. O volume é puro vandalismo aos tímpanos. Sobretudo nos autocarros que arrancam às quatro da manhã.
Já vos ouço a perguntar: mas de que país é que gostaste mais? Se tivesses de lavar dinheiro, onde é que investias? Se fosses noiva de Santo António, em lua-de-mel paga, para onde é que ias? Se tivesses de apontar um para não ser invadido por americanos, qual é que escolhias?
Como podem imaginar, é mais difícil saber se gosto mais de comer Chima, Nsima, Sadza ou Ugali. Porque são exatamente a mesma coisa (uma papa de farinha de milho que está para África como o arroz está para a Ásia) com nomes diversos.
Todos os países são incríveis e oferecem qualidades diferentes. Por exemplo, se quiserem aprender a ser felizes sem eletricidade e água corrente, sugiro o maravilhoso Malawi, país pequeno com um lago infinito, onde entre montanhas verdes e um clima escocês, vive gente risonha que anda de bicicleta e fala inglês.
Para aprender a ser feliz sem pressas, nem manias, aconselho o (a)moroso Moçambique, cuja gastronomia é saída da melhor cervejaria, e o tempo anda para trás quando se tenta andar para a frente. Tem as melhores praias do mundo e aquele orgulho na língua que só um português sente.
Para aprender a fugir dos Masai, a fintar Touts e outros que tais, a tremenda Tanzânia, o país onde o misticismo se mistura com o romantismo. Uma novela entre o Islão, casais que não saem do colchão, carros em contramão e safaris saídos do “Rei Leão”.
Finalmente, para aprender que não é fácil ser feliz sem dinheiro mas não há nada como a imaginação, eis o quixotesco Quénia. A fantasia africana em plena savana, onde uma tenda custa mais que uma cama mas onde o próprio sol escolheu nascer e morrer, catorze vezes por semana.
“Então, e quanto custou essa brincadeira toda?”, perguntam as vossas carteiras com um ar desconfiado. Quatro meses vezes um casal é igual a 6000€ divididos por kwachas, xelins e meticais.
Se não quiserem ficar na palhota de zinco, a dormir agarrados a um Kikuyu, esta África faz-se bem com um budget diário de 50€. O mais caro é a espetacular acomodação com gerador, porque o frango à zambeziana e a “deslocação” têm sempre preços de ocasião.
A boa notícia é que não só é possível como é obrigatório viajar por África sem medos, de trolley ou mochila, jipe, camelo ou chinchila (que é como quem diz burrico, para rimar). É muito mais fácil e seguro do que alguma vez imaginei. Sim!, mesmo sozinho, sim!, mesmo sendo mulher. Claro que há coordenadas a evitar e ruas de fugir mas isso há em qualquer quintal. Há sempre azares e gente que se porta mal. Mas se sonham com África, é hora de acordar. Sim, hoje! O único dia que existe.
Hakuna Matata e até para o ano!
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Crónicas africanas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publicou as melhores histórias da viagem. Pode continuar a acompanhar as viagens aqui e aqui.
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