Investimento Público: o bom e o mau?
Não podemos cair no exagero de achar que todo o investimento público é bom. Basta pensar na maioria das PPP rodoviárias.
De que falamos quando falamos de investimento público e da sua execução orçamental? O tema tem sido debatido, uma vez que o Governo tem usado o investimento público como um dos instrumentos para a consolidação orçamental e a redução do défice.
Antes de mais importa relembrar que em Finanças Públicas temos duas óticas diferentes quando olhamos para os números: por um lado, a ótica das contas nacionais, que serve para reportar o défice e a dívida pública a Bruxelas, em que qualquer despesa é contabilizada com base no compromisso. Isto é, basta a sua realização para ser contabilizada num determinado ano, independentemente de ter sido paga. Assim, uma despesa que tenha um compromisso em 2018 (sendo realizada nesse ano) irá ao défice de 2018. Mesmo que só seja paga em 2019 ou depois. Por outro lado, a ótica da contabilidade pública, em que a despesa é registada no momento do seu pagamento.
Além disso, as duas óticas têm outras diferenças. Por um lado, têm universos diferentes (embora neste momento essa diferença seja residual, mas até 2014 não era), e por outro, o que em contabilidade pública é registado como investimento pode não ter a correspondência de investimento em contas nacionais.
Além disso, é preciso fazer uma última distinção. A despesa de capital pode ser Investimento (aquilo a que se chama Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF) e outra despesa de capital. A FBCF é o investimento em ativos tangíveis (edifícios, estradas, computadores, equipamentos, etc.) e intangíveis (patentes, licenças, software, etc.). As outras despesas de capital são sobretudo transferências de capital, e nos últimos anos tem sido muito influenciadas pelos apoios financeiros aos bancos e por injeções de capital em empresas públicas (em ambos os casos são registados como despesa de capital).
Mas o que é que os números nos dizem? Em contas nacionais, entre 1995 e 2005, a FBCF andou em torno dos 4,5% do PIB. Depois reduziu-se até 2008, mas em 2009-2010 voltou a acelerar para chegar aos 5,5% do PIB. Com a chegada da troika foi preciso reduzir muito o investimento público, tendo em 2014 registado um valor de FBCF de 2,1% PIB. Em 2015 foi de 2,3%. E a partir daí voltámos a assistir a uma forte redução da FBCF (1,5% PIB em 2016 e 1,7% em 2017). Para 2018 o governo prevê uma subida para 2,3%.
O problema é que no OE/2016 o Governo prometia uma FBCF de 2% do PIB e no OE/2017 prometia 2,2% do PIB em 2017. Em 2016 a FBCF ficou assim abaixo do orçamentado em 0,5 p.p. do PIB (cerca mil milhões de euros) e voltou a ficar abaixo do orçamentado em 2017 novamente num valor próximo de mil milhões de euros.
Embora algum do investimento que não foi concretizado possa ter uma contrapartida de fundos comunitários do lado da receita, a verdade é que mais mil milhões de euros aumentaria o défice em 0,5 p.p., colocando-o acima dos 1,5% previstos inicialmente no OE/2017. Muito do sucesso de um défice abaixo dos 1,5% passou por este controlo do investimento público.
Em contabilidade pública verifica-se que o aumento do investimento público em 2017 face a 2016 resulta de um aumento ao nível das autarquias. Estas, em ano eleitoral, tiveram mais 400 milhões de euros de investimento face ao ano anterior. Já a Administração Central teve menos 200 milhões de euros de investimento em 2017 face a 2016.
Na semana passada o ministro das Finanças veio dizer que a redução do investimento só ajudou à consolidação orçamental de 2016. Além de ter confundido investimento público com a operação de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Além de ainda não haver decisão do Eurostat se irá ao défice, e caso seja contabilizado, será como outra despesa de capital e não FBCF, todos sabemos que a recapitalização da CGD foi sobretudo para tapar os buracos da gestão do banco dos últimos 10-15 anos.
Mas o argumento do ministro das Finanças foi: “Em 2016 o défice melhorou, números redondos, próximo de mil milhões de euros. Desses mil milhões de euros, o contributo do saldo de capital foi de 200 milhões de euros”.
Ora, embora como atrás referi, algum investimento teria uma compensação do lado da receita via fundos comunitários, não faz sentido comparar a evolução do défice com o saldo de capital. O saldo de capital tem do lado da receita muito mais do que os fundos comunitários. Recordo que a UTAO estimou que apenas 30% do investimento não realizado teria a compensação do lado da receita por via de fundos comunitários.
Dada a importância do investimento público, é fundamental que se passe a olhar de forma estruturada para este tema. Creio que um valor entre 1,5%-2% do PIB de FBCF é suficiente para manter e melhorar as infraestruturas do país. Mas para tal, é necessário ter um plano de longo prazo e práticas eficientes na gestão dos ativos. É necessário tratar estas matérias através de uma abordagem racional, estruturada e previsível.
A definição de metodologias de avaliação e de tomada de decisão de referência, que sejam utilizados de forma sistemática, formando um quadro estável, compreensível pela comunidade em geral, legitimado por especialistas e técnicos independentes e aceite pelos principais decisores, qualquer que seja o Governo em funções, seria uma forma de assegurar que os processos relativos a investimentos públicos são suficientemente sólidos e bem suportados, permitindo melhores decisões com elevado impacto para o país.
Neste ponto creio que seria muito importante implementar seis critérios para aprovação de Investimento Público. Os seis critérios seriam: (i) O investimento a aprovar serve que interesse público? (ii) É uma função que deverá ser desempenhada pelo Estado? (iii) Pode este investimento ser desenvolvido por outro nível hierárquico do Estado – Municípios? – Freguesias? (iv) Pode este investimento ser efetuado pelos setores privado, cooperativo ou social? (v) Pode o investimento ser efetuado de uma maneira mais eficiente? (vi) Tem o Estado dinheiro suficiente para desenvolver este investimento?
As respostas a estes seis critérios pelos decisores públicos, com capacidade para a realização de Investimento Público, deveriam ser entregues obrigatoriamente ao Tribunal de Contas e serem alvo de uma apreciação casuística por parte deste organismo. E naturalmente, deveriam ser tornadas públicas, num site especifico que acompanhasse o investimento público.
O investimento público é importante na condução das políticas públicas. Mas tem de ser, como tudo na vida, objeto de análise, avaliação e seleção. Não podemos ter a ideia de que não é preciso haver investimento público. Muitas das infraestruturas que temos não teriam sido construídas de outra forma. E geram externalidades positivas que são fundamentais ao desenvolvimento e ao investimento privado e à competitividade das empresas. Mas também não podemos cair no exagero de achar que todo o investimento público é bom. Basta pensar na maioria das PPP rodoviárias. Maus projetos, que não tinham racionalidade económica e social. E que naturalmente não geraram valor para o país.
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