Subemprego: a “armadilha” que veio para ficar
Por cair fora dos números do desemprego e não ter atenção mediática, é quase invisível. Mas o cariz involuntário do subemprego torna-o mais "gritante". Como se sai desta "armadilha"?
Subemprego é uma palavra que não se ouve muito por aí. Pelo menos não tanto como “desemprego”, esse indicador que domina o discurso mediático sobre a precariedade. Uma pessoa em situação de subemprego é, segundo a definição do Instituto Nacional de Estatística, que se alinha com a europeia, alguém que “tem um trabalho com duração habitual de trabalho inferior à duração normal (…) e que declara pretender trabalhar mais horas” — e em Portugal há milhares.
Foi o caso de Daniela, de Vila Real, que saída da escola secundária decidiu tirar enfermagem, por ser um “curso com saída, nomeadamente no estrangeiro”, conta ao ECO. “Penso que qualquer pessoa que escolha enfermagem tem como objetivo ajudar o outro”, acrescenta. Quando terminou o curso, procurou emprego durante quase meio ano antes de ceder e começar a trabalhar, em part-time, numa loja de artigos desportivos.
“Era um contrato a termo que foi renovado duas vezes”, no qual trabalhava menos horas do que as que desejava. Embora afirme que aproveitou para adquirir novas competências, o que Daniela queria era um contrato a tempo completo, e foi isso que ditou a sua saída da empresa. “Provavelmente teria ficado se tivesse tido mais horas”, recorda. “Agora estou na Irlanda”, de onde fala ao ECO através da Internet, “a exercer enfermagem em regime de tempo completo”.
A situação em que Daniela se encontrava — a trabalhar um horário part-time quando desejava e tinha disponibilidade para fazer mais horas — é mais comum do que se imagina. Segundo o INE, em 2015 havia mais de 293 mil pessoas em Portugal nesta situação. Os dados de 2016 davam já conta de uma diminuição — no segundo trimestre de 2016, 225 mil pessoas afirmavam trabalhar em part-time com vontade e possibilidade de fazer um horário completo.
Pessoas em situação de subemprego entre 2002 e 2015
Assim, o subemprego dos trabalhadores a tempo parcial representa, nos números mais recentes de 2016, quase 5% da população empregada, e cerca de 41,2% dos trabalhadores em part-time. Não são valores negligenciáveis.
Para o sociólogo Renato Carmo, investigador no ISCTE, “o subemprego é uma dimensão interessante do ponto de vista sociológico, talvez a mais identificativa de uma situação de injustiça social, na medida em que se trata de um conjunto de pessoas que estão numa situação involuntária”. O sociólogo afeto ao Observatório das Desigualdades afirma que a situação de subemprego, entre as de precariedade, é “talvez a mais gritante” porque as pessoas “pela vontade delas não estavam naquela situação”.
A precariedade é a regra entre os jovens
Renato Carmo está envolvido em investigações que estão ainda a decorrer mas que indicam, embora seja para já difícil de demonstrar, que “entre os mais jovens que estão a iniciar a sua inserção no mercado de trabalho, a maior parte deles está em situação precária”, explica. “A exceção não é estar numa situação precária. Embora a precariedade não seja específica aos jovens, pelo menos na população mais jovem tornou-se dominante”.
Os dados do INE tornam difícil perceber a situação das pessoas até aos 30 anos, por definirem a população jovem como tendo entre 15 e 24 anos. É nessa faixa etária que o subemprego ainda não parou de aumentar pelo menos desde 2002.
Subemprego por faixa etária entre 2002 e 2015
Entre as pessoas desde os 25 aos 54 anos, o subemprego começou a diminuir em 2013 após ter aumentado durante os anos da crise — uma tendência que é possível constatar apesar de uma quebra de série entre 2010 e 2011 (uma mudança na metodologia que alterou a forma de calcular o total de pessoas em situação de subemprego).
Como se sai da “armadilha” do subemprego?
Em entrevista ao ECO, a socióloga Luísa Veloso, investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, destaca três facetas principais que devem ser tomadas em consideração em qualquer projeto de mitigação da precariedade, na qual está inserida o subemprego.
- Política educativa: Não só importa combater “o insucesso e o abandono escolar”, em especial nas zonas mais propensas a isso como o Interior e o Algarve, mas também “conseguir que as pessoas acedam às universidades, e depois desenvolver um processo de melhoria permanente dos conteúdos que são ensinados aos alunos”, explica a socióloga. E para isso há outro passo importante: reduzir a precariedade entre os docentes do Ensino Superior.
