Editorial

O céu não pode ser o limite (para a TAP e para o Governo)

Alexandra Reis vai ser o o elo mais fraco, mas é a menos responsável de mais uma trapalhada que acabará por lhe custar o lugar.

Comecemos pelo fim: a secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, vai ter de sair do Governo ao fim de poucas semanas em funções. E é a menos responsável de uma trapalhada que envolve os ministros Fernando Medina e Pedro Nuno Santos e a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener. Como é que tudo isto começou?

Quando os ministros das Finanças, Fernando Medina, e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, divulgam um despacho conjunto para exigirem à administração da TAP todos os esclarecimentos sobre a demissão (ou renúncia) da, então, administradora Alexandra Reis quando são, eles próprios, os responsáveis pela nomeação da administração, percebe-se que ainda falta muito por esclarecer e, sobretudo, a constatação de que não há uma boa resposta para o despedimento remunerado de uma administradora que, passados quatro meses, assume a presidência de outra empresa pública e que passados mais seis meses acaba secretária de Estado. E o verbo “acaba” não é usado por acaso…

O despacho é, obviamente, um exercício de cinismo político, e isso é o melhor que se pode dizer (o contrário seria admitir que os dois ministros com a tutela da TAP não sabiam os termos exatos do despedimento de uma administradora, o que justificaria perguntar o que andam exatamente a fazer). Mas é ao mesmo tempo uma fuga para a frente, passando a responsabilidade para a gestão da companhia aérea. Numa empresa que está em reestruturação, que impõe cortes aos sindicatos, é aceitável que se despeça um administrador por conveniência de serviço, leia-se, porque a presidente executiva e a administradora financeira não são amigas de casa? Só isso justifica uma saída com indemnização, o despedimento por justa causa ou incompetência ou a própria renúncia não permitiriam tal indemnização, como explica aqui o redator principal do ECO, André Veríssimo.

São demasiados dias sem explicações, e quando se demora tanto tempo, a justificação mais simples é provavelmente a mais incómoda: Não há justificação. Alexandra Reis, sim, fez esta segunda-feira uma declaração por escrito à Agência Lusa para dizer o óbvio, para garantir que cumpriu que foi acordado entre advogados na convicção de que estava a cumprir a lei (era o que mais faltava o contrário, certo?) e que caso se verifique que recebeu mais do que o devido, devolverá esses fundos (mas havia outra alternativa?). Sobre o que é importante, nada disse nem esclareceu, a não ser a confirmação de que terá sido mesmo despedida.

Se é necessário perceber exatamente as razões que levaram ao seu despedimento — o comunicado enviado à CMVM em fevereiro sugere o contrário, porque tem elogios à gestora — e que justificaram a indemnização, o ponto mais crítico não é exatamente a sua nomeação para o Governo, antes a sua nomeação para presidente de outra empresa pública, a NAV, quatro meses depois de sair da TAP. Sejamos claros: Mesmo partindo do pressuposto que a indemnização de 500 mil euros é devida à gestora, não seria possível um gestor ser indemnizado para sair de uma empresa para entrar em outra do mesmo grupo empresarial privado passados poucos meses. E neste caso, as evidências legais nem sequer confirmam a legalidade do montante da indemnização, mas faltam explicações da TAP.

No contexto económico e social em que o país vive, mais um de um milhão de famílias a precisar de receber 240 euros para aguentar a crise, toda esta trapalhada torna-se ainda mais difícil de perceber, a incapacidade de antecipar que à legalidade seria necessário juntar o bom senso político.

Agora, António Costa está outra vez com um enorme problema entre mãos, e tem dois dos seus ministros mais fortes politicamente envolvidos no caso e uma empresa que, por coincidência, recebe esta semana, precisamente esta semana, mais 990 milhões de euros de apoio dos contribuintes.

Alexandra Reis deixou de ter condições políticas para exercer as suas funções, com ou sem devolução de parte da indemnização, é o elo mais fraco, e quanto mais tempo demorarem a tomar decisões, mais fragilizada ficará a gestão da TAP, consumida por casos e mais casos quando tem uma tarefa hercúlea pela frente, e o próprio Governo.

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