Caminhadas, quartos partilhados e muitas conversas de empreendedor para empreendedor. E sem telemóveis para perturbar a partilha.
Pegar no telemóvel dá direito a multa: rodada de bebidas para todos. Atrasos também. E, quem não canta no karaoke, na noite de sábado — a terceira do retiro — também paga. É este o mote de boas-vindas do primeiro retiro de empreendedores em Portugal. Organizado pela Faz Acontecer, juntou 15 desconhecidos no Vale Paraíso Natur Park, na Nazaré, com o objetivo de partilhar experiências de negócio e de percurso sem recurso às tecnologias. Em resumo: ouvir e falar.
“Acreditamos em comunidade em vez de competição. Aqui pretendemos juntar um grupo de pessoas que comprovadamente fazem acontecer: experts nas suas respetivas áreas, fundadores de startups, empreendedores de diferentes backgrounds que conhecem as dificuldades inerentes para se ter sucesso, que encontraram obstáculos mas também formas de os ultrapassar”, sublinhava a organização em vésperas do início do encontro.
Distribuídos por bungalows femininos ou masculinos, os participantes não têm maneira de evitar interação: acordam e deitam-se acompanhados, partilham horários e refeições, com a vantagem de que os telemóveis e computadores portáteis têm hora marcada e essa não coincide com o programa estabelecido. E a cumplicidade surge sempre que, entre risos, se encontram coisas comuns: no percurso e na maneira de ser.
“Chamo-me Mariana, sou jornalista e escrevo sobretudo sobre fazedores: gente que pensa e faz coisas“, explico, sobre o meu perfil de “pessoa que faz acontecer”. Um a um, os participantes apresentam-se e reforçam o percurso (os primeiros tópicos de apresentação foram antes enviados por email pela organização): vêm de empresas pequenas ou médias, com apenas um ou dezenas de trabalhadores, com marcas criadas e conhecidas nos respetivos setores ou… que ainda nem foram criadas. Em comum, têm a vontade de contar a própria história e ouvir a de outros, num processo de constante aprendizagem e evolução, sem medo que o segredo seja a alma do negócio mas, antes, com a certeza de que a alma é que é o segredo do negócio.
“Um retiro? Alinhei logo. Gosto de experiências novas. Aquilo que retiro do retiro é o facto de as relações humanas e a capacidade única de criar e fazer acontecer torna cada um de nós excecionais e seres verdadeiramente especiais”, explica Eunice de Melo, um dos dois participantes vindos dos Açores para participarem no evento.
Mais do que falar de negócios
Na parede, imediatamente antes, são afixadas folhas com perfis de cada um dos participantes: “fazer acontecer é”, “o meu maior desafio” e “a minha maior dificuldade”. E é do ponto médio — do desafio — que arrancam as partilhas à lareira: é que neste retiro de empreendedores, as conversas são tidas em frente à salamandra e sentados em sofás, sem mesas e cadeiras frias de eventos tradicionais. De um lado, os participantes aventureiros; do outro, os especialistas no caminho. É dessas conversas que saem, no último dia, as conclusões. Ou a energia para fazer acontecer: contam-se desafios, dificuldades e ameaças. Mas também se confidenciam orgulhos de equipas, projetos a solo sem ninguém com quem dividir ansiedades e dúvidas.
“Há altura da vida em que estamos em overburn e a precisar de desligar. Ou em que estamos estagnados na capacidade e drive criativa. Ou a necessitar de um push de confiança para abraçar novos desafios. Era onde eu estava no final de 2017″, conta Luísa Baltazar, empresária portuguesa que passou os últimos anos a trabalhar nos Estados Unidos na área do empreendedorismo. “E foi por parte de um grupo de pessoas que não me conhecia, mas que me entendeu, que obtive tudo isso ao mesmo tempo e em apenas três dias. Ganhei energia, ideias, contactos, inspiração e um novo grupo de amigos”, conta Luísa ao ECO.
Estando, por isso, todos na mesma posição, torna-se mais fácil partilhar medos e traçar caminhos. Mas nem tudo é business. No retiro da Faz Acontecer há tempo para tudo: jogo de futebol, corridas em carrinhos de rolamentos, caminhadas a pé a caminho da praia e até um café quente à beira-mar. Entre todos, há tempos ‘mortos’ que ajudam a decorar os nomes e servem de mote ao grupo de Whatsapp criado depois do evento (para evitar sanções) e onde a hashtag #AFazerAcontecer tem sido uma das mais usadas.
Programa preenchido
A agenda comunicada ao longo do período de divulgação do evento inclui uma mulher e três homens: Cristina Amaro, diretora e pivô do programa de televisão Imagens de Marca, Sérgio Castro, fundador da IT Center, Paulo dos Santos, fundador da Ubirider e Luís Rato, fundador da Kiosque Street Food, um negócio avaliado em mais de 40 milhões de euros. Do primeiro ao último, divididos entre sexta e sábado de evento, os empresários convidados contaram a experiência que é criar negócios do zero, construir equipas, ganhar e perder dinheiro, mudar o mundo.
“Nem sempre é fácil”, confidencia Cristina Amaro, que criou a sua própria produtora e redação para poder fazer o “jornalismo de que gosta” e com que sonhava. “A importância de eventos como este é enorme e então, para quem está aqui, sente ainda mais. Quem tem algumas aprendizagens em somatório, deve partilhá-las com quem está a começar e quer aprender”, detalha Cristina Amaro sobre a participação no evento.
À partida, o que têm em comum o mel que o Rodrigo produz nos Açores, as viagens de veleiro da Eunice pela costa açoriana, o chá produzido no Ribatejo do Bruno ou o projeto que Elisa tem na cabeça para dar uma nova vida aos poucos habitantes de uma aldeia no norte interior do país? Aparentemente nada. Mas têm muito, aprendemos nós durante o retiro. É que as dificuldades com que alguns se deparam hoje foram já ultrapassadas por outros. E o que a coacher Ana tenta transmitir hoje a um dos seus clientes pode ter sido verificado — e superado — por Luísa enquanto viveu nos Estados Unidos, ou por Mário, a ponto de lançar oficialmente o seu projeto empreendedor, ou até por Miguel e Manuel, que fazem dos seus dias, jornadas de descoberta na área da inteligência artificial. No fundo, estamos todos ligados.
“O retiro foi um fim de semana super inspirador onde pessoas de idades e setores de atividades diferentes se conheceram, entreajudaram e ficaram amigos”, conta Mário Tarouca, um dos participantes no evento.
“Ainda hoje, semanas após o retiro, mantemos contacto diariamente entre todos. Foi brutal estar quatro dias offline e ser energizado por pessoas tão simples e honestas, sendo ao mesmo tempo incansáveis, extraordinárias e que transformam as suas ideias em ações diariamente”, explica o fundador da Breadfast, uma startup que distribui pequenos almoços em unidades de alojamento local.
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Retiro de empreendedores: tudo o que aprendi em três dias
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