As “meta-lacunas” laborais do metaverso (?)

  • Ricardo Lourenço da Silva
  • 7 Junho 2022

Em que medida o metaverso pode impactar o direito do trabalho? Eis a questão que todos queremos ver respondida!

Trabalhar das 09h às 17h, à frente de uma secretária, ladeada por outras tantas idênticas, será (provavelmente) uma memória daqui a alguns anos, tal como está prestes a ser o trabalho em série preconizado no início do século passado. Acabamos de entrar na década de 20 do século XXI e torna-se claro que as organizações e os modelos de trabalho estão em transformação.

Com uma infinidade de oportunidades, não é surpresa que muitos acreditem que o metaverso será a próxima “next big thing” no mundo dos negócios e que haverá uma grande evolução da internet associada a um conjunto de tecnologias, frequentemente denominada de Web3, que engloba as criptomoedas, o blockchain, realidade virtual, tecnologia imersiva, entre outros.

As mudanças provocadas pela tecnologia nas últimas décadas são inegáveis. Ainda que bem-vindas, as transformações geram questões sobre o seu real impacto laboral. Perante tais desafios, o estado da arte dita que balizemos algumas reflexões que não podemos deixar de referir numa abordagem breve, mas séria, sobre o metaverso:

1. Já surgiram as primeiras queixas de assédio sexual no metaverso!

É importante, por isso, que os empregadores definam previamente “políticas disciplinares” relativamente a eventuais “más condutas” no metaverso – isto para que estas (e outras) potenciais situações de violação de deveres laborais sejam devidamente analisadas do ponto de vista jurídico laboral e, caso se justifique, tratadas de forma adequada e proporcional.

2. Os trabalhadores passam a estar “expostos” a merchandising no metaverso, o que provavelmente levará a que comprem produtos para si e para os seus avatares.

Nesse contexto – e assumindo-se que as criptomoedas serão utilizadas para essa finalidade -, será possível que nos deixemos, de uma vez, de lirismos e comecemos uma discussão séria sobre o pagamento da retribuição em moeda digital? Tópico quente, bem sabemos (!), mas que consideramos que merece uma reflexão ponderada de todos os envolvidos.

3. A introdução de um espaço de trabalho metaverso pode permitir aos empregadores procurar talentos a nível global e reforçar a diversidade cultural de uma organização.

No entanto, antes de contratar trabalhadores no metaverso que podem não residir fisicamente no país do empregador, estes devem considerar uma variedade de questões, incluindo implicações fiscais, de segurança social e de imigração.

4. Trabalhadores de diferentes países conviverão “lado a lado” no mesmo ambiente, o que faz antever a questão: e os litígios, onde devem ser dirimidos?

Qual será o foro competente para solucionar os conflitos laborais do metaverso?

As partes poderão escolher a lei aplicável (hipótese controversa)?

Será, em algum momento, possível solucioná-los no próprio metaverso, criando-se tribunais virtuais também nesse ambiente?

5. Para além do “trabalhador-avatar”, como será assegurada a proteção da saúde da “pessoa humana” que o controla, a qual é obrigada a usar equipamentos de realidade virtual horas a fio?

Não nos parece que, do ponto de vista da prevenção dos riscos profissionais, se deva esquecer as implicações que o metaverso poderá ter na saúde dos trabalhadores. Por ora, não podemos excluir possíveis riscos psicossociais (até agora desconhecidos…) como resultado da exposição prolongada do trabalhador a uma realidade virtual paralela.

Como se percebe, as interrogações são, de facto, muitas e de diferente natureza. Isto significa que, caberá, uma vez mais, à doutrina e jurisprudência chamarem a si a responsabilidade e serem protagonistas e pioneiras no tratamento destas questões que constituem um verdadeiro desafio ao quadro jurídico que regula as nossas relações laborais.

Até lá, será preciso inovação e criatividade jurídica para conviver e colmatar as “meta-lacunas” laborais do metaverso!

Como se costuma dizer, o futuro está ao virar da esquina e, neste caso, dita muitas interrogações. Por agora, estas devem conduzir sobretudo a reflexões. As respostas devem ficar para mais tarde, uma vez que a futurologia nem sempre é boa conselheira.

Resta-nos, assim, acompanhar os próximos capítulos porque “muita água ainda vai correr por baixo da ponte”. Independentemente do rumo tomado, esta não será certamente a última vez que escreveremos sobre o tema.

  • Ricardo Lourenço da Silva
  • Advogado sénior da Antas da Cunha Ecija

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