- Política industrial: Para Luísa Veloso, é preciso apostar “em atividades económicas de elevado valor acrescentado”, nomeadamente combatendo “cada vez mais o fosso existente entre as universidades e as empresas”, para investir nas áreas da tecnologia e do conhecimento.
- Direitos dos trabalhadores: “O número de horas que se trabalha, quanto se paga por hora, o tipo de contrato de trabalho, o combate à velha questão dos falsos recibos verdes…”, são algumas das questões nas quais é preciso uma “mão firme” na fiscalização das situações de abuso.
O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não respondeu a perguntas colocadas pelo ECO sobre possíveis estratégias para combater o subemprego, mas existe uma referência ao fenómeno no Programa Nacional de Reformas aprovado em abril de 2016 pelo Executivo de António Costa.
“Registou-se, em 2015, um maior aumento do trabalho a tempo parcial (+4,3%) do que do trabalho a tempo completo (+2,6%)”, lê-se no documento, onde é sublinhado: “Note-se que 42,3 % da população empregada a tempo parcial declara estar disponível para trabalhar mais horas do que as que habitualmente trabalha”.
O Programa Nacional de Reformas estabelece algumas das estratégias a implementar para combater a precariedade no mercado de trabalho, o quadro onde se insere o subemprego, que incluem a promoção de relações laborais estáveis e duradouras e um reforço da capacidade de fiscalização das leis laborais. O documento sublinha ainda os custos dos níveis de subemprego:
Os níveis de subemprego implicam também menores receitas para a segurança social e uma maior despesa com as políticas ativas de emprego, utilizadas para atenuar os efeitos dos fluxos frequentes de transição entre emprego e desemprego, para além de representarem custos económicos e sociais acrescidos.
Também o sociólogo Renato Carmo destaca aquilo que o país tem a ganhar ao reduzir o subemprego e a incidência de outras situações de precariedade. “Resolver o problema da precariedade resolve muitos outros problemas”, afirma. “Fala-se por exemplo da questão das políticas de natalidade. Se continuássemos nesta situação em que estamos atualmente em que uma geração, várias gerações consecutivas, estão numa situação de permanente precariedade e por isso não conseguem sequer definir o que vão fazer daqui a três meses, obviamente que isso limita qualquer tipo de projeto de ter um filho”.
O mal das estatísticas e o subemprego invisível
O Instituto Nacional de Estatística calcula a quantidade de pessoas que estão desempregadas e também as que se encontram em situação de subemprego.
No entanto, são os números do desemprego que mais são falados e acabam por dominar o discurso mediático e nacional acerca da precariedade. Para Renato Carmo, “infelizmente, acabou por se tornar quase o único indicador social”, afirma, o que “é negativo, porque se trata apenas de uma dimensão dos problemas sociais e das realidades sociais”.
Luísa Veloso concorda que existem realidades que as estatísticas têm dificuldade em capturar, e por isso sublinha a importância de estudos encomendados pelo Governo para perceber melhor a composição social do país. “Acho que o Instituto Nacional de Estatística faz um excelente trabalho”, sublinha. “O que o Governo pode fazer é, obviamente, encomendar estudos, como tem feito nalguns casos, que permitam encontrar as razões dos processos para além das estatísticas oficiais”.
E há alguns fenómenos praticamente impossíveis de contabilizar. É o caso do subemprego invisível — um conceito definido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) como a situação das pessoas que trabalham em posições em que as suas capacidades não são utilizadas adequadamente.
Isto pode significar que a pessoa tem qualificações desadequadas ao trabalho que desempenha (por exemplo, um licenciado em História a trabalhar num supermercado), ou que a pessoa trabalha demasiadas horas, o que a impede de ser tão produtiva como conseguiria se tivesse as horas de descanso necessárias. Os indivíduos afetados por esta situação, tal como aqueles que se encontram subempregados, estão disponíveis para trabalhar mais e melhor e representam, assim, uma subutilização da mão-de-obra.
No final de contas, as vantagens da redução da precariedade estão à vista de todos, afirma Renato Carmo. “Isto devia ser uma questão nacional”, insiste. “Cuja resolução não é assim tão difícil”. Para o sociólogo, importa promover a contratação sem termo, com as proteções sociais previstas na lei. “O retorno que a sociedade tem disso será muito grande”, conclui.
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