Um imposto para a dívida? Sim, não, talvez

Rui Rio lançou para o debate a ideia de criar um novo imposto consignado ao pagamento dos juros da dívida, reduzindo outros impostos. Seria útil? O ECO foi questionar economistas para descobrir.

Em 2017, os contribuintes portugueses vão pagar 8,3 mil milhões de euros em juros da dívida pública. Mas será que o sabem? A questão foi levantada pelo ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, num debate que moderava. Ao ECO, esta quarta-feira, Rio explicou melhor a ideia e deixou uma sentença: “Se não mudarmos de rumo iremos outra vez alegremente contra a parede”.

O que sugere Rui Rio para Portugal não ir contra a parede? Um novo imposto consignado ao pagamento dos juros da dívida que — não implicando o pagamento de mais impostos, uma vez que outros seriam reduzidos na mesma proporção — faria “uma arrumação mais transparente da receita e da despesa pública”. Rio argumenta que atualmente o pagamento é feito “de forma escondida através dos diversos impostos que entregam ao Estado”.

O ex-autarca do PSD explicou o objetivo: “Se essa verba fosse bem explicitada através de um imposto com as características enunciadas, as pessoas passariam a perceber melhor os efeitos nocivos de um défice público, porque, logo a partir do ano seguinte, o novo imposto subiria. Hoje acontece o mesmo, mas as pessoas não o percecionam de forma tão transparente”.

Em última instância, Rui Rio defende que a carga fiscal tenderia “a baixar paulatinamente” porque a transparência do novo imposto pressionaria os Governos a criar excedentes orçamentais. Contudo, o próprio social-democrata identifica uma desvantagem: a possibilidade de o novo imposto “poder dar demasiada força a posturas de perfil mais populista, que reclamem, por exemplo, o não-pagamento da dívida, senão mesmo dos próprios juros”.

Novo imposto? Políticos rejeitam. E os economistas?

Da esquerda à direita, as reações foram negativas. O chairman da SIBS, Vítor Bento, alinha nesse discurso, apesar de concordar no objetivo final. “Consignar impostos não faz sentido”, afirmou ao ECO. Para o economista o pagamento da dívida só se faz com excedentes orçamentais. Como se consegue passar de défice para superavit? “Com mais receita (seja qual for a origem) do que despesa, seja aumentando a primeira, seja reduzindo a segunda”.

Se o que se quer é que o contribuinte ‘sinta’ o que lhe custam as alocações do Estado — o que acho muito bem — porquê confinar o ‘sentir’ só aos juros?

Vítor Bento

Chairman da SIBS

Se o que se quer é que o contribuinte ‘sinta’ o que lhe custam as alocações do Estado — o que acho muito bem — porquê confinar o ‘sentir’ só aos juros?”, questiona o ex-presidente do Novo Banco. Em contrapartida, Vítor Bento propõe que “as Finanças enviem anualmente a cada contribuinte a fatura dos seus impostos“.

O economista até vai mais longe, sugerindo que o contribuinte receba informações sobre o equivalente monetário de serviços disponibilizados pelo Estado que o cidadão usufruiu. Assim, defende, haverá uma maior consciencialização de que o Estado “somos nós”.

Já a economista-chefe do BPI é a favor deste novo imposto. “Os impostos servem para pagar a despesa do Estado. Esta ideia ajuda a tomar consciência do peso de ter um défice nas contas públicas e, portanto, do impacto das medidas dos Governos”, considera Paula Carvalho ao ECO. A economista defende que o efeito psicológico pode ser “bastante útil a nível da pedagogia” dos portugueses.

Não há dúvida quanto a uma coisa: “Ter défice nas contas públicas significa que a dívida aumenta e, por isso, também vão existir mais encargos com os juros da dívida”, explica Paula Carvalho. Ou seja, em última análise é mais despesa que tem de ser paga com mais receitas (impostos).

A ideia é positiva, mas o problema de base é o peso do Estado e a competitividade da economia.

Carlos Pereira da Silva

Professor do ISEG

O economista Carlos Pereira da Silva, ao ECO, não rejeita a ideia introduzida por Rui Rio, mas ressalva que este possível novo imposto consignado ao pagamento dos juros da dívida não apaga o problema estrutural: o Estado tem de cortar nos gastos “inexplicáveis” que faz. Sem esse problema resolvido, argumenta o professor do ISEG, este novo imposto não irá servir de nada. “A ideia é positiva, mas o problema de base é o peso do Estado e a competitividade da economia“, afirma ao ECO.

Apesar de reconhecer mérito na proposta, Carlos Pereira da Silva considera que essa possível transparência de um imposto que vai diretamente para o pagamento dos juros da dívida pública portuguesa poderá dar, ao contrário do que argumenta Rui Rio, uma hipótese para os Governos manterem o nível de despesa, ou até aumentarem. E, portanto, não concorda que este imposto pressionaria os governantes a atingirem excedentes orçamentais para reduzirem este novo imposto.

Olá, dívida pública. Como estás?

A sustentabilidade da dívida soberana é um dos temas que continua no espaço público, principalmente pelas pressões dos parceiros do Governo. O Bloco de Esquerda tem até um grupo de trabalho com o Executivo sobre a dívida pública e, em janeiro, vai ser apresentado um estudo sobre o tema, o que poderá fazer regressar o debate em torno da sustentabilidade. O primeiro-ministro, em entrevista à RTP, indicou que apenas depois das eleições alemãs, em outubro, é que uma eventual negociação europeia da dívida pode acontecer.

Na última divulgação do Banco de Portugal sobre a dívida pública relativo a outubro de 2016, o valor desceu pela primeira vez em oito meses. Apesar dessa ligeira melhoria, a dívida em percentagem continua acima dos 130% do PIB, o que corresponde 243,3 mil milhões de euros na ótica de Maastricht, a que importa para a Comissão Europeia. Este nível de dívida ultrapassa a barreira dos 120%, uma linha importante para o Fundo Monetário Internacional para o cálculo da sustentabilidade da dívida.

Evolução da dívida pública portuguesa

Fonte: Banco de Portugal (Valores em milhões de euros)
Fonte: Banco de Portugal (Valores em milhões de euros)

 

Mas, como a ideia de Rui Rio é especificamente relativa aos juros da dívida pública, é preciso analisar como evoluíram os encargos com os juros nos Orçamentos do Estado. Entre 2006 e 2016, esses encargos duplicaram: os mais de quatro mil milhões de euros em 2006 passaram 10 anos depois a ser mais de oito mil milhões de euros, como mostra o relatório do Orçamento do Estado para 2017. O próprio peso dos encargos, em relação ao PIB, aumentou. Em 2008 estimava-se ser 2,9%, mas em 2017 estima-se que seja 4,3%.

Evolução dos encargos com os juros da dívida

Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado (Valores em mil milhões de euros)
Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado (Valores em mil milhões de euros)

 

Peso dos encargos dos juros da dívida no PIB

Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado (Valores em percentagem do PIB)
Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado (Valores em percentagem do PIB)

Editado por Paulo Moutinho

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