Morreu o homem que tinha razão
Medina Carreira dizia, de forma tão simples como pedagógica, o que os políticos não queriam que se dissesse. Com gráficos, com números.
Henrique Medina Carreira vai fazer falta ao país, mesmo àqueles que dele discordavam, porque era um homem livre e independente. E como fazem falta os Homens que dizem que o pensam, e sobretudo os que estudam antes de o fazer. E esse o maior legado que nos deixa, e uma responsabilidade.
“Não sou pessimista. Chamam-me assim porque, para me responderem, tinham de ir trabalhar, estudar os números, raciocinar. Limitam-se a chamarem-me pessimista e dão repercussão a essa ideia. É a coisa mais estúpida deste mundo e é a fórmula cómoda de tentar anular o meu pensamento”, afirmou numa entrevista ao Expresso, em 2009. E não era, ou era, na versão de Marcelo, ‘irritantemente pessimista’. O problema é que tinha razões para o ser e, por isso, mais do que pessimista, foi um homem com razão antes do tempo. Uma década antes do tempo. Infelizmente, esteve anos a falar sozinho.
O programa ‘Olhos nos olhos’, na TVI24, que fazia há anos, todas as terças-feiras, era obrigatório. Porquê? Porque dizia, de forma tão simples como pedagógica o que os políticos não queriam que se dissesse. Com gráficos, com números. E deixou-nos um livro, escrito a meias com a jornalista Judite de Sousa, com o mesmo nome do programa. Para não esquecermos. Falou-nos do partido do Estado antes de qualquer outro, que explicava as decisões dos governos, o mercado dos votos, falou-nos dos interesses que o capturavam.
Nunca aceitou o princípio de que o ‘respeitinho é muito bonito’, especialmente em relação aos que nos governam, à esquerda e à direita. Nunca aceitou as mordomias. Disse-nos às vezes o que não queríamos ouvir, com aquele ar rezingão que só agravava o tom da mensagem. Semana após semana, atirava-nos gráficos e quadros e dizia-nos que poderíamos optar por trabalhar pouco e apostar no sol e praia, mas acrescentava: depois não podemos é querer viver como os alemães e os suecos.
Medina Carreira partiu e haverá muitas lágrimas de crocodilos. Para esses, o melhor que se pode fazer, a melhor homenagem a quem sempre defendeu um país melhor para os nossos filhos e netos, para as próximas gerações, é mantermos o saudável princípio do ceticismo. Com números, com gráficos e quadros, tudo o que possa suportar a crítica fundada a uma certa forma de política que nos quer enganar.
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